08 Abril 2022
"Acreditamos que o pacifismo tenha diante de si um dilema moral que não pode resolver apenas ideologicamente, mas que também impõe um critério ético e, portanto, uma avaliação sobre a moralidade da resistência. De algumas passagens da história não se sai 'em santidade e pureza' e a rendição humanitária exigida aos ucranianos seria o reconhecimento do poder do mais forte e violento", escreve o sociólogo italiano Paolo Naso, em artigo publicado por Confronti, edição de abril de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para Putin e seu fiel ministro das Relações Exteriores, a Rússia não desencadeou uma guerra, mas está realizando uma "operação militar especial". As imagens dos corpos mortos e lançados em valas comuns, das bombas nos hospitais pediátricos, dos tiros de artilharia sobre os refugiados que acreditavam estar seguindo por "corredores humanitários" seguros e protegidos seriam, portanto, fruto da propaganda ocidental: da Otan, dos Estados Unidos da América e da União Europeia, aliados no apoio aos planos da Ucrânia de ameaçar e agredir a Rússia.
Esta "operação militar especial" - explicam os hierarcas russos - tem um objetivo específico: "desnazificar" a Ucrânia e reduzir a ameaça à segurança russa. Na realidade - é a temerária reconstrução russa da gênese do conflito - é Moscou que sofreu uma escalada agressiva e é vítima de um projeto expansivo e desestabilizador. A operação de um batalhão inteiro formado por neonazistas - o tão citado Azov - seria a prova mestra da verdadeira alma do nacionalismo ucraniano.
Diante desse quadro, a "operação militar especial" foi uma escolha legítima, aliás, um dever para deter o plano contra a Rússia cultivado pelo Ocidente e pelas suas alianças políticas e militares.
Poucos, na Itália e na Europa, compartilham esse "pacote" interpretativo. Bem mais numerosos, porém, são aqueles que aceitam alguns pedaços dessa reconstrução dos fatos e neles fundamentam a teoria da equidistância entre as partes em conflito.
"Putin tem seus próprios objetivos - ouvimos falar de grandes setores do pacifismo italiano - mas Zelenskyy não é melhor". "Putin invade com tanques - outra versão, não muito diferente nas conclusões - mas é a OTAN que incitou o nacionalismo ucraniano para humilhar a Rússia". Alguns da direita (Vittorio Feltri) e da esquerda (Jacopo Fo) chegaram a pedir a rendição incondicional da Ucrânia para trazer a paz. "Não é tão simples como parece - argumentam os mais ponderados - porque a realidade é muito mais complexa".
Claro que a realidade é sempre mais complexa do que a forma como a interpretamos e a contamos entre nós, mas por trás da hesitação em tomar posições menos equidistantes, percebemos a dificuldade em admitir que, pelo menos desta vez, os países europeus e ocidentais são bem menos culpados do que a Rússia neoimperialista de Vladimir Putin. O reflexo condicionado do pacifismo ocidental, na verdade, é o complexo de culpa pelos erros e fracassos do "intervencionismo democrático" no Iraque, Afeganistão, Líbia. O resultado daquela estratégia está à vista de todos: o Afeganistão está sob o cruel controle do Talibã, o Iraque é um barril de pólvora cheio de tensões não resolvidas, a Líbia é o teatro de batalha de uma guerra civil cujos efeitos também estão reverberando na Europa. Vinte anos de intervencionismo democrático não trouxeram nem paz nem democracia.
Fortalecidos por essa constatação, setores importantes do pacifismo europeu estendem esse juízo também à atual crise ucraniana. Se os países europeus e ocidentais se movimentam no cenário internacional - esta é a tese - é porque têm interesses hegemônicos e imperialistas que o "povo da paz" não pode aceitar nem compartilhar. "Nem com Putin nem com Zelensky", portanto, mas apenas pela "paz". A qualquer custo, a qualquer preço. Um corolário necessário desta opção é a recusa de enviar armas à resistência ucraniana que, ao encorajar garotos e mulheres indefesos a construir coquetéis molotov, seria culpado de perpetrar a guerra.
É a lógica da paz entendida como o silêncio das armas, separada e distante da justiça e dos direitos humanos. Uma paz distante até mesmo daquele sentimento humano elementar de empatia para com mulheres e homens que foram agredidos e que, com sua defesa desesperada, mostram que acreditam que vale a pena lutar para defender a liberdade de uma nação e de um povo. Com certa arrogância, porém, os mestres do pacifismo explicam que os resistentes ucranianos estão errados e que, lutando, afastam a paz. O tão aclamado direito dos povos à autodeterminação, tão popular algumas décadas atrás, pode ser serenamente arquivado.
Exceto argumentar que Zelensky, eleito com 73% dos votos nas eleições presidenciais de 2019, seja um fantoche do imperialismo ocidental e que as imagens dos resistentes ucranianos cavando trincheiras são fruto da propaganda da OTAN. Em todo caso, certo tipo de pacifismo invoca que o façam sem as armas do Ocidente. Talvez possa valer a pena especificar do que estamos falando: mísseis, bombas, morteiros e metralhadoras. Armas que matam, claro, como todas as outras, mas que, dadas relações das forças em campo, têm uma função e uma capacidade exclusivamente defensivas.
Se tudo é complexo - gostaria de replicar aos que advertem para não tomar partido porque de ambos os lados existem razões e equívocos que se entrelaçam e se confundem - a paz também é complexa e não pode ser aquela imposta pela espada de Brenno ou aquela da "ordem que reina em Varsóvia".
Ou aquela de 1956 na Hungria ou de 1968 na Tchecoslováquia. Ou a que, quando éramos jovens, chamávamos de pax americana.
O pacifismo que cita o Sermão da Montanha ("Bem-aventurados os que promovem a paz") não pode esquecer os textos proféticos e a advertência de Isaías de que a paz é fruto da justiça.
Tudo é complexo, inclusive no plano ético. Sabemos bem disso quando se discute sobre o aborto ou o fim da vida, questões sobre as quais a rigidez dos totalitarismos éticos impossibilita a definição de caminhos juridicamente e praticamente sustentáveis. E, portanto, a paz também é complexa, que não é apenas o fim dos combates.
É também justiça, liberdade, direito. A ética, mesmo a dos cristãos, não é absoluta, mas é obrigada a se contextualizar e se especificar no caminho da história.
Quanto à história, se faz sentido estudá-la e assumi-la como uma luz para entender o que está acontecendo hoje, não se pode recorrer ao estratagema cômodo e tranquilizador pelo qual não faz sentido comparar a resistência ucraniana com aquela que recordamos no 25 de abril (Dia da Libertação), ou os projetos imperialistas de Putin à lógica da anexação nazista da Áustria - que não ofereceu resistência - em 1938. E sabemos como terminou. O debate que nos empenha e nos divide hoje não é apenas sobre tomar um lado ou não, mas sobre o próprio sentido que atribuímos à história. Mesmo àquela italiana entre 1938 e 1945.
Por todas essas razões, acreditamos que o pacifismo tenha diante de si um dilema moral que não pode resolver apenas ideologicamente, mas que também impõe um critério ético e, portanto, uma avaliação sobre a moralidade da resistência. De algumas passagens da história não se sai "em santidade e pureza" e a rendição humanitária exigida aos ucranianos seria o reconhecimento do poder do mais forte e violento.
A margem de manobra é apertada porque cada movimento deve visar apoiar a negociação e parar o conflito: portanto, mais tecnicamente, é politicamente sábio e correto não estabelecer uma zona de exclusão aérea que poderia acender mais pavios em um campo já minado. Mas o apoio à resistência ucraniana pode e deve ser outra coisa. Sabemos bem que não é conduzida nem por santos nem por heróis imaculados; também sabemos que há um forte componente nacionalista dentro dela.
Mas diante de nós, hoje, vemos um povo que, em grande maioria, está se defendendo de uma agressão violenta e desarrazoada que não se detém nem mesmo diante de civis desarmados. Isto é o que temos à nossa frente. E cada um é livre para se virar para o lado que preferir.
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Paz (e pacifismo) segundo a justiça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU