18 Março 2022
“Não se trata de pôr em pauta a decisão de acabar com a guerra, à qual a Rússia oporia o seu veto. Trata-se do dever da ONU fazer todo o possível a fim de obter a paz. E o que é possível e, portanto, necessário é não deixar a fraca Ucrânia negociando sozinha com o seu agressor.”
A opinião é do jurista italiano Luigi Ferrajoli, professor da Universidade de Roma Tre e ex-juiz de 1967 a 1975. O artigo foi publicado em Il Manifesto, 16-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando um bandido ameaça atirar em uma multidão se seus pedidos não forem atendidos ou, pior, já começou a atirar e continua atirando, o dever de quem tem o poder de fazê-lo – neste caso a comunidade internacional – é negociar, negociar e negociar o cessar do massacre.
Pouco importa se o bandido é considerado um criminoso, ou um louco, ou um jogador ou um líder político irresponsável que não viu as suas justas razões e reivindicações serem acolhidas. A única coisa que importa é o cessar da agressão e do massacre dos inocentes.
Negociar é o que pedem milhões de manifestantes em todo o mundo quando pedem um “cessar-fogo”: acima de tudo, para pôr fim à tragédia dos massacres, das devastações e da fuga de milhões de deslocados ucranianos; em segundo lugar, porque a continuação da guerra só pode produzir uma escalada dela, até à sua possível deflagração em uma guerra mundial nuclear sem vencedores e apenas com perdedores.
Justamente os mais ardentes críticos de Putin não deveriam esquecer que estamos diante de um autocrata equipado com mais de seis mil ogivas nucleares, e que a insensatez desta guerra, também do ponto de vista dos interesses da Rússia, não permite excluir ainda mais aventuras apocalípticas.
Mas quem tem o poder e, acrescento, o dever de negociar? Talvez estejamos esquecendo que existe uma instituição, as Nações Unidas, cuja razão social e finalidade estatutária, diz o artigo 1º do seu Estatuto, são “manter a paz (...) e para esse fim (...) chegar, por meios pacíficos, e em conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajustamento ou solução das controvérsias ou situações internacionais”. Existe, portanto, uma responsabilidade institucional da comunidade internacional de fazer todo o possível para restabelecer a paz.
Certamente, não se trata de pôr em pauta a decisão de acabar com a guerra, à qual a Rússia oporia o seu veto. Trata-se do dever da ONU fazer todo o possível a fim de obter a paz. E o que é possível e, portanto, necessário é não deixar a fraca Ucrânia negociando sozinha – mais cedo ou mais tarde a rendição – com o seu agressor, mas oferecer os seus órgãos institucionais, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança, como os lugares e os sujeitos da negociação, convocados e reunidos de forma permanente.
Em suma, como escrevemos em um apelo da “Constituinte Terra”, há o dever da comunidade internacional de parar a guerra a qualquer custo razoável: da garantia de que a Ucrânia não entrará na Otan à autonomia, com base em um voto popular no exercício do direito dos povos à autodeterminação, das pequenas regiões russófonas e russófilas da Ucrânia.
E não há modo mais eficaz para alcançar tal resultado do que reunir em uma sessão pública e permanente, até que a paz seja alcançada, os órgãos supremos da ONU, para dar origem a um debate no qual todos, a começar pelas maiores potências, deverão assumir as suas responsabilidades diante do gênero humano.
Seria uma iniciativa excepcional, sem precedentes, dotada de um enorme valor político e simbólico, que serviria para sinalizar a gravidade dos perigos que incumbem sobre a humanidade e para comprometer todos os Estados do mundo a levarem a sério o princípio da paz estabelecido pelo Estatuto da instituição da qual são membros.
Seria um mérito histórico se quem propusesse isso fosse a Itália, em homenagem ao repúdio à guerra expressado pelo artigo 11 da sua Constituição, exatamente com as mesmas palavras recém-lembradas na Carta da ONU. Seria ainda melhor se fosse a União Europeia quem propusesse isso.
A partir disso, poderia surgir não só o fim da guerra, mas também uma reflexão comum sobre a necessidade de refundar o pacto de convivência pacífica estipulado, sem as necessárias garantias, com a criação da ONU. O perigo nuclear que estamos correndo poderia pelo menos induzir os países que ainda não o fizeram a aderir ao Tratado sobre o Desarmamento Nuclear de 7 de julho de 2017, já assinado por nada menos do que 122 países, isto é, por mais de dois terços dos membros da ONU.
Acima de tudo, poderia convencer os Estados Unidos a anularem a sua retirada, decidida em 2 de agosto de 2019 pelo presidente Trump, do tratado de 1987 sobre o progressivo desarmamento nuclear e induzir todos os Estados dotados de armamentos atômicos a retomarem esse processo gradual, até o desarmamento nuclear do planeta inteiro.
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Pela paz, Nações Unidas devem convocar sessão pública e permanente sobre a Ucrânia. Artigo de Luigi Ferrajoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU