Por trás da covid se esconde a fome, com milhões de mortos

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11 Dezembro 2020

Os números são assombrosos, pois em consequência da pandemia da covid, a escassez de alimentos leva milhões de pessoas a ser vítimas de uma nova fome, alertam agências da Organização das Nações UnidasONU.

A reportagem é de Thalif Deen, publicada por Rebelión, 10-12-2020. A tradução é do Cepat.

Segundo o Programa Mundial de AlimentosPMA, 690 milhões de pessoas não têm o suficiente para comer, ao passo que 130 milhões de pessoas a mais correm o risco de chegarem à beira da inanição, antes do fim do ano.

“A fome é um ultraje em um mundo de abundância. Um estômago vazio é um enorme buraco no coração de uma sociedade”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, em novembro, alertando que a fome se aproxima de vários países, sem a adoção de medidas imediatas para evitá-la.

Como uma nota pessoal, Guterres refletiu que nunca imaginaria que a fome voltaria a aumentar durante seu mandato como secretário-geral, em cujo cargo está desde janeiro de 2017.

O PMA destacou 10 países com as piores crises alimentares em 2019: Iêmen, Congo, Afeganistão, Venezuela, Etiópia, Sudão do Sul, Síria, Sudão, Nigéria e Haiti. Espera-se que a lista aumente até o final deste ano.

O diretor-executivo do PMA, David Beasley, já havia alertado sobre a aproximação de uma crise de fome em abril, em uma reunião do Conselho de Segurança da ONU.

“Ainda não há carestias. Mas devo alertá-los que se não nos prepararmos e agirmos agora, para garantir o acesso, evitar a escassez de fundos e as interrupções do comércio, poderemos enfrentar múltiplas fomes de proporções bíblicas, dentro de poucos meses”, disse naquele momento.

Danielle Nierenberg, presidente e fundadora da organização Food Tank, disse que a pandemia teve um grande impacto nos sistemas alimentares e agrícolas do mundo.

“Ironicamente, haverá uma produção recorde de muitos grãos este ano, mas as interrupções na cadeia de fornecimento causadas pela pandemia, assim como a crise climática global e o aumento dos conflitos em vários países também estão provocando uma pandemia de fome”, apontou.

A fome, como destacam muitos especialistas, não se deve a que o mundo não produza alimentos suficientes, mas a um problema de distribuição, que foi acentuado pelas preocupações com a saúde e a falta de liderança nacional e vontade política em muitos países, incluindo os Estados Unidos, segundo a crítica de Nierenberg.

Jeffrey Sachs, diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade Columbia e diretor da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, disse que “mudar o sistema alimentar é um desafio complexo, mas o primeiro passo é saber para onde queremos ir e é em direção a uma dieta saudável, produzida com agricultura sustentável”.

Abby Maxman, presidente e diretora-executiva da Oxfam America, disse que a covid é a gota da água para milhões de pessoas que já lutavam contra os impactos dos conflitos, da desigualdade e da mudança climática.

“A pandemia está alimentando a fome nos pontos do mundo onde essa fome é pior, como na Venezuela e no Sudão do Sul, e está criando novos epicentros da fome em países como Índia, África do Sul e Brasil, onde milhões de pessoas que apenas sobreviviam (à fome) foram levadas à beira disso pela pandemia”, afirmou.

Também destacou que a covid manifestou as fragilidades de um sistema alimentar que prioriza os lucros das grandes empresas agroalimentares acima das necessidades dos produtores de alimentos.

“Estamos ouvindo a mesma nota em todo o mundo”, afirmou Maxman. “As famílias estão muito preocupadas porque se veem obrigadas a tomar decisões impossíveis: Arriscam-se a contrair a doença, ao sair e ganhar dinheiro para comprar comida? Ou ficam em casa e veem seus filhos passar fome?”, acrescentou.

Na realidade, não é uma opção para a maioria. Os governos devem conter a propagação desta doença mortal, mas é também vital que tomem medidas para deter a pandemia e, ao mesmo tempo a fome, que mata muitas pessoas como a covid, quando não mais, afirmou a representante da Oxfam.

Nierenberg, por sua parte, considerou que a pandemia mostrou como os sistemas sanitários são frágeis, assim como os sistemas alimentares.

“Precisaremos mais do que vacinas para garantir que os alimentos sejam considerados um direito humano e que as pessoas do mundo todo tenham acesso a um salário digno e a alimentos seguros e acessíveis”, ressaltou Maxman.

A presidente da organização Food Tank considera que “agora é o momento de um restabelecimento do sistema alimentar”, que beneficie a todos e evite as fomes cíclicas.

“Está claro que a agricultura precisava ser revolucionada antes da pandemia e não podemos voltar a como as coisas eram antes”, refletiu Nierenberg.

Estes desafios sem precedentes, destacou, oferecem enormes oportunidades para criar um sistema alimentar que não seja rompido diante de diferentes crises que possam ocorrer, sendo verdadeiramente regenerativo e restaurador, sem deixar ninguém para trás.

“O normal nos deixou vulneráveis, e esta crise ampliou as brechas em um sistema alimentar que já precisava de reparação... Neste momento, podemos desenvolver soluções duradouras para nutrir tanto as pessoas como o planeta”, declarou Nierenberg, ganhadora do Prêmio Julia Child 2020, que ressalta os esforços a favor do direito à alimentação, a partir de iniciativas da gastronomia e de outros tipos.

Maxman, da Oxfam, concorda que “o sistema alimentar mundial está falido. Devemos reconstruir um sistema alimentar mais justo, mais resistente e mais sustentável”.

Em sua avaliação, o fato de oito das maiores empresas de alimentos e bebidas terem pago mais de 18 bilhões de dólares a seus acionistas, mesmo quando a pandemia estava se espalhando por todo o mundo, ilustra o quanto nosso sistema alimentar está falido.

“A curto prazo, os governos devem garantir que os sistemas alimentares locais possam continuar funcionando, que as pessoas possam ter acesso e comprar alimentos nutritivos, e os produtores possam continuar cultivando e produzindo os alimentos necessários para as comunidades locais”, defendeu.

Só assim se evitará que prognósticos como os do PMA não se tornem realidade, senão desta vez, em crises futuras, sentenciaram as especialistas consultadas.

Para isso, insistiu Maxman, os governos devem priorizar o investimento em pequenos produtores, garantir que as mulheres produtoras de alimentos não sejam discriminadas, tomar medidas para garantir que os produtores de alimentos possam se adaptar à mudança climática e exigir que as grandes empresas de alimentos e bebidas paguem salários dignos.

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