Papa Francisco vai retirar a 'advertência' dos escritos de Teilhard de Chardin?

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24 Novembro 2017

Pierre Teilhard de Chardin, o influente paleontólogo e filósofo cujos escritos foram citados com uma "advertência" pelo Vaticano em 1962, poderá finalmente se libertar dessa marca em seus registros.

A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 21-11-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

Os participantes da recente assembleia plenária do Pontifício Conselho para a Cultura que discutiu "O futuro da humanidade: novos desafios à antropologia” aprovou por unanimidade uma petição a ser enviada ao Papa Francisco solicitando que ele renuncie ao "monitum" emitido pelo Santo Ofício em 1962 sobre os escritos do padre Teilhard de Chardin.

Os participantes, que incluíam cientistas de alto nível, bem como cardeais e bispos da Europa, Ásia, América e África, aplaudiram o texto da petição quando foi lido.

Eles disseram ao Papa Francisco que "em várias ocasiões" durante suas discussões "os pensamentos férteis do padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, antropólogo e eminente pensador espiritual, foram evocados". Eles disseram: "nós acordamos, por unanimidade, embora alguns de seus escritos possam ser abertos a críticas construtivas, que sua visão profética inspirou e continua inspirando teólogos e cientistas". Eles mencionaram que quatro papas — Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco — tinham feito "referências explícitas" ao seu trabalho.

Teilhard de Chardin foi um filósofo, teólogo, paleontólogo e geólogo que fez parte da descoberta do Homem de Pequim

Por todas estas razões, eles pediram "respeitosamente" que o Papa Francisco "considerasse a possibilidade de renunciar ao Monitum que, desde 1962, foi imposto pela Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício) nos escritos do padre Pierre Teilhard de Chardin S.J."

Ao expressar suas convicções, eles concluíram que "esse ato não apenas reconheceria o esforço genuíno do piedoso jesuíta para conciliar a visão científica do universo com a escatologia cristã, mas representará um estímulo formidável para todos os filósofos, teólogos e cientistas dispostos a cooperar com um modelo antropológico cristão que, ao longo das linhas da Encíclica Laudato Si’, encaixa-se naturalmente na maravilhosa trama do cosmos".

Teilhard de Chardin (1881-1955) foi um filósofo, teólogo, paleontólogo e geólogo que participou da descoberta do Homem de Pequim. Na década de 20, ele foi submetido a sanções disciplinares do Santo Ofício e de sua própria ordem por opiniões que manifestou em escritos inéditos; mas isso não impediu seu trabalho. Ele passou a conceber a ideia do Ponto Ômega (um nível máximo de complexidade e consciência na direção para a qual ele acreditava que o universo estava evoluindo, e que identificou com Cristo como o Logos, ou "Palavra" de Deus). Também desenvolveu o conceito de Noosfera (a esfera do pensamento).

Sua visão profética inspirou e continua inspirando teólogos e cientistas

Muitas vezes durante sua vida, ele expressou o desejo de morrer no Dia da Ressurreição. Seu desejo foi atendido, pois ele teve um ataque cardíaco e morreu depois de assistir à missa na Catedral de São Patrício, em Nova York, no domingo de Páscoa do dia 10 de abril de 1955. Ele está enterrado no cemitério dos jesuítas, no antigo noviciado jesuíta de Poughkeepsie, N.Y. Após sua morte, suas obras foram publicadas em Nova York, como O Fenômeno Humano (Nova York, 1959, tradução para o inglês) e O Meio Divino (Nova York, 1960, tradução para o inglês), e tiveram um grande impacto. Isso irritou o Santo Ofício em Roma, na época liderado pelo Cardeal Alfredo Ottaviani, e, em 30 de junho de 1962, instituiu um "monitum" aos seus escritos.

O monitum observava que "várias obras do padre Pierre Teilhard de Chardin, sendo algumas delas publicações póstumas, estão sendo editadas e alcançando muito sucesso" Declarava, ainda, que "prescindindo de julgamento sobre os pontos relativos às ciências positivas, é suficientemente claro que as obras acima mencionadas abundam em tais ambiguidades e até mesmo em erros graves, como ofender a doutrina católica" Por isso, o Santo Ofício pediu que os bispos, superiores dos institutos religiosos, presidentes de universidades e reitores de seminários “protegessem a mente”, principalmente dos jovens, "contra os perigos apresentados pelas obras do padre Teilhard de Chardin e de seus seguidores".

Paulo VI, que foi eleito papa quase exatamente um ano depois, claramente tinha reservas quanto ao monitum. Isto ficou evidente quando, em um discurso para os empregadores e trabalhadores de uma importante empresa farmacêutica, em 24 de fevereiro de 1966, ao manifestar algumas de suas reservas, ele elogiou uma visão fundamental da teoria do jesuíta sobre a evolução do universo, apontou-a como um modelo para a ciência e citou a afirmação do autor: "Quanto mais eu estudo a realidade material, mais descubro a realidade espiritual".

Quatro papas — Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco — tinham feito "referências explícitas" ao seu trabalho

Quinze anos depois, no centenário do nascimento de Teilhard de Chardin, o Cardeal Agostino Casaroli, Secretário de Estado de João Paulo II, escreveu uma carta ao Monsenhor (agora Cardeal) Paul Poupard, chefe do Instituto Catholique de Paris, elogiando os franceses jesuítas em palavras que foram amplamente interpretadas como um sinal da iminência de sua reabilitação. Mas a Congregação para a Doutrina da Fé negou isso no dia 24 de julho de 1981, chamou a atenção para o fato de que a carta do cardeal tinha suas reservas e disse que o monitum estava ainda em vigor. Mas em 1 de junho de 1988, em uma carta para George Coyne S.J., diretor do Observatório do Vaticano, João Paulo II também pareceu se referir positivamente ao jesuíta francês.

Bento XVI também fez isso em uma homilia durante a Oração da Noite na catedral de Aosta, no norte da Itália, em 24 de julho de 2009. Ele elogiou um aspecto da visão do jesuíta francês, dizendo: "O papel do sacerdócio é consagrar o mundo para que se torne um hospedeiro vivo, uma liturgia: para que a liturgia não seja algo paralelo à realidade do mundo, mas o próprio mundo torne-se um hospedeiro vivo, uma liturgia”. Esta é também a grande visão de Teilhard de Chardin: no fim alcançaremos uma verdadeira liturgia cósmica, onde o cosmos torna-se um hospedeiro vivo.

Francisco foi o quarto papa a dizer algo positivo sobre Pierre Teilhard de Chardin. Ele disse em 2015, em sua encíclica Laudato Si', numa nota de rodapé do nº 83, em que fala da "contribuição" do jesuíta francês para o destino final do universo. Além disso, a petição pareceu ter sido bem recebida em seu discurso à assembleia plenária na semana passada.

Kevin Fitzgerald S.J., do centro de Bioética Clínica da Universidade de Georgetown, estava na assembleia quando a petição foi lida. Perguntado pela America sobre sua reação, ele disse: "Não é maravilhoso? É incrível! Estou animado com isso. Já li muitas coisas de Teilhard e sempre gostei de seu pensamento e acho que além de ser um cientista e teólogo maravilhoso, era um poeta melhor ainda. Acho que ele tinha um alcance incrível da realidade e dos movimentos em direção a Deus, ao Criador e a todos nós, movendo-se numa direção do que poderíamos ser enquanto espécie. Então, acho que a petição é algo maravilhoso".

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