21 Julho 2017
“Quando fui ao encontro do núncio, em Buenos Aires, eu lhe disse: ‘Para fazer com que um padre de La Rioja venha até aqui, a quase mil quilômetros de distância, existem apenas duas razões: ou fez algo terrível ou foi nomeado bispo. Em qual dos casos eu me enquadro?’” Como de costume, o padre Enrique Martínez Ossola recorre ao bom humor. No entanto, ele não esconde uma certa feliz apreensão pela decisão com a qual, no dia 19 de junho, o Papa Francisco o nomeou bispo auxiliar de Santiago del Estero.
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada no jornal Avvenire, 20-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Eu sinto uma grande responsabilidade. Vivo a nomeação como um serviço à Igreja e um dom. Imerecido, no que diz respeito à minha pessoa”, conta ao Avvenire. “Mas acho que fui escolhido como representante de uma diocese profética. A de Rioja ,do bispo Enrique Angelelli, massacrado pela ditadura por causa do seu compromisso em favor dos esquecidos, com quem eu colaborei quando jovem. Sei que o padre Jorge o estimava muito.”
“Padre Jorge”: quando está pensativo, Martínez continua chamando Bergoglio assim. Justamente como fez por mais de três décadas. Desde aquele inverno de 1975. Quando, em julho, Dom Angelelli acompanhou até a capital três seminaristas: Miguel La Civita, Carlos González e Quique, como o futuro bispo ainda gosta de ser chamado.
A razão oficial a de fazer com que completassem seus estudos em um centro de excelência como o Colégio Máximo de San Miguel. O motivo real, porém, era a necessidade de afastar os jovens da perseguição. Angelelli sabia que estava na mira dos militares e não queria que os seus colaboradores estivessem no meio. Decidiu, portanto, confiar-lhes a alguém em quem confiava: o então provincial dos jesuítas, Jorge Mario Bergoglio, precisamente.
“Lembro-me da primeira vez que o vimos. Não sabíamos quem era e nos apresentamos. Fui eu quem lhe perguntou: ‘E você, onde está?’. ‘Um pouco aqui e ali’, respondeu. E eu: ‘O que se deve fazer para ter essa sorte?’. ‘Ser o padre provincial.’ Gaguejando, comecei a me desculpar, chamando-lhe de ‘senhor’. Ele me interrompeu: ‘Para vocês, eu sou apenas o padre Jorge. Em breve, celebraremos a missa atrás de um único altar, e lá não há diferenças.”
Foi um período difícil para o futuro padre Quique e para os outros riojanos: nos meses seguintes, o punho de ferro do regime se abateu sobre a Igreja mais próxima aos pobres. Em 1976, foram mortos três religiosos palotinos da comunidade de San Patricio, junto com os seminaristas Salvador Berbeito e Emilio Barletti, estudante no Máximo.
Depois, foi a vez dos sacerdotes riojanos Carlos de Dios Murias, Gabriel Longueville e o leigo Wenceslao Pedernera. Finalmente, de Dom Angelelli. Quando isso aconteceu, no dia 4 de agosto, Bergoglio não estava no Colégio.
“Assim que voltou, ele foi ao nosso encontro. Choramos juntos. Ele nos deu força. A partir daquele momento, ele nos tomou sob a sua proteção. Ele não queria que acontecesse nada conosco. Recomendou-nos a sair sempre juntos e nunca depois do anoitecer: seria mais difícil, assim, fazer-nos desaparecer.”
Assim, os jovens viram-se passando muito tempo fechados nos Máximo. Deram-se conta – como relata Nello Scavo em La lista di Bergoglio (EMI) e I sommersi e i salvati (Piemme) – do estranho movimento de improváveis hóspedes que chegavam para um retiro espiritual e que, depois, permaneceram durante meses. Ou que desapareciam tão misteriosamente quanto haviam chegado.
“Não demoramos muito para perceber que o padre Jorge dava refúgio aos perseguidos da ditadura e os ajudava a fugir. Ele protegeu muitos. Eu sei disso porque ele fez isso conosco.”
Embora em meio à grande tensão, o padre Jorge não perdia o bom humor. “A sua televisão era a única do Máximo, na qual se assistia ao futebol. Nós, jovens, então, nos reuníamos lá e, com a desculpa do futebol, conversávamos, ríamos, passávamos boas noites. Ele tinha isto: conseguia conservar a serenidade e contagiá-la aos outros. Quarenta anos depois, ele não mudou.”
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Martínez, o bispo argentino salvo por Bergoglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU