Beatificar Pascal? Quando um papa jesuíta reabilita o advogado do jansenismo

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17 Julho 2017

Numa entrevista ao jornal italiano La Repubblica, o papa Francisco expressou sua “convicção pessoal positiva” a favor de uma beatificação do filósofo e matemático Blaise Pascal. Para Xavier Patier, autor de Blaise Pascal, la nuit de l’extase (Cerf), esse posicionamento é fundamental.

A entrevista é de Éléonore de Vulpillières, publicada por La Vie, 11-07-2017. A tradução é de Vanise Dresch.

Eis a entrevista.

O papa Francisco expressou a Eugenio Scalfari, o fundador de La Repubblica, seu desejo de que Pascal fosse beatificado. O que a senhora pensa dessa ideia?

É uma declaração fundamental e uma notícia formidável. Uma grande alegria! Blaise Pascal é um santo para a era digital. Ele inventou a máquina de calcular e criou a primeira start-up (nos serviços de transporte urbano); estava adiante de seu tempo. Ao mesmo tempo, viveu uma relação profunda com Cristo, descrevendo-a com palavras inéditas que converteram gerações de cristãos – neste aspecto também esteve à frente. Renunciou a tudo e não renunciou a nada: provou que a conversão era tudo, exceto uma emasculação intelectual. As Provinciais [obra de 1657 que denunciava a casuística jesuíta acusada de autorizar o laxismo em matéria de moral e que foi banida pelo Papa] foram escritas após a noite do êxtase que marcou sua conversão.

Os jansenistas contra os jesuítas eram, de certa maneira, o partido da France insoumise (indignada, insubmissa) contra o da République en Marche (de Macron)

Esse posicionamento marca o fim da querela entre jansenistas e jesuítas? Quatros séculos mais tarde, as divergências entre eles não teriam mais sentido?

A querela entre os jansenistas e os jesuítas – ou melhor, entre Port-Royal [a abadia de Port-Royal des Champs era o centro do jansenismo no século XVIII, ndlr] e a Sorbonne –, mesmo tendo fundamentos teológicos sérios, foi, acima de tudo, um conflito político, ou até mesmo uma querela de egos que acabou mal. Esses senhores não gostavam do poder e desafiavam o Estado. Isso era insuportável para Luis XIV. Os jansenistas contra os jesuítas eram, de certa maneira, o partido da France insoumise contra o da République en Marche, os grandes transgressores contra os grandes obedientes, os inadaptados contra os superadaptados. Pascal atacou a Companhia, mas nunca disse uma palavra contra Inácio de Loyola. Hoje, a querela teológica foi esquecida, restando o radicalismo para o qual fomos chamados, o « Seigneur, je vous donne tout » (Senhor, eu tudo vos dou, em tradução livre) de Pascal. Todo mundo se atreve.

Deveríamos ver nisso uma reabilitação do jansenismo ou, pelo menos, a minimização de uma influência depreciada pela Igreja da época?

Em se tratando do jansenismo, a querela teve o fato particular de que seus adeptos não cessaram de repetir que não divergiam da doutrina da Igreja. Segundo eles, Jansênio não dissera nada de novo em relação a Santo Agostinho, e, se Port-Royal era herege, Santo Agostinho também o era. Quando seus adeptos foram convidados a assinar um texto refutando as “cinco propostas”, aqueles que o fizeram acrescentaram que, de toda maneira, tais propostas não constavam na doutrina de Jansênio, o que gerou uma nova polêmica. Já no século XVII, foram publicados Os Pensamentos católicos de Pascal, supostamente expurgados de frases consideradas jansenistas, mas o exercício não é convincente. Pascal é um cristão absoluto, intransigente, mas que não entra em desacordo teológico com o ensinamento da Igreja e que reivindica sua fidelidade doutrinal.

Pascal não amou somente a pobreza: amou também os pobres!

Em que sentido o ideal cristão de Pascal merece ser mostrado como exemplo?

O ideal cristão de Pascal é um exemplo para os nossos tempos por mostrar que um ser ávido, superdotado, suscetível, ambicioso pode descobrir um dia que a fé é uma questão de amor. A partir do dia em que Blaise Pascal aceitou deixar-se amar, precisamente na noite de 23 de novembro de 1654, “desde por volta das dez e meia da noite até em torno da meia-noite”, tornou-se um santo.

O que dizer da evolução da relação de Pascal com a pobreza? Esse elemento teria tido um sentido especial para o Papa?

Blaise Pascal apreciou o luxo e a vida mundana. Entregou-se à pobreza depois de 1654, explicando simplesmente que passou a amar a pobreza “porque Jesus a amara”. Não deu outra explicação. O fenômeno dos salões virou o Padre do Deserto. Mas ele não amou somente a pobreza: amou também os pobres! Ele, que afirmou que Deus é um círculo cujo centro está em todo lugar, acabou sua vida nas periferias. E foi provavelmente nas periferias que o papa Francisco o encontrou.

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