27 Mai 2017
Há três “lugares referenciais” na vida de todo cristão: a “Galileia”, o “céu” e o “mundo”. A esses, correspondem outras “palavras” – “memória, oração e missão” – que identificam o caminho de cada um. Essa é a “topografia do espírito” delineada pelo Papa Francisco durante a missa celebrada em Santa Marta nessa sexta-feira, 26 de maio.
A reportagem foi publicada por L’Osservatore Romano, 26-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Seguindo as leituras litúrgicas, o pontífice ressaltou, acima de tudo, que Jesus, nos 40 dias decorridos entre a ressurreição e a ascensão, “se entretinha com os discípulos, ensinava-lhes, acompanhava-os, preparava-os para receber o Espírito Santo... dava-lhes força”. E são precisamente as Escrituras, disse, que indicam “três lugares referenciais do nosso caminho cristão, três palavras que indicam sempre como deve ser o nosso caminho”.
O papa entrou em detalhes, fazendo surgir a “primeira palavra”, ou seja: “Galileia”. Ela foi dita “à primeira apóstola, Madalena: ‘Diga aos discípulos que vão à Galileia’”. Trata-se, explicou Francisco, de uma palavra “referencial”, repleta de significados para os discípulos.
Na Galileia, “houve o primeiro encontro com Jesus, é o lugar onde Jesus se encontrou com eles, os escolheu, ensinou-lhes desde o início, convidou-os para segui-lo”. Um “lugar” que também retorna na vida de cada cristão: “Cada um de nós tem a própria Galileia”, ressaltou o papa. É “o momento em que encontramos Jesus, em que ele se manifestou, nós o conhecemos e também tivemos essa alegria, esse entusiasmo de segui-lo”.
Cada um, portanto, tem a sua própria Galileia diferente da dos outros: “Eu encontrei o Senhor assim: esta família com a mãe, a avó, o catequista...”. “Eu, ao contrário, encontrei o Senhor assim...”
A Galileia, no fim das contas, indica, para cada um, “a graça da memória”, porque “para ser um bom cristão é sempre necessário ter a memória do primeiro encontro com Jesus ou dos encontros posteriores”. Será isso, “no momento da prova”, que vai dar a “certeza”.
A “segunda palavra” que se encontra nessa “topografia do espírito” ideal é “céu”. Ela é encontrada, por exemplo, no trecho em que “se conta a ascensão do Senhor”: os apóstolos “tinham os olhos fixos no céu a tal ponto que alguns anjos foram lhes dizer: ‘Mas o que vocês estão olhando para o céu? Ele se foi. Está lá. Voltará, mas está lá”.
O céu, explicou o pontífice, é “onde Jesus está agora, mas não separado de nós; fisicamente sim, mas está sempre conectado conosco para interceder por nós”. Lá, Jesus mostra ao Pai “as chagas, o preço que pagou por nós, pela nossa salvação”. Portanto, acrescentou, “assim como era necessário recordar o primeiro encontro com a graça da memória, também devemos pedir a graça de contemplar o céu, a graça da oração, a relação com Jesus na oração que, neste momento, nos escuta, está conosco”. E, como a Paulo, ele diz: “Não tenha medo porque eu estou contigo”. Por isso, o céu é “o segundo lugar referencial da vida”.
Por fim, o terceiro: o “mundo”. Ainda no evangelho da ascensão, lê-se que Jesus diz aos discípulos: “Ide pelo mundo e fazei discípulos”. A partir daí, disse Francisco, nós entendemos que “o lugar do cristão é o mundo para anunciar a palavra de Jesus, para dizer que estamos salvos, que ele veio para nos dar a graça, para nos levar a todos com ele diante do Pai”.
Eis, então, delineada a “topografia do espírito cristão”. Trata-se, explicou novamente o papa, de “três lugares referenciais da nossa vida: a memória (a Galileia), a oração, a intercessão (o céu), e a missão, ir ao mundo”. E acrescentou: “Um cristão deve se mover nessas três dimensões e pedir a graça da memória”, dizendo, por exemplo: “Que eu não me esqueça do momento em que tu me elegeste, que eu não me esqueça dos momentos em que nos encontramos”.
Depois, é preciso “rezar, olhar para o céu, porque ele está para interceder”. E, por fim, “ir em missão”, que não significa, ressaltou, “que todos devem ir para o exterior. Ir em missão é viver e dar testemunho do Evangelho, é fazer com que as pessoas saibam como é Jesus”. Isso, explicou, se faz “com o testemunho e com a palavra, porque, se eu digo como Jesus é, como é a vida cristã, e vivo como um pagão, isso não funciona. A missão não é eficaz”.
Em síntese, a “Galileia da memória, o céu da intercessão e da oração, a missão ao mundo”. E, concluiu o papa, “se nós vivermos assim a vida cristã, a nossa vida será bela, também será alegre”. Uma consequência retomada da última frase pronunciada por Jesus no Evangelho do dia (Jo 16, 20-23): “Naquele dia, o dia em que vocês viverão a vida cristã assim, vocês saberão tudo, e e ninguém poderá lhes tirar a alegria de vocês”.
Palavras aplicáveis a todo cristão: “Ninguém, porque eu tenho a memória do encontro com Jesus, tenho a certeza de que Jesus está no céu neste momento e intercede por mim, está comigo, e eu rezo e tenho a coragem de dizer, de sair de mim e dizer aos outros e dar testemunho com a minha vida que o Senhor está ressuscitado, está vivo.”
Portanto, “memória, oração, missão”.
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Topografia do espírito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU