Insegurança Alimentar. “Não é necessário esperar que a fome ataque a população”

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19 Abril 2017

Apesar dos esforços de alguns países e sobretudo das organizações internacionais, a quantidade de pessoas que no mundo passam fome aumentou, especialmente aqueles que sofrem a chamada “insegurança alimentar severa”, ou seja, aquelas populações que estão passando por uma diminuição drástica do acesso aos alimentos, por causa dos riscos ambientais e sociais, dos conflitos e de uma reduzida capacidade de resposta à crise. Assim, dos 80 milhões de pessoas que, em 2015, viviam nestas condições, em 2016, passou-se para 108 milhões, segundo o Relatório Mundial sobre Crise Alimentar - 2017, elaborado, entre outros, pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), o PMA (Programa Mundial de Alimentos) e a União Europeia. Em 2015, números oficiais da ONU haviam apontado um total de 795 milhões de pessoas que passavam fome no mundo.

Ao aumento de pessoas com “insegurança alimentar severa”, ocorrido em 2016, acrescenta-se outro dado mais alarmante ainda: segundo o relatório, 9 em cada 10 países que sofrem crises alimentares, vivem graves conflitos civis. “O aumento no número de pessoas que se estima que estão vivendo uma aguda crise de insegurança alimentar se deve, majoritariamente, a prolongados conflitos e a prolongados efeitos de diferentes desastres naturais. A intensidade dessa crise se torna mais evidente porque, em anos precedentes, essas mesmas pessoas não estiveram em condições de responder aos problemas que lhes eram apresentados”, disse em uma entrevista ao jornal Página/12, Lavinia Antonaci, especialista em Segurança Alimentar e Análise de Resiliência da FAO. Lavinia Antonaci estudou Relações Internacionais na Metropolitan University de Londres e, depois, especializou-se em Segurança Alimentar e Desenvolvimento Humanitário pela Universidade Roma Tre, na capital italiana.

A entrevista é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 18-04-2017. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Segundo o relatório, há uma estreita relação entre os conflitos armados e a crise alimentar que esses povos vivem. Quais são os países em piores condições neste sentido?

Os países que se encontram em piores condições, em 2017, são quatro que estão em risco de fome ou já a estão vivendo. Todos eles estão vivendo conflitos civis e possuem as mais altas porcentagens de pessoas em situação de insegurança alimentar. Esses países são Iêmen, o norte da Nigéria, Sudão do Sul e Somália. Há anos, o Iêmen possui um conflito civil e, em 2016, 51% da população sofriam severa insegurança alimentar. Em fevereiro deste ano, demonstrou-se que essa porcentagem havia chegado a 60%, o que significa 17 milhões de pessoas em crise alimentar e emergência, com o risco de fome. No norte da Nigéria, as pessoas em risco são 10,9 milhões que, além disso, há anos, vivem o conflito desprendido pelo grupo armado de extremistas islâmicos Boko Haram. O Sudão do Sul também conta com um conflito armado, há décadas, que inclusive chegou à separação do Sudão, e no país há 4,9 milhões de pessoas que vivem uma aguda insegurança alimentar. A Somália vive uma trágica combinação de conflitos e secas que a afetaram, em 2015 e 2016, e tem 2,9 milhões de pessoas em aguda insegurança alimentar. Mas, além destes países, também é preciso mencionar a Síria, onde 7 milhões de pessoas estão passando por uma grave insegurança alimentar.

E a respeito dos eventos climáticos que levaram a crises alimentares, quais foram em 2016?

O fenômeno conhecido como El Niño (correntes de águas quentes que atingem o Oceano Pacífico) provocou secas recorrentes em países como a Etiópia e Somália, mas também em Malawi, Zimbabwe e Moçambique. Também atingiu a América Central, especialmente Honduras, Guatemala e Nicarágua. A seca também atingiu o Haiti, no Caribe, mas este país também sofreu os efeitos do furacão Matthew, em fins de 2016.

A América Latina parece em melhores condições que África do ponto de vista da segurança alimentar. Mas, qual é a real situação daquela região?

Não podemos falar de toda a região porque não temos dados de todos os países para poder ter as estimativas. Para além dos quatro países da América Central e o Caribe, que mencionamos e que foram incluídos na lista dos países analisados pelo Relatório, por ser considerados nações que necessitavam de assistência externa em razão do El Niño e do furacão Matthew, só há estimativas sobre a segurança alimentar realizadas pelos governos. O relatório, por outro lado, para poder contar com as estimativas de insegurança alimentar, nutriu-se dos dados proporcionados pelos governos, como também de estatísticas, de relatórios dos ministérios da agricultura e de informações proporcionadas pelas diferentes agências da ONU, como FAO, WFP, Unicef, etc. Mas, claro, pode haver países que não estejam em condições de produzir os dados necessários ou que não desejam compartilhá-los com a ONU, como também pode ser que a ONU não tenha tido a capacidade de ir aos países e reunir a informação e, por isso, não puderam ser estudados.

Em sua opinião, o que os governos e a ONU podem fazer para prevenir as crises alimentares?

Este relatório ajuda a compreender qual é a situação, quais são as causas, e isso permite encontrar fundos no momento justo e aplicá-los onde mais forem necessários. Quando se vê a situação da insegurança alimentar do ano passado e as previsões para este ano, não é necessário esperar que a fome ataque a população. Ou seja, antes que o país chegue a altíssimos níveis de insegurança alimentar, o que seria uma catástrofe como aconteceu na Somália, em 2011, há condições de prevenir o que irá acontecer e evitar que a crise se transforme em uma fome.

A Europa está muito preocupada com os importantes fluxos migratórios destes últimos anos, sobretudo provenientes da África e da Síria. Existe uma clara relação entre migrações e crises alimentares...

O Relatório fala da crise alimentar em países em crise. E, claro, as migrações provêm também destes países. Mas, como disse antes, o relatório também ajuda a compreender as principais causas de todo o fenômeno, em cada país, o que permite aos governos e aos organismos internacionais ter uma ideia do que é possível fazer em cada caso para reconstruir a capacidade de sobrevivência dentro do próprio país, por exemplo, promovendo e financiando certos projetos ou atividades.

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