Temer e Serraglio aprofundam desmonte da Funai

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29 Março 2017

Planalto e ministro da Justiça atropelam negociações para reestruturação do órgão indigenista e extinguem 87 cargos. Presidente da instituição não sabia de decreto

A reportagem é de Oswaldo Braga de Souza, publicada por ISA, 28-03-2017. 

O governo Temer publicou, sexta-feira (24/3), um decreto que reestrutura a Fundação Nacional do Índio (Funai), extinguindo número significativo de cargos. A previsão é de impactos negativos profundos no trabalho diário, em setores estratégicos e no campo. As áreas mais afetadas são as responsáveis pelas demarcações e a análise do licenciamento ambiental de obras que afetam Terras Indígenas (TIs), além dos escritórios regionais.

O presidente do órgão, Antônio Fernandes Toninho Costa, não sabia da edição do decreto, segundo apuração da reportagem. O Palácio do Planalto e o Ministério da Justiça, a quem a Funai é subordinada, atropelaram uma negociação que vinha sendo feita há meses com a equipe da instituição. O acordo inicial era de que pelo menos parte dos mais de 200 técnicos aprovados em concurso, no ano passado, começaria a ser incorporada antes dos cortes. Não se sabe quando esses funcionários serão efetivados.

Em resposta à reportagem, a assessoria da Funai negou que Costa desconhecesse o decreto e confirmou que a falta de pessoal vai dificultar as atividades do órgão.

“Buscaremos o apoio do governo federal para que as ações da instituição não sejam paralisadas e o trabalho continue sendo realizado com eficiência em todas as coordenações regionais”, disse Costa, em nota publicada no fim da tarde. De acordo com o texto, o decreto atende à uma lei do ano passado que determinou a extinção de antigos cargos comissionados e a criação de outros novos, com requisitos diferentes, em todo governo federal.

A medida trará consequências especialmente graves porque a situação da Funai já era precária há anos, com perdas orçamentárias, déficit de pessoal e grande número de trabalhadores aposentando-se. Nos últimos dois anos, 250 funcionários aposentaram-se. A expectativa é que outros 250 façam o mesmo até 2019.

O decreto é a primeira ação efetiva do novo ministro da Justiça, o deputado ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR), na área indigenista. Logo após sua nomeação, há algumas semanas, ele disse ao jornal Folha de São Paulo que “terra não enche barriga de ninguém”, sinalizando que poderia paralisar de vez as demarcações de Terras Indígenas. Serraglio também foi mencionado em escutas colhidas pela Operação Carne Fraca.

“Mais uma vez fomos surpreendidos com o pacote de maldades que visa esfacelar a Funai. Isso vai atingir as coordenações, onde há condições mínimas de se fazer um trabalho. No caso, pretende-se tirar o licenciamento do órgão indigenista e entregá-lo a órgãos que não tem nenhum compromisso com os direitos indígenas. Parece que estamos assistindo o enterro da Funai”, alerta Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Cargos comissionados

Nos próximos 90 dias, Costa terá de detalhar a reestruturação, mas já se sabe que, com o decreto de hoje, foram extintos 87 cargos comissionados de Direção e Assessoramento Superiores (DAS), de 770 existentes, quase 12% do total.

Mas o problema não é apenas esse. Houve mudança na natureza de grande quantidade de cargos, que agora só poderão ser ocupados por servidores concursados da própria Funai ou de outros órgãos públicos, as chamadas Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE). Num quadro de falta de funcionários desse tipo e aumento da disputa por eles dentro do governo em função do novo teto de gastos, a medida aparentemente moralizadora pode acabar impossibilitando a ocupação de muitas funções na Funai.

Um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revelou que a instituição indigenista conta atualmente com cerca de 2,1 mil funcionários efetivos, quando o número total de cargos autorizados pelo Ministério do Planejamento é de quase seis mil. A pesquisa mostra que a Funai desempenha suas atividades com somente 36% de sua capacidade.

Desde a última reestruturação da fundação, na gestão de Márcio Meira (2007-2012), definiu-se que deveriam ser contratados mais de 3 mil servidores. De lá para cá, no entanto, só ocorreram dois concursos públicos. No primeiro, realizado há seis anos, pouco mais de 400 servidores foram incorporados.

“O corte veio de cima e a Funai foi atropelada. O maior impacto será na base, prejudicando a já combalida atuação do governo nas Terras Indígenas. Esse decreto é mais um golpe na política indigenista”, critica o ex-presidente da Funai e sócio fundador do ISA Márcio Santilli. “O mesmo governo que acusa a Funai de morosidade nos processos de licenciamento ambiental de obras descarta, agora, a maior parte dos técnicos que estão afogados em milhares deles”, completa.

Cortes

A imensa maioria dos cortes recaiu sobre os cargos de DAS 1, para funcionários de menor nível técnico, mas que desenvolvem atividades fundamentais, especialmente em campo.

Na sede, em Brasília, dos sete postos desse tipo lotados nas coordenações subordinadas à Diretoria de Proteção Territorial, responsável pelas demarcações, quatro foram extintos. O temor agora é que os procedimentos demarcatórios sejam prejudicados ainda mais. Os últimos cinco anos foram marcados pela virtual paralisia dos processos.

O corte maior de cargos na sede atingiu a Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental (CGLIC), que avalia empreendimentos com impactos socioambientais negativos sobre as Tis, entre eles, as hidrelétricas na Bacia do Tapajós, a linha de transmissão entre Manaus e Boa Vista, a mina da Belo Sun (PA) e várias rodovias no Mato Grosso, como a MT-242 e BR-158. A coordenação perdeu oito postos de trabalho. Agora, a CGLIC tem dez técnicos para analisar cerca de três mil processos de licenciamento, ou seja, 300 para cada trabalhador.

Também foram extintos 51 cargos nas Coordenações Técnicas Regionais (CTLs). Servidores ouvidos pela reportagem temem que isso colapse a gestão administrativa e financeira em diversas regiões do país. “O receito é que as coordenações regionais não se sustentem com o corte de cargos. Não é a minha coordenação que executa meu orçamento, mas essas coordenações regionais”, alerta Leia Sílvia Burger Sotto Maior, coordenadora geral de Índios Isolados e Recém-Contatados.

“A gente já estava trabalhando com deficiência. Não sabemos quantos cortes vamos sofrer, quantos cargos serão extintos na nossa CTL, mas acho que isso vai paralisar toda a nossa ação”, lamenta Kumaré Txicao, coordenador da Funai no Território Indígena do Xingu (MT).

Servidores ouvidos pela reportagem que preferem não se identificar também avaliam que o decreto vai aprofundar o desequilíbrio existente há anos entre áreas-meio e áreas-fim. Enquanto departamentos e coordenações que desenvolvem atividades finalísticas perderam postos, o Departamento de Gestão e Administração ganhou mais uma coordenação. Isso é mais um motivo para temer pelo manutenção dos trabalhos de demarcação e proteção das Terras Indígenas e pelo atendimento de suas populações.

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