Dom Cláudio Hummes: “As críticas ao Papa? São apenas quatro cardeais... Todo o Colégio Cardinalício está com ele”

Mais Lidos

  • “Os israelenses nunca terão verdadeira segurança, enquanto os palestinos não a tiverem”. Entrevista com Antony Loewenstein

    LER MAIS
  • Golpe de 1964 completa 60 anos insepulto. Entrevista com Dênis de Moraes

    LER MAIS
  • “Guerra nuclear preventiva” é a doutrina oficial dos Estados Unidos: uma visão histórica de seu belicismo. Artigo de Michel Chossudovsky

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

26 Novembro 2016

Cláudio Hummes é o presidente da REPAM, rede de trabalho da Igreja na Amazônia. O cardeal brasileiro, um dos mais próximos ao Papa FranciscoBergoglio deve o seu nome àquela frase dita por Hummes no Conclave: “Não se esqueça dos pobres” –, esteve na última quinta-feira em Madri para participar da campanha “Enlázate por la Justicia” e clamou por uma Igreja mais comprometida com os pobres. Uma Igreja que, com o pontificado de Francisco, é possível. “Ele, sobretudo, é um grande pastor”, afirma nesta entrevista.



A entrevista é de Jesús Bastante e publicada por Religión Digital, 25-11-2016. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Quando o Papa fala na Laudato Si’ sobre o cuidado da natureza, pensamos imediatamente na Amazônia... Como é essa realidade?

A Amazônia é um dos pulmões do planeta. Devemos pensar em quatro aspectos, que estão interrelacionados: a floresta, que cuida da água, e a água da floresta; a biodiversidade que dali surge. E os povos originários, que souberam administrar tudo de maneira sustentável. Os quatro elementos encontram-se ali, e se apoiam mutuamente. É um sistema que deve ser preservado para proteger este pulmão.

No entanto, no Brasil critica-se muito o desmatamento das grandes empresas, que, além disso, estão expulsando as populações indígenas...

O desmatamento é uma prática muito antiga, queimar as terras. É um processo que perpassou todo o Brasil. O sistema da floresta amazônica é mais recente, um desmatamento mais sistemático. Hoje, cerca de 20% está desmatado.

O que está em jogo?

Querem colonizar esta terra. O desmatamento procura produzir soja, milho e outras monoculturas para exportação, e também gado, carne, para o mercado mundial. Há um grande desejo de expandir esses negócios, que são sobretudo para a exportação. Mas isso afeta diretamente as populações originárias da região, que se sentem muito abandonadas e pouco ouvidas quando esses projetos começam a ser decididos e implantados. E não apenas não são ouvidos como perdem sua possibilidade de viver.

Há todo um conjunto de grandes desafios de destruição ecológica e da vida e que tem sua grande importância no agravamento da crise ambiental, que foi tratada na COP21 de Paris, com todos os seus acordos. Não é apenas uma questão da Amazônia, é uma questão global, diz respeito a todos. A questão climática é uma questão global, a devastação tem efeitos globais. A devastação do planeta, o efeito estufa, ameaça a vida futura no planeta.

A COP representou uma mudança nos objetivos do desenvolvimento. Até que ponto?

Neste século XXI é necessário reverter esse efeito estufa, para que a temperatura não suba mais de 1,5 grau centígrado. O planeta não suportaria mais.

Como a eleição de Trump, presidente eleito que não acredita na mudança climática nem em seus efeitos, afeta estes desafios?

É algo que nos preocupa. Durante a campanha, Trump foi claramente contrário aos acordos de Paris, e acredita que o efeito estufa é uma farsa. Mas, Paris demonstrou o consenso científico de que esta crise é real, e que é uma consequência desses gases lançados na atmosfera (CO2), do uso do petróleo, do gás natural, dos combustíveis fósseis... Isto está comprovado cientificamente.

Penso que Trump pode ser um fator de atraso durante algum tempo, mas Trump encontra-se nos Estados Unidos, que é um Estado democrático. Ele não tem poderes absolutos, tem o Congresso, as leis, a população... E depois tem um mandato limitado, quatro ou oito anos... Este processo demanda mais de oito anos. Existe toda a força da opinião pública mundial, dos acordos que estão assinados. A estrutura democrática dos Estados Unidos... Mas, sim, talvez, haverá problemas, sim.

Você está em Madri para apoiar a campanha “Enlázate por la Justicia”, que deita raízes na Laudato Si’ e no ser humano como protetor de todo o planeta. É possível colocar em prática o que o Papa pede na encíclica, ou não passa de um tratado de boas intenções que mostra muita confiança no ser humano?

Devemos confiar no ser humano, que é bom. É ambicioso, quer muitos lucros, tudo isso existe... mas é necessário confiar e organizar-se. Claro, dificilmente um projeto é realizado quando é convocado todo o planeta, toda a sociedade humana como tal. Não se chega ao 100%, mas se atingirmos cerca de 60-70%, será um êxito. Creio que a Humanidade aprende com as crises, quando se sente ameaçada, radicalmente ameaçada pelo fato de não ter futuro. É inteligente e ativa para reagir.

Na medida em que se demonstra que o clima está sofrendo um aquecimento maior, com seus efeitos e seus desastres... tudo isso faz com que a Humanidade comece a pensar seriamente no que está por trás dessas mudanças. A Humanidade cuida a si mesma quando se sente ameaçada. Por isso, tenho toda a esperança e a confiança em que a Humanidade vai conseguir superar essa crise. Com muito sofrimento, mas deve fazê-lo, porque cada vez será mais grave.

Dizem as boas ou más línguas que parte da Laudato Si’ tem sua marca...

O texto é do Papa, soberanamente do Papa.

O que sentiu quando a leu pela primeira vez?

Quando a li, me senti muito contente. Era muito necessário. O Papa demonstra que vivemos uma crise na qual a Igreja não pode permanecer à margem, não podemos ignorá-la. E deve estar aí por ser discípula de Jesus Cristo, deve fazê-lo por fé. Aí há coisas fundamentais para a nossa fé. Cremos em um Deus que criou o Universo e este planeta tão belo e rico. Deus nos deu este planeta, é um dom de Deus, não para que o estraguemos, mas para que cuidemos dele como um jardim. Aí está refletida a beleza de Deus.

Temos outro aspecto: o cuidado das pessoas. Por fé, devemos cuidar das pessoas, sobretudo daquelas que estão ameaçadas. Toda essa crise afeta muito mais os mais pobres; quem têm mais problemas de acesso à água, à alimentação, à terra, ao trabalho, são os pobres. A Igreja deve estar atenta. Os pobres são aqueles que pagam a conta dessa grande crise, que é causada pela vontade de obter lucros a qualquer custo. As pessoas que sofrem...

A resposta, então, segue sendo colocar os pobres no centro...

Claro, e também reconhecer a nossa responsabilidade ética com as futuras gerações... E as gestões econômicas e políticas, que também têm a ver com a nossa fé. A Igreja é uma luz na realidade, não paralela a ela. Deve estar na realidade, caminhar juntos, sofrer juntos e deve iluminar caminhos. O Papa deixou isso muito claro, e isso nos deu muito força, sobretudo na REPAM. De fato, a carta magna da REPAM é a Laudato Si’. E ele acompanha muito de perto todo este trabalho.

Você conhece o Papa há muito tempo... Ele mesmo contou que o nome que escolheu se deve àquela frase que você disse durante o Conclave...

“Que não se esqueça dos pobres”. É verdade. A circunstância foi muito atípica. Foi no final do Conclave. Ele contou isso porque não está sujeito ao segredo do Conclave. Quando lhe disse isso, não havia preparado nada, me veio espontaneamente. Jamais imaginei que teria impacto sobre ele. Eu sempre digo que foi o Espírito Santo quem falou pela minha boca; eu não havia preparado nada. E não pensei mais. A partir daí, ele disse, e é interessante para ver seu programa de prioridades, que escolheu esse nome por causa de São Francisco de Assis, porque é o santo dos pobres, o santo da paz, o santo da criação e do cuidado da criação.

Que são três dos grandes eixos do pontificado de Francisco...

Sim, os pobres e a paz. Ele vai ali onde há conflito para promover a paz. Em todos os conflitos que existem. Ele disse que há uma Terceira Guerra Mundial em pedaços, e está sempre...

E também na Igreja, por aquele “Vai, Francisco e reconstrói a minha Igreja...”.

Essa é uma frase muito forte de São Francisco. Ele nunca a citou, mas tem muito a ver com o seu discurso, claro...

Esse Papa decidiu colocar em prática o programa pelo qual foi eleito, mas está se encontrando com muitas resistências dentro da própria instituição. A última, a carta dos quatro cardeais... Até que ponto isto pode afetar o Papa em seu trabalho?

Comecemos pela carta dos quatro cardeais. Sem querer relativizar este fato... são apenas quatro cardeais. Na Igreja, somos mais de 200. Sem querer relativizar muito, quatro são quatro de um grande grupo que está dando todo o seu apoio ao Papa. A Igreja defende que sua unidade deve ser unidade na diversidade, e não uniformidade, o que não seria bom. A Igreja não deve trabalhar para uma uniformidade, mas por uma unidade que respeite as legítimas diversidades. A unidade se vê ameaçada, com divisões, quando esta diversidade se deslegitima. E a divisão, sim, é um mal, a diversidade não.

A Igreja quer estar aberta a todas as sensibilidades. O Papa disse que temos que caminhar todos juntos e não excluir ninguém. Não importa o que pensa, o que seja, o que faça... O que importa é que cheguemos a caminhar juntos, como irmãos e como amigos. Devemos encontrar a forma de caminhar juntos, sem excluir ninguém. Se alguém se quer excluir a si mesmo, isso é outra coisa.

Mas o Papa nos convoca para caminhar juntos como irmãos, como amigos, e nos apoiar e iluminar juntos e aos outros. Essa Igreja aberta é uma Igreja muito diferenciada. A uniformidade começa a levantar muros e a dizer quem está dentro e quem está fora; isso é uniformidade. O Papa pode estar preocupado com os motivos pelos quais estas quatro pessoas cheguem a ponto de tentar corrigi-lo, mas ele está muito tranquilo, sereno, caminha em frente, sabe qual é o caminho a seguir. E aí estava o Colégio Cardinalício, com ele, sem maiores problemas. Todo o Colégio Cardinalício está com ele.

Acaba de terminar o Ano da Misericórdia. Qual é o seu balanço?

Foi um ano muito importante para a Igreja e para a Humanidade. O Papa mostrou que a misericórdia está no centro, que ela existe para a misericórdia. Um dos seus objetivos. Ele cita muito a frase de Bento XVI, que dizia que a Igreja cresce mais por atração do que por proselitismo ou doutrinação. Claro que a palavra é importante, ilumina, dá sentido ao que cremos. Mas se isso não chega à caridade, em sentido de misericórdia, é uma palavra morta. O que faz crescer a Igreja por atração é a misericórdia. Jesus, no dia em que foi entregue na cruz, no maior ato de misericórdia, nesse ato atrai todos a si. A Igreja atrai por sua misericórdia, e deve estar muito mais atenta a isto, e renovar e realizar mais em suas atitudes, em suas opções, em suas prioridades, em sua proximidade com as pessoas... A Igreja se sentiu interpelada e começa a caminhar mais intensamente nesta direção.  E também para a Humanidade.

A sociedade vê que a Igreja é uma comunidade, é um povo que contribui para o crescimento da Humanidade, porque a misericórdia significa não ser indiferente ao sofrimento, à exclusão, não pode descartar pessoas ou povos. E o mundo atual descarta povos, nações... Esse não é o caminho. A Igreja contribui para que a humanidade encontre o caminho melhor para que todos possam participar dos bens da história. Foi uma coisa importante para a sociedade humana ver um grupo (o Povo de Deus) que se propõe a atuar mais em termos de misericórdia com todos os que estão sofrendo.

O grande problema do terrorismo, dos refugiados, dos migrantes, é uma imensidão de sofrimento que existe. Não podemos virar o rosto, devemos olhá-los, não podemos dar as costas ao sofrimento. Devemos ter coragem.

Quem é o Papa Francisco para você?

Poder-se-ia responder de muitas formas. Para mim, ele é, sobretudo, um grande pastor. Um pastor que está muito ligado diretamente às situações reais e não teóricas. É muito mais do mundo real do que alguém que faça teoria ou teologia. Francisco, sobretudo, está perto das pessoas, dos grupos e de seus sonhos, de seus sofrimentos, de suas aspirações, de suas esperanças, de suas lamentações... Sempre está muito perto. Como pastor está aí, não para criticar, para impor mais leis ou sanções, ou para sobrecarregar as pessoas com mais pesos.

Não, ele está aí para animar. Ele é um homem que quer que caminhemos juntos. Caminhar é uma das palavras mais importantes para ele. Caminhar juntos e animar as pessoas. Não quer controlar, criticar, julgar. Não é a lei que salva; o que salva é a misericórdia e o amor de Deus. Consolar, perdoar, abraçar, caminhar juntos... Ele é assim, e com todos. Ele pensa em animar a Humanidade em todas as suas sombras, dúvidas, desejos de futuro... Estar juntos. Que Deus é bom, que quer o nosso bem, que nos ama infinitamente, não importa quem somos ou quem não somos.

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Dom Cláudio Hummes: “As críticas ao Papa? São apenas quatro cardeais... Todo o Colégio Cardinalício está com ele” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU