“Deus não apenas ama os homossexuais, senão que simpatiza com eles”, afirma jesuíta, reitor de universidade mexicana

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

29 Outubro 2016

“Uma coisa que a Igreja precisa entender é que devemos respeitar as pessoas gays e lésbicas”. Em pleno debate sobre o casamento homossexual no México, o reitor da Universidade Ibero-Americana, David Fernández SJ, defende que a ferrenha oposição a semelhante relação por parte da hierarquia católica do país não é “cristã”.

A reportagem é de Cameron Doody e publicada por Religión Digital, 27-10-2016. A tradução é de André Langer.

O Conselho Nacional para a Prevenção da Discriminação (Conapred) acaba de lhe conceder o Reconhecimento Nacional pela Igualdade e a Não Discriminação 2016, como reconhecimento da sua defesa dos direitos de todos e do seu compromisso para apagar qualquer rastro de discriminação das instituições e da sociedade em geral. E não é difícil ver em que medida merece o prêmio.

Escrevendo, em agosto passado, um artigo para o jornal Reforma, Fernández toma o exemplo do Papa Francisco e propõe que o que falta no debate nacional sobre o casamento homossexual é que se dê “menos importância às normas e mais à misericórdia”. E, se porventura houver alguma dúvida sobre no que consiste tal postura, Fernández deixa bem claro: “Mais misericórdia quer dizer um tratamento respeitoso, afetuoso, carinhoso, com todas as pessoas, inclusive aquelas cuja sexualidade é diversa da maioria”.

Na oposição do catolicismo oficial ao casamento homossexual, explica Fernández, há um grave paradoxo: o de que a Igreja obriga pessoas com atração por outras do mesmo sexo à castidade, ao mesmo tempo que prega que o celibato é um dom de Deus. Se a abstinência é um dom, afirma, não pode ser obrigatória: a uns é dada e a outros não. “Todas as lésbicas e pessoas transgênero ou homossexuais têm o dom da castidade?”, pergunta-se Fernández, antes de assumir que “provavelmente uma das duas posturas que a Igreja defende deve esta equivocada”.

Na opinião do jesuíta, é impossível imaginar que o nosso “bom Deus Pai” – cheio de bondade e benevolência – obrigue os homossexuais a não ter um cônjuge com quem possam expressar seu amor. E conclui, além disso, dizendo que a Igreja tem que estar aberta para o que diz a ciência sobre esse tema.

A conclusão a que Fernández chega é que tanto as pesquisas científicas como sua experiência pastoral mostram que, embora a orientação homossexual seja minoritária, não quer dizer que seja algo anormal. Afirma que a maior parte dos homossexuais com quem tratou “são excelentes seres humanos, sensíveis, afetuosos, comprometidos, devotos do serviço e da compaixão”. Até se arrisca a dizer, na sua idade, que “Deus não apenas ama” os gays, lésbicas e pessoas transgênero, “senão que simpatiza com eles”.

Se o celibato é, para muitos padres e religiosos, algo que “dá muito trabalho”, pior deve ser para os homossexuais obrigados a viver com essa disciplina, conclui o reitor da Ibero. Discriminá-los não pode ser a resposta, dado que isso não é algo “autenticamente humano” nem “digno de um Deus fiel (e) cheio de misericórdia”. O que importa é que a acolhida que Deus nos dá é incondicional para todos. “O Deus de Jesus Cristo é, em primeiro lugar, misericórdia, amor, perdão, proximidade, compreensão, ternura. E não faz acepção de pessoas, não tem preferência entre seus filhos e filhas”.

Na sequência, o texto completo do artigo.

Postura de hierarcas, cristã?, pelo Pe. David Fernández SJ, publicado no jornal Reforma.

Uma das frases mais citadas do Papa Francisco é aquela que externou quando, na volta do Rio de Janeiro, os jornalistas lhe perguntaram sobre as pessoas homossexuais. “Quem sou eu para julgar?”, disse. Com essa expressão, colocava em prática o que disse em Roma no começo do seu pontificado: “devemos dar menos importância às normas e mais à misericórdia”.

De fato, em um documento de trabalho divulgado no mês de junho de 2014, o Papa jesuíta assinalava, em alusão às pessoas homossexuais, que “os católicos do mundo inteiro devem ser menos excludentes e mais humildes”. Mais recentemente, também afirmou que a Igreja deveria pedir perdão aos e às homossexuais. No documento preparatório do Sínodo dos Bispos de outubro de 2014 o Papa afirmou que, embora os hierarcas continuem a se opor às uniões entre pessoas do mesmo sexo, “a Igreja católica deve ter uma atitude respeitosa”. E um tom semelhante, comedido, teve o documento oficial publicado nessa ocasião.

Mais misericórdia quer dizer um tratamento respeitoso, afetuoso, carinhoso, com todas as pessoas, inclusive aquelas cuja sexualidade é diversa da maioria. Uma coisa que a Igreja a que pertenço precisa entender é que, enquanto quisermos continuar a ser cristãos seguidores de Jesus, devemos respeitar as pessoas gays e lésbicas.

Infelizmente, não é exatamente isso que estamos vendo nestes dias de debate sobre a iniciativa do Executivo sobre o casamento igualitário.

Muitos sacerdotes e dignitários eclesiásticos, seguindo a postura oficial da Igreja, afirmam que ser homossexual não é pecado; mas, ao mesmo tempo, preconizam que os homossexuais não devem praticar sua homossexualidade, e os exortam a abster-se. Isto, para mim, é muito difícil de entender.

Essa mesma Igreja que chama à abstinência postula que o celibato e a castidade são dons de Deus. Ou seja, que a adesão a eles não pode ser forçado: a uns Deus os dá a outros não. Todas as lésbicas e pessoas trangênero ou homossexuais têm o dom da castidade? Provavelmente, uma das duas posturas que a Igreja defende deve estar equivocada. É possível obrigar a algo que é um dom?

Muitas vezes, na presença de Deus, me fiz esta e outras perguntas e admito que me sinto confuso. Poderá o Deus revelado por Jesus, o Deus da misericórdia, da ternura, da libertação, da solidariedade, o nosso bom Deus Pai, exigir obrigatoriamente a um jovem que nasceu homossexual ou lésbica que guarde um celibato imposto até o dia da sua morte?

E depois me pergunto novamente. Poderia esse Deus que é Pai e Mãe bons, esse Deus bondoso e benevolente, exigir a um jovem ou uma jovem que nasceu diferente, que nunca, em toda a sua vida, tenha um parceiro ou parceira e manifeste a ele ou ela seu amor?

Há muitas hipóteses e teorias sobre a origem destas sexualidades minoritárias. A discussão continua e me confesso aberto ao que a ciência diz. Mas, o que posso afirmar com toda certeza é que, na minha experiência pastoral e educativa, a grande maioria das pessoas que se consideram homossexuais o descobriram ainda pequenas, e se assumem assim desde o seu nascimento. Sua sexualidade não é majoritária, certamente, mas também não é anormal: exatamente igual aos canhotos.

Em todas as culturas, mesmo as mais homofóbicas, naquelas em que a homossexualidade é penalizada com a morte, sempre há uma porcentagem constante de pessoas com estas orientações, que oscila entre 6% e 10%. De maneira que o que realmente importa para nós cristãos é que acreditemos que todos e todas foram criados por Deus. Assim como são. E depois de tratar com muitos durante muito tempo posso afirmar que boa parte deles são excelentes seres humanos, sensíveis, afetuosos, comprometidos, devotos ao serviço e à compaixão. Atrevo-me a dizer que Deus não apenas os ama, senão que simpatiza com eles.

Pode a Igreja privar estas pessoas do direito ao exercício genital de sua sexualidade?

Quando a Carta aos Romanos fala em condenar “mudar o uso natural por outro contra a natureza”, o autor não tinha nem ideia das realidades que nós conhecemos hoje de maneira mais científica sobre a sexualidade, e pensavam que só eram costumes de pagãos e idólatras.

No atual debate, uma pergunta central é se a união de pessoas do mesmo sexo é casamento ou outra coisa. Não sei. Mas me pergunto novamente: discriminá-los é autenticamente humano, digno de um Deus fiel ao que criou e cheio de misericórdia? Sinto-me confuso.

Se para nós, sacerdotes católicos que abraçamos livremente o celibato, dá muito trabalho ser fiéis até a morte, como será para as pessoas homossexuais, lésbicas, transgênero ou transexuais, carregar esse fardo imposto contra a sua vontade pelos anos sem fim que precisam viver depois de confessarem a si mesmos e a si mesmas sua condição?

O Deus de Jesus Cristo é, sobretudo, misericórdia, amor, perdão, proximidade, compreensão, ternura. E não faz acepção de pessoas, não tem preferência entre seus filhos e filhas.

Leia mais