A crise futura da Igreja alimenta-se de mensagens anti-LGBTQs atuais

Imagem: Só mais um / reprodução

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

04 Outubro 2016

"Não exatamente discordando de Peppard, digo que os líderes religiosos precisam fazer mais do que simplesmente cuidar o que dizem. Eles precisam ser proativos na promoção de mensagens afirmativas e acolhedoras; precisam apoiar ideias, políticas e práticas pro-LGBTs, trabalhando pela igualdade, apoiando a não discriminação no trabalho e combatendo iniciativas anti-LGBTs", escreve Francis DeBernardo, diretor-executivo da New Ways Ministry, organização católica de gays e lésbicas, em artigo publicado por New Ways Ministry, 30-09-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa

Eis o artigo.

Se você costuma ler as postagens publicadas aqui no sítio do New Ways Ministry, perceberá que uma opinião recorrente é o quão prejudicial as mensagens negativas emitidas por líderes eclesiásticos católicos são para as pessoas LGBTQs e seus familiares. No entanto, um novo relatório recentemente divulgado identifica também uma outra vítima da linguagem e das políticas anti-LGBTQs advindas destes líderes: a própria Igreja.

Nesta semana, o Instituto de Pesquisa sobre Religião Pública (PRRI, na sigla em inglês) divulgou um relatório sobre o número crescente de pessoas sem religião nos EUA: pessoas que confessam não ter filiação religiosa ou que renunciaram a filiação religiosa anterior. Dessa forma, quando perguntado sobre a identidade religiosa, a resposta mais simples era “nenhuma”. O novo relatório do PRRI mostra que os “sem religião” aumentaram de 5% entre a população em 1972 para 25% da população em 2016, e que atualmente quase 40% dos adultos com idade entre 18-29 anos se identificam como “sem religião”.

Quando perguntaram aos participantes da pesquisa (as entrevistas foram feitas em agosto de 2016) por que não possuíam uma filiação religiosa, 29% disseram que era por causa das mensagens negativas relativas a questões LGBTs que ouviam da parte de instituições religiosas. De um modo significativo em se tratando de Igreja Católica, o número aqui é destacadamente mais alto.

De fato, as mensagens negativas sobre a comunidade LGBTQ é um dos motivos mais significativos que fazem com que as pessoas deixem a Igreja, e na Igreja o fenômeno ocorre em um número muito maior, em termos proporcionais, do que em outras denominações. É o que diz o relatório:

“De maneira notável, aquelas pessoas que cresceram dentro do catolicismo são mais propensas do que as outras das demais denominações e religiões a citar o tratamento religioso negativo dispensado às pessoas gays e lésbicas (39% e 29%, respectivamente) e os escândalos de pedofilia clerical (32% vs. 19%, respectivamente) como sendo as principais razões para deixarem a Igreja”.

A rejeição das mensagens anti-LGBTs tem um índice mais alto do que a crise de abusos sexuais como um dos motivos para o abandono na Igreja Católica: 39% e 23% estatisticamente.

No cômputo geral (não apenas os católicos), o motivo número um para a saída foi “parar de acreditar nos ensinamentos da religião”, com o motivo número dois sendo “minha família não era muito religiosa”. O terceiro resposta que mais apareceu entre todos os participantes foi “os ensinamentos religiosos negativos ou o tratamento dispensado aos gays e lésbicas”. Dado o fato de que os dois primeiros motivos são altamente existenciais, ou seja, eles vão no cerne da crença pessoal e da tenra formação, o fato de que as questões LGBTs vêm logo depois do número dois acaba sendo mais significativo ainda.
A Igreja Católica tem sido a denominação mais duramente atingida por pessoas que se desfiliam da tradição religiosa. O relatório diz também:

“Enquanto os protestantes não brancos e grupos religiosos não cristãos permaneceram relativamente estáveis, os protestantes brancos e os católicos tiveram declínios, com os católicos sofrendo o maior entre os grandes grupos religiosos: uma perda de 10 pontos percentuais no geral. Quase um terço (31%) dos americanos informam terem crescido num lar católico, mas somente 1 a cada cinco (21%) dos americanos se identificam como católicos hoje. Uma parcela equivalente a 13% dos americanos informa que já foram católicos antes, e cerca de 2% dos americanos abandonaram suas tradições religiosas para se juntar à Igreja. Os protestantes evangélicos brancos e os protestantes históricos brancos estão também testemunhando um crescimento negativo, porém num grau muito mais modesto (-2 pontos percentuais e -5, respectivamente).

Estes números deveriam chamar a atenção dos líderes eclesiásticos católicos que continuam defendendo políticas e difundindo mensagens anti-LGBTs. Se não estão em condição de enxergar o quanto têm prejudicado outras pessoas com suas ações e palavras, pelo menos deveriam tomar nota de como estão prejudicando a instituição como um todo. Em vez de se preocuparem com a liberdade religiosa, deveriam se preocupar com a sobrevivência institucional.

Um dos detalhes mais significativos destes dados é que eles refletem a realidade de pessoas com idade entre 18 e 29 anos. Numa pesquisa, o comportamento e as opiniões da geração mais jovem são indicadores confiáveis de como o comportamento e a opinião serão no futuro. A pesquisa citada indica também ser improvável que estes jovens voltem à Igreja para se casar ou ter filhos.

O relatório mostra ainda que 58% dos participantes disseram rejeitar totalmente a religião, enquanto só 22% indicam ter uma visão positiva da religião, e 18% que dizem ter fé, mas sem participar de algum grupo religioso. A Igreja está fracassando diante da sua próxima geração ao não desenvolver uma forma de falar com autenticidade às questões mais urgentes dos jovens, como justiça e igualdade.

Michael Peppard, professor de teologia da Fordham University e autor do blog dotCommonweal, teceu uma bela análise do que poderia estar por trás deste êxodo na Igreja entre os jovens:

“A maioria das pessoas que seguem uma religião fazem avaliações morais por meio de uma combinação de apelos à revelação, à razão e à experiência. O que dizem as Escrituras e a Tradição? O que o meu pensamento lógico conclui? E o que vivenciei pessoalmente e que preenche estes mesmos argumentos? No caso do estatuto moral da homossexualidade, parece claro que, na década passada, alcançou-se um ponto de inflexão em que a razão e as experiências das pessoas sobrepuseram-se ao apelo à revelação”.

E Peppard deixou uma boa sugestão aos líderes eclesiásticos:

“E o que os líderes religiosos podem tirar de lição? Todo e qualquer comentário que um líder religioso fizer sobre os gays e lésbicas – desde um pronunciamento magisterial a uma pequena observação num púlpito ou em sala de aula – deve ser pensado tendo em mente as questões em jogo. Com relação à maneira como se fala de gays e lésbicas em ambientes católicos, não há margem para o erro. Toda expressão de negatividade e exclusão proferida no púlpito será ouvida nos bancos como uma afronta irremediável a amigos e familiares – ou à própria pessoa ali sentada. Na próxima semana, o mesmo banco estará vazio”.

Não exatamente discordando de Peppard, digo que os líderes religiosos precisam fazer mais do que simplesmente cuidar o que dizem. Eles precisam ser proativos na promoção de mensagens afirmativas e acolhedoras; precisam apoiar ideias, políticas e práticas pro-LGBTs, trabalhando pela igualdade, apoiando a não discriminação no trabalho e combatendo iniciativas anti-LGBTs. Se não começarem em breve, logo os seus prédios estarão vazios.

Leia mais...