Voto no Brexit revela os limites da democracia direta

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05 Agosto 2016

"Raramente as limitações dos plebiscitos foram expostas com tal clareza quanto na votação britânica. Não porque a maioria dos especialistas acredita que o resultado foi um engano.Mas o referendo britânico foi um desastre porque deixou de alcançar praticamente todos os objetivos principais. Em vez de oferecer esclarecimento, a votação causou confusão: de fato, nem mesmo a saída do Brexit pode ser descartada", escreve Michael Sauga em artgio publicado por Der Spiegel e reproduzido por portal Uol, 06-07-2016.

Eis o artigo.

O Brexit expõe os problemas criados quando a ideia da democracia direta sofre abusos. Em nosso complexo mundo do século 21, não temos opção além de delegar a nossos representantes eleitos a autoridade para tomar a maioria das decisões

Boris Johnson sempre teve um relacionamento lúdico com o poder. Durante sua época de universidade, dizem que o político conservador fingia ser membro do Partido Trabalhista para ter melhores oportunidades no grêmio estudantil. Como jornalista, ele tinha a tendência a criticar leis da União Europeia que nem sequer existiam. E quando o mundo ficou recentemente coçando a cabeça sobre como o Reino Unido pôde votar na saída da UE o líder do campo do Brexit desprezou sem cerimônias a votação histórica de 17 milhões de britânicos como um não evento.

Pois agora, concluiu o ex-prefeito de Londres, "nada mudará em curto prazo".

O sucesso do jogador político Johnson representa uma derrota não apenas dos apoiadores da UE no Reino Unido, mas também dos que acreditam na democracia direta. Mesmo aqui na Alemanha, iniciativas de cidadãos em um amplo espectro de partidos políticos --da conservadora União Social Cristã ao Partido Verde-- apoiaram a ideia de realizar o maior número possível de referendos como antídoto à crise no parlamentarismo ocidental. A esperança é que conclamar os eleitores às urnas não somente provoque a mais pura expressão possível da preferência do eleitorado, como também ofereça clareza sobre questões de importância e crie as bases para um novo consenso social sobre a força do voto da maioria. A ideia é que mais votos significam mais democracia.

Raramente, porém, as limitações dos plebiscitos foram expostas com tal clareza quanto na votação britânica. Não porque a maioria dos especialistas acredita que o resultado foi um engano. Os eleitores têm o direito inegável de avaliar as supostas vantagens de ter mais soberania sobre as óbvias desvantagens econômicas e políticas.

Mas o referendo britânico foi um desastre porque deixou de alcançar praticamente todos os objetivos principais. Em vez de oferecer esclarecimento, a votação causou confusão: de fato, nem mesmo a saída do Brexit pode ser descartada. Além disso, em vez de pacificar o país, o referendo criou novas rixas: entre velhos e jovens, Londres e o interior, os ingleses e os escoceses. Afinal, novos referendos poderão vir, com a consequência de que o antes poderoso Reino Unido poderá se transformar em uma aliança frouxa de miniestados marginalizados.

Uma cínica luta por poder

Em última instância, a votação não tratou dos argumentos mais fortes a favor ou contra a Europa. Em seu centro estava uma cínica luta de poder entre dois políticos conservadores, ambos os quais afinal perderam. Primeiramente, o primeiro-ministro David Cameron anunciou sua renúncia imediatamente depois do referendo. Então seu rival, Boris Johnson, anunciou que não desejava sucedê-lo. Antes disso, Johnson havia liderado uma campanha antieuropeia tão suja que até um defensor dos referendos como o historiador Tiimothy Garton Ash disse que "a escala da falsidade e da manipulação neste referendo foi de tirar o fôlego".

Ainda assim, por desastroso que tenha sido o resultado, a votação britânica não prova que não há lugar para plebiscitos na democracia moderna. Os referendos podem ter sentido se forem para iniciativas locais ou sobre questões em que um número suficiente de eleitores se envolveu antes da votação. Mas os que acreditam que os referendos podem de certa forma reparar ou mesmo substituir a democracia representativa cometem um grande erro. Às vezes os referendos pioram tudo.

No Reino Unido, a votação no Brexit depositou as bases para um conflito entre a democracia direta e indireta porque o Parlamento, cuja maioria é pró-UE, podia se recusar a implementar a vontade do povo. A ideia dos referendos também sofre com frequência abusos em outras partes da Europa. Veja a Hungria, por exemplo, cujo primeiro-ministro, Viktor Orbán, quer que em breve a população vote em um referendo destinado a rejeitar um plano da Comissão Europeia de reassentar refugiados em todos os países membros.

As lições do desastroso referendo britânico são claras: não é de mais democracia direta que a UE precisa. É sobretudo de tempo para implementar as tão discutidas reformas das instituições europeias em Bruxelas. O próximo governo britânico deve implementar estritamente o resultado do referendo se não quiser transformar em piada o princípio da democracia. Ao mesmo tempo, os defensores da democracia direta também deveriam compreender que o instrumento que eles aprovam é limitado. Em nosso complexo mundo do século 21, não há como contornar a necessidade de transferir a responsabilidade política por questões chaves aos representantes eleitos.

Portanto, é vital que os representantes eleitos sejam submetidos a restrições efetivas. Como disse um dia Thomas Jefferson, um dos pais fundadores dos EUA: "Quando o povo teme o governo, há tirania. Quando os governos temem o povo, há liberdade".

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