Lutero e o desafio ecumênico da evangelização. Entrevista com Walter Kasper

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19 Julho 2016

Uma frase peremptória, inequívoca e até mesmo áspera na sua clareza. "Eu acredito que as intenções de Martinho Lutero não eram equivocadas: ele era um reformador". E ainda: a Igreja da época "não era exatamente um modelo a ser imitado, havia corrupção, mundanidade, apego ao dinheiro e ao poder. Por isso, ele protestou".

A reportagem é de Riccardo Maccioni, publicada no jornal Avvenire, 17-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No dia 26 de junho, no voo que o levava de volta para Roma vindo da Armênia, o papa falou da sua próxima viagem "ecumênica" à Suécia, propondo uma leitura histórica da Reforma, da qual, em 2017, completam-se os 500 anos. Uma interpretação que, sem negar as diferenças nem diminuir as trágicas consequências produzidas pela fratura no cristianismo do Ocidente, oferece um decisivo apoio ao diálogo.

Em outras palavras, a história, os fatos não pode, ser apagados, mas é possível tirar um ensinamento deles. Remover venenos que os acompanham, assumir as culpas é um passo decisivo no caminho da recuperação, no sentido da purificação da memória, no caminho da comunhão. Significa se empenhar naquele caminho que levou a pesquisa católica do século XX a não mais considerar Lutero simplesmente como "o herege" culpado pela divisão, mas a redescobrir o seu fervor religioso e a sua intensa vida de oração.

O passo seguinte, filho principalmente do debate sistemático com Tomás de Aquino, é a vontade de compreender melhor a teologia de Lutero, colocando-a plenamente no seu contexto histórico e espiritual. Uma visão de conjunto, uma análise interpretativa em que também se coloca o último livro do cardeal Walter Kasper.

Em Martin Lutero. Una prospettiva ecumenica [Martinho Lutero. Uma perspectiva ecumênica (Queriniana Edizioni, 80 páginas), o autor, ex-presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, ressalta a necessidade de libertar a figura do Reformador da "monopolização de interesses de parte, tanto de ontem quanto de hoje" e convida "a se colocar serenamente" à sua escuta.

"No passado – explica Kasper – os católicos consideraram Lutero como o grande herege, aquele que dividiu a Igreja, provocando efeitos muito negativos, grandes sofrimentos na Europa. Em uma atmosfera mais ecumênica, estudiosos como Josef Lortz, Hubert Jedin, mas também muitos outros, empreenderam uma revisão dessa imagem unilateralmente negativa, reconhecendo que, na Baixa Idade Média, uma reforma da Igreja era urgente e defendendo que a responsabilidade, a dor de ver uma reforma se tornar 'a' Reforma dividiu a cristandade, não pode ser atribuída apenas a um lado."

Eis a entrevista.

No livro, o senhor enfatiza que Lutero não era ecumênico, nem poderia sê-lo.

Não o era, e nem os seus adversários o eram. Ele era um homem do seu tempo, ainda enraizado na Idade Média, que não reconhecia o valor de uma sociedade pluralista e tolerante em relação à convivência de religiões e de Igrejas diversas. A sua polêmica foi dura não só contra o papa como anticristo, mas também contra os judeus e os turcos, os anabatistas e os entusiastas. Hoje, no entanto, a liberdade religiosa, a tolerância, o diálogo são considerados essenciais para a convivência pacífica na nossa sociedade e no mundo.

Para uma leitura mais autêntica de Lutero, para uma nova compreensão ecumênica dele, certamente o testemunho dos papas contribuiu. Falamos de Francisco, mas não se pode esquecer da viagem de Bento XVI, em 2011, a Erfurt, onde ele sublinhou como a pessoa e a teologia do pai da Reforma representam um desafio espiritual e teológica para os católicos.

João Paulo II e Bento XVI reconheceram a reivindicação religiosa de Lutero, a centralidade, na sua vida, da questão sobre Deus e sobre Jesus Cristo. A ruptura entre as Igrejas, além disso, nunca foi total, permaneceu uma base comum, pilares sobre os quais hoje podemos construir pontes. Acima de tudo, através do Batismo, apesar daquilo que nos divide, somos cristãos, irmãos e irmãs fundamentalmente unidos no corpo de Cristo. Tanto que, hoje, nós, católicos, também cantamos alguns hinos de Lutero.

O clima mudou. Da polêmica, passou-se para o diálogo. O que não significa esquecer as diversidades.

É inútil dizer que o diálogo ecumênico não nega as diferenças. Ao contrário, para dialogar, é necessário que as pessoas estejam convencidas daquilo que são, disponíveis, no entanto, a se escutarem, a aprender umas com as outras. Desse modo, o verdadeiro diálogo, como definiu João Paulo II, é uma troca não só de ideias, mas de dons. Isso significa que podemos nos enriquecer mutuamente. Por exemplo, os católicos aprenderam dos evangélicos a importância da Palavra de Deus e da Bíblia. Os protestantes aprenderam com os católicos a importância do simbolismo sacramental e da liturgia.

Mas ainda restam diferenças...

Sobre a controvérsia mais candente da época, a da justificação do pecador, alcançamos um consenso fundamental. No entanto, ainda há pontos controversos, sobre os quais foram alcançadas aproximações importantes, mas não ainda um consenso suficiente. Eu penso na compreensão da Igreja e do sacerdócio ministerial, no ministério petrino, na veneração da Virgem Maria e dos santos.

O 500º aniversário da Reforma é visto como uma oportunidade importante para fazer crescer a compreensão e a colaboração recíprocas. O que devemos esperar da visita do papa a Lund, Suécia, no próximo dia 31 de outubro?

A redescoberta de Lutero deve ser enquadrada no Ano da Misericórdia, misericórdia entre cristãos e com as pessoas do nosso tempo, que sofrem com os conflitos e precisam de reconciliação e de paz. Nesse sentido, o encontro de Lund será um sinal muito forte de como as Igrejas, hoje, estão comprometidas com a causa da unidade e da paz.

Partimos da nova leitura que o século XX deu de Lutero, do desejo de renovação e conversão que ele levou em frente. Forçando um pouco a linguagem e as imagens, as suas reivindicações poderiam ser encaixadas nas da nova evangelização?

No nosso tempo fortemente secularizado, aquilo que, na época, era patrimônio comum da sociedade, a fé em Deus, em Jesus Cristo, a importância dos mandamentos, não é mais compartilhado por todos. Ao contrário, às vezes, é seguido apenas por uma minoria. Em muitos países, os cristãos são oprimidos e perseguidos não por serem católicos, protestantes ou ortodoxos, mas simplesmente por serem cristãos. O Papa Francisco fala de ecumenismo do sangue. Nessa situação, a nova evangelização é um desafio comum. Justamente o Concílio Vaticano II reiterou que a divisão dos cristãos "prejudica a mais santa das causas", a evangelização, precisamente, "a pregação do Evangelho a toda criatura".

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