República Centro-Africana: Bispo que abriga muçulmanos em seminário diz que o medo de morrer é real

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12 Setembro 2017

O bispo de um município de médio porte na República Centro-Africana que está abrigando aproximadamente dois mil muçulmanos em seu seminário, em busca de dar-lhes segurança aos ataques feitos, em grande parte, por milícias cristãs, diz que estas pessoas não podem sequer pôr os pés fora do seminário para buscar suprimentos básicos como lenha, medicamento, alimento e água sem temer a morte.

A reportagem é de Ngala Killian Chimtom, publicada por Crux, 08-09-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Um bispo católico, no município de Bangassou, ao sul da República Centro-Africana e que está atualmente abrigando aproximadamente 2 mil muçulmanos em seu seminário – pessoas que temem ataques violentos por milícias compostas principalmente por cristãos –, diz que estas pessoas correm o risco de morte caso se aventurarem a sair do local.

Em entrevista à BBC, Dom Juan José Aguirre Munoz falou que quando irrompeu o conflito em maio, refugiados muçulmanos buscaram ajuda no seminário diocesano. Mas este medo das milícias anti-Balaka significa que eles não podem se aventurar a sair do local para tentar encontrar suprimentos básicos para as suas famílias.

Os muçulmanos estão abrigados no Petit Séminaire St. Louis, localizado em Bangassou.

“Aqui perto, existem milícias anti-Balaka que os impedem de saírem para buscar alimento, água ou lenha”, disse Aguirre, natural da Espanha. “Estas pessoas estão completamente confinadas dentro do seminário. Elas correriam risco de morte caso se aventurassem a sair”.

Na medida em que a violência na República Centro-Africana continua a aumentar, muitas organizações humanitárias têm abandonado a região e inúmeros refugiados, hoje, passaram a viver em condições precárias.

De acordo com um relatório de agosto, emitido pela organização Médicos Sem Fronteira, Bangassou, município com cerca de 35 mil pessoas, havia sido pouco afetado pelo conflito devastador de 2013-2014, e era inclusive elogiado pelo trabalho reconciliatório e pela coesão social que se seguiram ao período de violência.

No mês de maio, entretanto, bairros muçulmanos foram atacados por forças anti-Balaka, e a situação mudou dramaticamente. Agora, segundo o relatório, Bangassou se transformou em uma “cidade fantasma” controlada por gangues armadas, enquanto a maior parte dos moradores fugiu cruzando a fronteira com a República Democrática do Congo.

Aguirre diz que as tentativas de se conseguir suprimentos básicos como alimento e roupas para as pessoas abrigadas no seminário fracassaram, com integrantes de milícias anti-Balaka dificultando cada vez mais o trabalho de auxílio aos necessitados.

Segundo o bispo, as milícias aumentaram o número de ataques. Em mensagens pelo enviadas WhatsApp, o religioso traçou um quadro gritante da crueldade dos combatentes.

“Eles atacaram uma missão localizada a 75 quilômetros de Bangassou, chamada Gambo”, escreveu. “Cortaram a garganta de vários homens e crianças. Jovens muçulmanos não querem escutar a ninguém: eles se sentam em frente à catedral, impedindo a passagem das pessoas. Há três domingos que não tivemos condições de abrir a catedral”, afirmou o religioso em 8 de agosto.

Segundo ele, a República Centro-Africana se transformou em um “país à deriva, com a população inteira presa como num campo de concentração”.

Disse ainda que as igrejas se tornaram alvos para rebeldes dos grupos anti-Balaka e Séléka, mas estes ataques não vão deter a determinação da Igreja em ficar ao lado dos vulneráveis.

“Para nós, não existe diferença entre muçulmano e cristão, todos são seres humanos. Nós precisamos proteger os vulneráveis”, disse.

No dia 17 de maio, a Cruz Vermelha informou que funcionários da entidade viram cerca de 115 cadáveres em Bangassou após vários dias de ataques. O presidente local dessa agência humanitária, Antoine Mbao Bogo, contou à Reuters que estas pessoas haviam “morrido de várias formas”, incluindo esfaqueamento, espancamento com porretes e ferimentos a bala.

A Cruz Vermelha também informou as mortes de até 60 pessoas nas últimas semanas na sequência de um combate entre grupos armados em Ngaoundaye e Batangafo ao norte do país, Kaga-Bandoro, na região central, e Alindao e Gambo, ao sul.

Hans Fly, chefe dos programas da Catholic Relief Services para a República Centro-Africana, falou que a escalada da violência tem piorado uma situação humanitária já precária.

“A situação á bastante difícil neste momento”, disse em entrevista por email ao Crux.

“A insegurança e a violência têm deixado milhares de pessoas necessitando de ajuda humanitária, como alimento, abrigo e assistência médica. Em certas regiões fora da capital, Bangui, a economia ficou devastada”.

Disse ainda que mais de meio milhão de pessoas tiveram de se deslocar internamente no país por causa da violência, e que as necessidades básicas destas pessoas aumentam a cada dia.

“Elas precisam suprir as necessidades mais básicas da vida: abrigo, alimentação e proteção contra a violência. Ao mesmo tempo, muitas organizações humanitárias estão sendo alvejadas e, portanto, a violência continua a dificultar o acesso humanitário em regiões onde as necessidades são as maiores”, disse ao Crux.

Ao mesmo tempo em que citou o papel da Catholic Relief Services nos esforços de reconciliação e distribuição de suprimentos para as famílias, assim como no “apoio às famílias afetadas em áreas que passaram por crises anteriormente, reconstruindo os seus lares e suas vidas”, Fly disse que a estrada para a paz se tornou mais tênue.

“O crime e a violência são o grande obstáculo à paz”, afirmou.

“Existem vários grupos armados que atuam impunemente. Além disso, as percepções alimentadas pelos combates entre grupos identitários religiosos diferentes, mesmo quando o conflito é de natureza econômica e não religiosa, vão perdurar por anos e devem ser abordadas com uma resposta psicossocial”.

“Mesmo quando termina a violência, o subdesenvolvimento econômico pode resultar em novos choques na medida em que os grupos competem pelos recursos”, completou.

Este sentimento é repetido pela coordenadora de ajuda humanitária na República Centro-Africana, Najat Rochdi.

Segundo ela, a violência continuada “irá provavelmente desencorajar os investimentos necessários para encararmos a situação humanitária na República Centro-Africana. Eles jogam contra os esforços tremendos feitos pelas autoridades deste país e pela comunidade internacional, de resolver esta crise humanitária severa”.

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