Prezado Mark Zuckerberg: Democracia não é um grupo de discussão no Facebook

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23 Fevereiro 2017

Com o seu manifesto de 5.800 palavras intitulado “Building Global Community” [Construindo uma comunidade global, em tradução livre] o CEO do Facebook Mark Zuckerberg parece estar cada vez mais à vontade em seu papel de ditador benevolente do universo midiático. Pouco tempo depois das eleições americanas de novembro, ele tentou se esquivar da responsabilidade pelo papel que o Facebook teve de modelar o resultado final. Agora, três meses depois, o empresário está pronto para assumir o controle da segurança, da precisão e da diversidade de como o mundo compartilha a informação. E ele quer a nossa ajuda.

O comentário é de Nathan Schneider, autor dos livros Thank You, Anarchy e God in Proof, em artigo publicado por America, 21-02-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

O texto é um convite do Facebook para “explorar exemplos de como a governança comunitária pode trabalhar em escala”. Essa ideia ocorre no contexto das fortunas declinantes da democracia de governos de todo o mundo; podemos estar perdendo os nossos países a autoritários, mas pelo menos iremos ter o nosso Facebook. As propostas apresentadas parecem equivaler a uma série em cascata de grupos de discussão online – dos quais podemos ou não saber que fazemos parte –, grupos administrados por inteligência artificial no intuito de desenvolver padrões de aceitabilidade bem afinados para conteúdos que perpassam várias culturais mundiais. A democracia, porém, não é um grupo de discussão.

Democracia significa posse e responsabilidade, juntamente com uma governança compartilhada. É assim que nos certificamos de que a governança é real, que ela importa e que os participantes irão levá-la a sério. Em um país com uma democracia que funciona, os cidadãos votam com responsabilidade porque sabem que irão arcar com as consequências caso não votem. Eles estarão pagando a conta. O mesmo com os investidores em uma empresa ou com membros de uma cooperativa, seja uma cooperativa alimentícia de bairro, seja uma união de crédito nacional.

Oferecer entrada livre para uma oligarquia impossível de ser responsabilizada é bem difícil. Parece-se mais com o feudalismo. O rei Luís XVI apresentou aos seus súditos grupos de discussão quando iniciou, em 1789, as “Cahiers de Doléances”; foi somente com o início da revolução, no fim daquele ano, que o processo de garantir uma democracia real começaria. Se a visão de governança do Sr. Zuckerberg é algo mais do que os experimentos passados do Facebook com referendos sobre os seus termos de serviço, os usuários devem exigir condições melhores antes que uma falsa democracia tenha início.

Posse tem também a ver com economia. Tem a ver com quem se beneficia. Neste exato momento, o Facebook está em processo de absorver enormes parcelas do mercado publicitário mundial, grande parte das nossas comunidades de doadores, grande parte da política e da imprensa – canalizando os lucros principalmente para os seus fundadores, para os seus primeiros investidores e outros importantes acionistas. O Sr. Zuckerberg vem tentando ignorar essa preocupação. “Uma coisa sobre a qual venho recentemente me perguntando é sobre se as pessoas previram equivocadamente que a esperança para o futuro é somente econômica”, disse ele a Kara Swisher em entrevista sobre o manifesto. “Mas as coisas que estão acontecendo em nosso mundo agora todas têm a ver com o mundo social, e não com o que as pessoas precisam”.

A recusa deste bilionário de reconhecer a ascensão do autoritarismo como um sintoma da desigualdade e insegurança econômica é gritante. Ele enxerga a agitação – como costumam fazer os autoritários – como um problema de gestão precária, não de acúmulos injustos de poder.

O Sr. Zuckerberg está certo em uma coisa pelo menos: as plataformas online como a sua podem ser a melhor esperança para a democracia numa época de política reacionária. Mas não do jeito que ele dá a entender. O movimento crescente pelo “cooperativismo de plataforma” vislumbra plataformas online verdadeiramente pertencentes e governadas pelos que delas dependem; experiências ao redor do mundo começam a demonstrar que esse tipo de internet democrática é possível e competitiva. O Twitter já está sofrendo pressão de acionistas para considerar essa opção no futuro da empresa.

Ninguém está em posição melhor para dar o pontapé inicial a uma democracia assim do que Mark Zuckerberg. No final de 2015, ele e sua esposa anunciaram planos para doar 99% das ações que detêm no Facebook para a sociedade de responsabilidade limitada deles próprios, com propósitos de caridade – por exemplo, curar todas as doenças. Eis uma ambição nobre, mas talvez mais nobre, e certamente mais democrático, seria distribuir essas ações entre as pessoas que as tornaram valiosas em primeiro lugar: os usuários do Facebook. Como a empresa varejista inglesa John Lewis Partnership fez para seus empregados, suas ações poderiam ser mantidas em um fundo que os usuários controlam diretamente e têm a oportunidade de deles se beneficiar.

Por um lado, o Sr. Zuckerberg estaria demonstrando que leva a sério a democracia – que realmente acredita na sabedoria coletiva, corretamente organizada e incentivada, como mais sábia do que uma mente singular. Por outro lado, os usuários poderiam então ter, no mínimo, um assento no conselho de administração quando se tomar decisões sobre o que fazer com os dados valiosos e pessoais deles, agora guardados na plataforma.

Isso não só é justo; é sensível também. Copropriedade significa uma responsabilização real. Ela evitaria fiascos da governança sem propriedade, como quando os usuários do Reddit se revoltaram e puseram abaixo grandes parcelas da plataforma. Algo assim iria também fomentar uma espécie de autorregulação, que poderia impedir governos de erigir um trabalho oneroso por sua própria conta e risco. Nos Estados Unidos, por exemplo, instalações elétricas cooperativadas enfrentam muito menos regulação do que as suas contrapartes cujos donos são investidores.

Acima de tudo, o compartilhamento da propriedade seria algo justo. Se o Sr. Zuckerberg deseja formar uma nova ordem midiática mundial e se propõe fazê-la de forma democrática, que pelo menos façamos honesta esta democracia.

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