Antropoceno: a força destruidora de uma espécie

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26 Janeiro 2017

"Toda essa aceleração da dominação humana e da exploração da natureza provocou o desmatamento das florestas para utilizar as madeiras de lei, fazer carvão e ampliar as atividades da agricultura e da pecuária. Represou rios, drenou pântanos, alterou a paisagem natural. Os aquíferos estão sendo utilizados em uma taxa maior do que a capacidade de recarga. Danificou os solos, ampliou as áreas desérticas e gerou desertos verdes que provocam a defaunação", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 25-01-2017.

Eis o artigo.

“Vivemos o tempo dos pontos catastróficos e da reversão das curvas”
(Danowski e Viveiros de Castro, 2014)

Antropoceno é a Era dos Humanos. O prefixo grego “antropo” significa humano; e o sufixo “ceno” denota as eras geológicas. O termo foi proposto por Paul Crutzen, Prêmio Nobel de Química de 1995, para substituir o Holoceno (que começou há cerca de 10 mil anos). Antropoceno significa que os seres humanos se transformaram em uma espécie de força geológica que tem o poder de revolver a terra, modificar o ritmo do ciclo de vida da Terra e alterar a química dos solos, das águas e do ar.


Imagem: Pinterest

A ideia de que estamos vivendo uma nova fase da história geológica, marcada pelos impactos avassaladores da ação de uma única espécie sobre a estrutura do Planeta está a um passo da aprovação oficial, em função da proposta do Grupo de Trabalho do Antropoceno apresentada durante o 35º Congresso Geológico Internacional, realizado, em setembro de 2016, na Cidade do Cabo (África do Sul). Dos 35 membros do grupo coordenado por Jan Zalasiewicz, da Universidade de Leicester (Reino Unido), 30 se posicionaram a favor de formalizar o Antropoceno como uma fase geológica distinta do desenvolvimento do Planeta, e não como uma simples designação simbólica dos impactos do Homo sapiens sobre a biosfera. Foi também apoiada a proposta de definir o início do Antropoceno como a década de 1950.

A proposta de considerar a década de 1950 como início do Antropoceno se deve a vários motivos: 1) ascensão de testes nucleares em escala ampla, produzindo o elemento químico plutônio; 2) aumento vertiginoso da concentração de dióxido de carbono na atmosfera (por conta da queima de combustíveis fósseis); 3) aparecimento de plásticos ou de alumínio puro, materiais nunca vistos no planeta antes do século passado. A decisão final ainda será tomada pelo comitê executivo da União Internacional de Ciências Geológicas.

De fato, a década de 1950 marcou um ponto de aceleração das atividades antrópicas no Planeta. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a construção de uma nova hegemonia econômica e uma nova arquitetura de governança global (ONU, FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do ComércioGATT), o crescimento demoeconômico nunca foi tão grande e tão impactante.

A população mundial era de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 e chegou a 7,5 bilhões em 2016. Ou seja, um crescimento de 3 vezes em 66 anos, ou um aumento de 5 bilhões de habitantes, o dobro do montante de pessoas reunidas em um mesmo ano, no espaço de tempo desde o início da história da humanidade até meados do século XX.

Mas isto foi pouco diante do crescimento da economia. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 12,2 vezes e o PIB per capita cresceu cerca de 5 vezes entre 1950 e 2016. Houve redução da mortalidade infantil e a esperança de vida ao nascer da população mundial passou de 47 anos no quinquênio 1950-55 para 72 anos no quinquênio 2015-20. Houve também redução da pobreza absoluta e melhoria nas taxas de matrícula em todos os níveis de ensino. Embora de forma desigual, o progresso humano foi incontestável. Mas isto ocorreu em função do regresso ambiental, da degradação dos ecossistemas, da perda de biodiversidade, do holocausto biológico e da grande emissão de gases de efeito estufa (GEE).

Sem dúvida, a humanidade se multiplicou e melhorou o seu padrão de vida no Antropoceno. Mas nunca uma espécie destruiu tantas outras espécies e consumiu tantos recursos naturais em tão pouco tempo, além de gerar lixo, poluição e um rastro de perdas e danos ambientais.

O International Geosphere-Biosphere Programme (IBBP) mostra que desde o final da Segunda Guerra Mundial houve uma “grande aceleração” do desenvolvimento social e econômico a nível mundial que está conduzindo a uma crescente escassez dos recursos naturais e a grave depleção do meio ambiente. O IGBP elaborou uma série de gráficos que ilustram como o crescimento demoeconômico aumentou o apetite por recursos naturais e tiveram um crescimento exponencial desde 1950. Os gráficos com maior detalhe podem ser vistos no link da referência.


Toda essa aceleração da dominação humana e da exploração da natureza provocou o desmatamento das florestas para utilizar as madeiras de lei, fazer carvão e ampliar as atividades da agricultura e da pecuária. Represou rios, drenou pântanos, alterou a paisagem natural. Os aquíferos estão sendo utilizados em uma taxa maior do que a capacidade de recarga. Danificou os solos, ampliou as áreas desérticas e gerou desertos verdes que provocam a defaunação. O sistema de produção e consumo que satisfaz o desejo egoístico de possuir bens e serviços gera crescentemente lixo, resíduos sólidos e poluição. Os aterros sanitários são uma fonte de propagação de doenças e de danos ambientais. Os oceanos tendem a ter mais plásticos poluidores do que peixes. Dezenas de milhares de espécies desapareceram e outras centenas de milhares estão em riscos de extinção. Para manter o crescimento econômico a terra foi revolvida para extrair minérios, para buscar petróleo no fundo do subsolo e para outros usos que emitem gases de efeito estufa que alteram a química da atmosfera, provocando o aquecimento global e a acidificação dos solos e das águas, além do aumento do nível dos mares, o que ameaça bilhões de pessoas que vivem ou dependem das áreas costeiras, enquanto definha a vida marinha.

Os seres humanos estão produzindo e consumindo recursos a uma taxa geologicamente sem precedentes – uma taxa que deve ser mantida para continuar a alto nível e complexidade da atual civilização (com base nos combustíveis fósseis). Este alto consumo formou um ‘novo padrão” no fluxo de energia global do planeta, que cresce com o aumento da população (conforme figura abaixo, Earth’s Future, 2016) e é incompatível com o fluxo metabólico entrópico.


O relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016) aponta que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas arrancadas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas em 2010, com os países mais ricos consumindo duas vezes mais do que a média mundial. O aumento do uso de materiais globais acelerou rapidamente nos anos 2000, com o crescimento das economias emergentes, em especial com o crescimento da China que passou por grandes transformações industriais e urbanas que demandaram enorme quantidade de matérias-primas, de ferro, aço, cimento, energia, material de construção, etc. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010.

Se a extração de recursos continuar, em 2050, haverá uma população de mais de 9 bilhões de habitantes e uma demanda de 180 bilhões de toneladas de material a cada ano para atender às demandas antrópicas. Esta é a quantidade quase três vezes a situação atual e provavelmente vai aumentar a acidificação dos terrenos e das águas, a eutrofização dos solos do mundo e dos corpos de água, além de aumentar a erosão e aumentar a poluição e as quantidades de resíduos. Ou seja, em vez de haver “desacoplamento” (decoupling), a economia internacional está utilizando cada vez mais recursos da natureza per capita e por unidade do PIB. O modelo marrom continua e o sonho da economia verde tem sido, na verdade, um pesadelo.

As emissões de GEE continuam em ritmo perigoso. Durante, pelo menos, os últimos 800 mil anos o nível de CO2 na atmosfera ficou abaixo de 280 partes por milhão (ppm). Mas com o início da Revolução Industrial e Energética os níveis subiram, chegando a 310 ppm em 1950, 350 ppm em 1990 e 400 ppm em 2015 e 407,7 ppm em maio de 2016. Ainda no século XXI o nível de CO2 na atmosfera deve chegar ao dobro do que aconteceu no máximo dos últimos 800 mil anos. Isto aumenta o efeito estufa e torna o aquecimento um processo inevitável.

Nunca a concentração de CO2 subiu tão rápido quanto no Antropoceno (desde 1950) e nunca os seres vivos da Terra tiveram tão pouco tempo para se adaptar. Embora as mudanças climáticas no passado tenham sido causadas por fatores naturais, as atividades humanas são agora as principais forças de mudança. As atividades antrópicas estão afetando o clima através de aumento dos níveis atmosféricos de gases do efeito estufa e outras substâncias poluidoras.

Por tudo isto, não há dúvida de que o Planeta está caminhando para uma temperatura elevada e o Antropoceno vai bater os recordes dos últimos 5 milhões de anos. O recorde de temperatura atingido em 2016 é uma demonstração dos perigos à frente. Desde o surgimento da espécie Homo, nunca o clima foi tão ameaçador. O nível do mar pode subir até 2 metros até 2100 e continuar subindo entre 6 e 9 metros em função do degelo do Ártico, da Groenlândia, da Antártica e dos glaciares. Um dos efeitos imediatos será a inundação de milhões de casas e quilômetros de áreas férteis da agricultura nas regiões litorâneas, gerando perda na produção de alimentos, pobreza e grande número de refugiados do clima.

Segundo o livro “The Last Beach”, de Orrin Pilkey e Andrew Cooper, a elevação do nível do mar e as tempestades e furacões por conta das mudanças climáticas, estão provocando vasta erosão de areia em direção ao fundo dos oceanos, promovendo a “varredura” do solo costeiro e destruindo grandes extensões de praias densamente povoadas. Praias famosas do Rio de Janeiro como Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon e Barra da Tijuca podem desaparecer até o final do século XXI. O caos urbano será terrível.

As civilizações humanas se desenvolveram durante o Holoceno e chegaram ao auge no Antropoceno. Se não houver uma mudança de rumo e um decrescimento demoeconômico, com restauração dos ecossistemas e das áreas anecúmenas, a humanidade pode estar caminhando para o precipício e pode estar gerando a 6ª extinção em massa da vida na Terra. O resultado pode ser um ecocídio seguido de suicídio.

Referências:

DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Cultura e Bárbarie/Instituto Sociambiental, Florianópolis, 2014 (p.24). Disponível aqui.

International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP). Disponível aqui.

UNEP, Global Material Flows And Resource Productivity: Assessment Report for the UNEP International Resource Panel, Jul 2016. Disponível aqui.

Mark Williams, Jan Zalasiewicz, Colin N. Waters, Matt Edgeworth, Carys Bennett, Anthony D. Barnosky, Erle C. Ellis, Michael A. Ellis, Alejandro Cearreta, Peter K. Haff, Juliana A. Ivar do Sul, Reinhold Leinfelder, John R. McNeill, Eric Odada, Naomi Oreskes, Andrew Revkin, Daniel deB Richter, Will Steffen, Colin Summerhayes, James P. Syvitski, Davor Vidas, Michael Wagreich, Scott L. Wing, Alexander P. Wolfe, An Zhisheng. The Anthropocene: a conspicuous stratigraphical signal of anthropogenic changes in production and consumption across the biosphere. Earth’s Future, 2016; DOI: 10.1002/2015EF000339. Disponível aqui.

Peter Walker. Climate change escalating so fast it is ‘beyond point of no return’, Independent, 01/12/2016. Disponível aqui.

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