Pós-verdade

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24 Novembro 2016

"Evidentemente, e contra a razão absoluta, não estamos longe de um relativismo absoluto. Quando não existem pontos de referência diante dos fatos e dados 'objetivos', o próprio 'eu', querendo ou não, assume o centro do universo, com suas 'crenças' e seu modo de interpretar os acontecimentos", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais.

Eis o artigo.

O dicionário Oxford elegeu “pós-verdade" como a palavra do ano, em 2016. O verbete é um adjetivo definido como ‘relativo ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos eficientes em influenciar a opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais’”.

Alguns fatores entram em jogo nessa emergência e definição da palavra pós-verdade. O primeiro tem a ver com a força dos meios de comunicação social. Na seleção e apresentação da avalanche diária de notícias, a mídia leva em conta não tanto o rigor dos fatos e dados, mas uma espécie de espetacularização que visa despertar as mais diversas sensações nos leitores, ouvintes ou espectadores. À informação objetiva e minimamente sóbria, prevalece um bombardeio sensacionalista direcionado mais aos sentimentos e ao coração do que a uma capacidade reflexiva.

Talvez estejamos diante de uma reação à tirania da razão instrumental. Esta, com o adjetivo quase mágico de “científico”, pretende regular tudo e todos. Constinui o cânone não apenas das salas de aula e do trabalho acadêmico, mas também da vida cotidiana. Basta prestar atenção a uma roda de conversa. Num determinado momento, o grupo tropeça com um impasse polêmico, incapaz de chegar a qualquer conclusão. Porém, se algum dos interlocutores cita um artigo recém lido numa revista ou jornal, uma nova teoria apresentada por um programa televisivo ou radiofônico, uma entrevista com determinado cientista expoente da matéria – imediatamente desfaz-se o nó e o silêncio se impõe como sinônimo de verdade. Cientificismo ou charlatanismo?

Mas não é só isso. Podemos ainda estar diante de uma resistência à matematização dos acontecimentos mais corriqueiros. Aqui também, diante das dúvidas, incertezas ou interrogações, tropeçamos com os números, estatísticas, tabelas, quadros, ilustrações gráficas – e parece que tudo se revolve no universo das operações matemáticas: soma, subtração, multiplicação e divisão. À opinião pública, impõe-se e sobrepõe-se a pesquisa objetiva onde o método, a medida, o cálculo e as previsões “cientificamente” elaboradas se autorrefericiam. Salvo os dois famosos pontos de tolerância, para mais ou para menos. Tudo adquire um caráter milimetricamente teleguiado.

De repente, emergem erros grosseiros, incogruências e contradições. Os três casos mais evidentes foram as pesquisas prévias quanto ao Brexit, saída da Grã-Bretanha da Comunidade Europeia; depois, o referendum da Colômbia sobre o acordo de paz, onde o povo revelou-se contrário; e enfim, o processo que veio a eleger o magnata Donald Trump como 45º presidente dos Estados Unidos. E agora, José? Como fica a credibilidade das pesquisas e de seus “métodos científicos”? Ou de forma mais generalizada, como fica a credibilidade do império da razão, filho do Iluminismo?

É o próprio racionalismo iluminista que está em jogo. Nesse contexto de desconfiança e desencanto, diversos analistas começam a usar a palavra pós-verdade para definir um modo de ver e de pensar que, em lugar de se regular pela razão, a ciência e a tecnologia a elas associada, reflete e age a partir dos próprios sentimentos e emoções. A verdade não dispõe de uma bússola e de um metro incontestáveis, como se pensava. A bússola passa a ser a constelação de desejos, sensações e prazeres de cada um.

Evidentemente, e contra a razão absoluta, não estamos longe de um relativismo absoluto. Quando não existem pontos de referência diante dos fatos e dados “objetivos”, o próprio “eu”, querendo ou não, assume o centro do universo, com suas “crenças” e seu modo de interpretar os acontecimentos. Levado à prática política, diante do que afirmam os pesquisadores e estudiosos, constata-se que o silêncio dos ressentidos, reticentes e resistentes acaba determinando resultados imprevisíveis e inesperados. Como se o progresso racional, científico e tecnológico entrasse numa zona de sombras, sobre a qual brilha uma nova opinião pública, obscura e indecifrável.

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