Angelelli. Demonstração de vida e martírio. Entrevista com dom Marcelo Colombo

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Por: André | 05 Agosto 2016

Em entrevista concedida ao Página/12, o bispo de La Rioja, Marcelo Colombo, reivindicou a obra de Angelelli e delineou o trabalho que estão realizando com as novas gerações de bispos para sua canonização. A importância da sentença que comprovou seu homicídio.

“Procuramos mostrar sua vida, sua integridade humana, cristã e pastoral e também queremos demonstrar o martírio. Alguns vão dizer que foi morto por católicos. Ou que seus assassinos eram cristãos, porque aqui não tem outras religiões. Mas devemos pensar naquilo que o Papa está dizendo. Primeiro, matar por uma razão religiosa é um absurdo. Segundo, matar um pastor pela fé proclamada, vivida e ensinada é, efetivamente, uma forma de martírio”.

Marcelo Colombo é bispo de La Rioja, onde há uma semana estão sendo prestadas homenagens pelos 40 anos do assassinato do bispo Enrique Angelelli. As cerimônias que no domingo passaram incluíram a participação inédita de 15 bispos de todo o país e da qual participou o núncio apostólico na Argentina, Emil Paul Tscherrig, terminaram nesta quinta-feira, aniversário do assassinato, com uma concelebração na Catedral, da qual participaram os Padres da Opção pelos Pobres.

O processo de canonização revigorado após a sentença judicial que declarou, finalmente, o assassinato do bispo, estigmatizado pelos grupos da direita católica, pelo aparato militar e midiático da Província, ocorre simultaneamente com tempos de mudanças nas comunidades católicas que ainda guardam suas vítimas no armário.

A entrevista é de Alejandra Dandan e publicada por Página/12, 04-08-2016. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Este aniversário marca um novo reconhecimento da figura de Angelelli na Igreja?

Eu diria que o primeiro antecedente por parte dos pastores remonta a 4 de dezembro de 1983. Na catedral de Neuquén, Jorge Novak, Jaime De Nevares, Miguel Hesayne e um bispo uruguaio pedem publicamente que se esclareça o assassinato de Angelelli. Eles falam nesses termos. Foi tão forte que chegou a La Rioja e fez com que pela primeira vez um juiz, o doutor Morales, se envolvesse de corpo e alma no tema e conduzisse a causa que, em 1986, comprovou completamente o assassinato. Só que houve um enfoque de incompetência típico do momento. O Tribunal absolveu, depois veio o Ponto Final e a Obediência Devida. Os indultos. E a coisa ficou estagnada até dois anos atrás, quando foi possível terminar a causa, com um Tribunal Federal.

Ou seja, houve um envolvimento muito profundo por parte da Igreja. De fato, no seminário, sempre digo disso em tom de brincadeira, comparávamos os quatro bispos vestidos de vermelho ao [grupo musical] ‘Los Chalchaleros’, significando este derramamento de sangue de Angelelli. Novak foi insistente e De Nevares manteve esse compromisso para pedir o esclarecimento.

Depois, a própria diocese de La Rioja assume em si mesma e nesta causa o papel de querelante e fala-se de que foi a mando do então cardeal Jorge Bergoglio. Ali a Igreja buscou apadrinhar esse esclarecimento e chegar à verdade última. E isso foi possível porque as comunidades e os muitos seguidores da pastoral local mantiveram o fogo aceso durante estes anos. Há um grupo de padres que manteve a data, mas também seu pensamento. Um grupo de ex-alunos de Angelelli de Córdoba agrupados no Centro Tiempo Latinoamericano trabalharam a memória, guardaram as homilias, editaram-nas em forma de livro; tudo isso foi o húmus para se chegar à sentença.

O que marcam estes 40 anos, então?

Para nós, evocam 1976, a memória dos argentinos. E a espiral de violência de que falava Angelelli nos últimos dias, quando dizia que chegariam até ele, quando primeiro matam dois padres e depois um leigo, colaboradores seus. Para nós, esta é uma oportunidade para assumir seus valores, seu espírito, que tem a ver com o próprio Cristo e esta renovação da comunidade, segundo um modelo de encarnação na vida do povo como Angelelli ensinou.

Há uma grande presença de bispos. O mesmo aconteceu com as celebrações dos palotinos, por ocasião do seu aniversário. Isto é uma mensagem? Indica uma mudança na hierarquia da Igreja, que, apesar do que você disse, na década de 1980 lhe deu as costas?

Houve gente de muitos lugares. Eu convidei vivamente os bispos. No domingo, 15 estiveram presentes, um número muito significativo. E neste caso, penso, devemos ver a grande renovação episcopal. Os homens são pessoas mais jovens, somos as gerações que nesses anos de nossa formação ouvíamos tudo isto e o íamos refletindo segundo nossa idade e parecer. E também há uma necessidade de reconhecer na Igreja estas dores como parte da nossa história. Não negá-las. Nesse sentido, a presença dos bispos indica uma renovação. De sermos também nós, no corpo da sociedade argentina, uma voz que acompanha, apoia e encoraja. Não a voz, mas uma voz entre tantas outras, com o desejo de construir uma pátria nova, um tempo novo.

Em que etapa está a canonização? Os palotinos entendem que o avanço da causa judicial pode contribuir para confirmar o martírio. Como é neste caso?

Existem duas formas de canonização. Uma pode ser pela vivência das virtudes, heróicas segundo o Evangelho. E a outra, é provar que efetivamente houve um martírio: ou seja, mata-se alguém por causa da sua fé. Por ódio à fé. Por ódio à sua identificação com Cristo. Em relação a Angelelli necessitávamos da declaração da Justiça, porque durante muito tempo prevaleceu a teoria do acidente. No caso dos palotinos, é irrefutável que todos foram mortos. Com Angelelli, isso foi posto em tela de juízo dramaticamente, as evidências do corpo foram negadas, os dados que já a segunda perícia médica deixava em claro e circunstâncias como a declaração do co-motorista.

Para o caso da canonização, estamos na etapa diocesana da investigação. Fazemos, eu pessoalmente também o faço, uma coleta de testemunhos com perguntas sobretudo da nossa realidade religiosa. A coleta de provas conflui para uma etapa diocesana, que, por sua vez, leva a uma segunda etapa, em Roma. Ou seja, o processo já foi iniciado. O Vaticano nos deu a autorização para instruir esta etapa.

Colombo trabalha para concluir esta etapa até o final do ano. Foi ele que recebeu do atual Papa Francisco as duas cartas que Angelelli conseguiu mandar para Roma, como atestado enquanto o perseguiam. As cartas chegaram a tempo para serem incluídas como prova no julgamento. Em uma delas falava da sua investigação sobre o assassinato dos padres de Chamical. Na outra, destacava suas ameaças e o encontro com Luciano Benjamín Menéndez. “O Papa me disse: ‘faça o que tiver que fazer’, quando me deu as cartas que apresentamos no julgamento”, disse Colombo, que sentou na primeira fila no dia do julgamento.

Ele chegou a La Rioja para substituir o bispo Roberto Rodríguez, que foi quem, a pedido de Bergoglio, segundo disse, se apresentou como querelante na causa. Durante os últimos meses entrevistou, como quem trabalha em um livro, muitos dos que o conheceram. Soube de uma família com uma filha desaparecida que Angelelli visitava com frequência quando a sociedade a isolava. Ou cenas comoventes, disse, como o dia em que estava de carro e, ao ver um grupo de irmãs debaixo de uma árvore, voltou com um quilo de sorvete. Ou como vivia o Natal ao lado dos pobres, e como não lhe perdoaram o fato de que os organizasse a sindicalização das trabalhadoras domésticas, das cooperativas agrárias comprometidas com uma mudança social e econômica.

Quando isto termina?

A ideia é que esteja em Roma o quanto antes.

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