Decrescimento feliz. Entrevista com Serge Latouche

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27 Julho 2016

Latouche inventou, quinze anos atrás, uma palavra que girou o mundo, tornou-se um movimento e atraiu prosélitos em muitos países, inclusive na Itália. Serge Latouche é o pai da expressão "decrescimento feliz". "O termo originou-se entre 2001 e 2002, como slogan provocativo. A rigor, deveríamos falar de a-crescimento, como falamos de a-teísmo, ao invés de de-crescimento. Na verdade, trata-se precisamente de abandonar uma fé, aquela do progresso, e de uma religião, aquela da economia, do crescimento e do desenvolvimento", relata, sentado num bistrô, atrás de sua casa, no quinto arrondissement.

A reportagem é de Anais Ginori, publicada por La Repubblica, 24-07-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.

Quando não está viajando para conferências e debates, Latouche vive num grande apartamento, perto da Place Maubert, onde há um mercado, em que faz compras, como todos os habitantes do bairro. Não compra apenas frutas e legumes orgânicos. "O importante é comprar a quilômetro zero, escolhendo a qualidade entre os agricultores da região. Eu nunca comprei nos supermercados, mas somente em pequenas mercearias”, explica Latouche, que não é vegetariano, somente carnívoro moderado. "Embora tenha sido um amante da carne, agora como muito pouca, divirto-me em descobrir outros sabores, porque a criação intensiva de gado está entre as principais causas da poluição atmosférica". Para alimentação, como para muitas outras coisas, ele não acredita nos integralismos. "Apoio o slogan do meu amigo Carlo Petrini: Bom, limpo e justo".

Nascido em Vannes, na Bretanha, setenta e seis anos atrás, Latouche teve pelo menos duas vidas. A primeira, originada a partir dos estudos e da concorrência para ensinar economia em Lille, interrompeu-se quando começou a viajar para suas pesquisas nos países do hemisfério sul. "Na década de sessenta eu estive no Congo e, em seguida, no Laos, para implementar programas de desenvolvimento econômico. Foi assim que começou minha reflexão crítica do modelo de crescimento continuo. Pensava estar a serviço da ciência, mas, na verdade, era uma religião. Percebi, então, que os economistas, como eu, não são que missionários que querem converter e destruir povos acostumados a viver de maneira diferente”. Latouche convenceu-se de que todas as receitas promovidas pelo Ocidente para combater a pobreza, na verdade, servem para destruir a riqueza local, desestruturando a sociedade.

Foi assim que começou uma nova vida de economista arrependido. Embora continue ensinando em Lille, entrou na corrente de pensamentos de economistas dissidentes, seguindo em particular o trabalho do francês François Partant, pensador do pós-desenvolvimento. "Tinha havido o Sessenta e Oito, nas universidades soprava um vento de liberdade, e fui capaz de fazer um pouco, como melhor me parecia, saindo dos códigos estabelecidos", lembra ele. Latouche especializou-se na antropologia econômica, na crítica do chamado "homo economicus", por intelectuais como Karl Polanyi para a revista, Marshall Sahlins e Marcel Mauss. Só depois vai adicionar também uma análise ecológica. "No início eu estava focado na crítica do imperialismo ocidental, na deculturação”. Latouche, aos poucos, vai refletir também sobre os limites naturais, e o ambientalismo começa a fazer parte de seus estudos. "Já é reconhecido que uma busca indeterminada de crescimento é incompatível com um planeta finito. Se não houver uma inversão de rota, teremos uma catástrofe ecológica e humana. Ainda temos tempo para pensar, serenamente, um sistema baseado n’outra lógica".

O ponto de ruptura para Latouche é cultural e filosófico, como explica em seus muitos livros, incluindo o último, La decrescita prima della decrescita: precursori e compagni di strada, publicado pela editora Bollati Boringhieri, uma espécie de antologia de pensadores que anteciparam o movimento ecologista, desde Diogenes a Tagore, a Orwell, da Fourrier a Gandhi, a Berlinguer, da Pound a Pasolini e Terzani. São tantos os italianos porque, como observa Latouche, o movimento é mais forte aqui, que na França. "No Ocidente, poucos tiveram coragem de falar de decrescimento até 1989, depois da queda do Muro. Quando entramos no mundo global, sem mais diferenças entre o primeiro, segundo ou terceiro mundo, lentamente, houve uma tomada de consciência. Hoje, não se trata de encontrar um novo modelo econômico, mas de sair do governo da economia, para redescobrir os valores sociais e dar prioridade à política".
Para mudar é preciso seguir o que Latouche chama de oito "R". Ou "revalorizar", "reconceitualizar", "reestruturar", “redistribuir", "relocalizar", "reduzir", "reutilizar", "reciclar".

"Revalorizar significa, por exemplo, criar um diferente imaginário coletivo, feito de amor pela verdade, de um sentido de justiça e de responsabilidade, do dever de solidariedade.

Relocalizar significa produzir em nível localmente os bens necessários para satisfazer as necessidades da população. Reutilizar e reciclar é a única maneira de acabar com o frenesi dos consumos infinitos e, portanto, dos resíduos infinitos que estão destruindo a terra". De acordo com Latouche, os oito "R" representam mudanças interdependentes, que juntas podem dar origem a uma nova sociedade ecológica. "Uma sociedade dos cidadãos, e não apenas de meros consumidores".

É o que Latouche chama, citando o mestre Ivan Illich, a "sóbria embriaguez da vida". O que significa, concretamente, para o intelectual bretão? Há muito tempo não usa mais o carro, locomove-se apenas de bicicleta. Quando vem para Itália, algo que acontece muitas vezes, nunca toma o avião, apenas o trem. Faz algumas exceções, se tiver que ir para países que não são acessíveis por terra. "Procuro usar tudo até o consumo total", continua ele. "Ao invés de jogar fora, conserto, embora hoje em dia custe menos comprar um objeto novo fabricado na China.

Mas eu prefiro precisamente prolongar a vida útil das coisas, ou reciclar, combatendo, assim, a filosofia do descartável, a obsolescência programada dos bens".

A outra particularidade de Latouche é não possuir um celular. Comunica-se com o velho telefone fixo ou com e-mail. "Pratico o que meu mestre Ivan Illich chamava de “tecno-jejum". Quando você começa usar um telefone celular, não pode mais viver sem. Para mim que nunca tive, não é, de fato, uma falta". Em casa não tem televisão, apenas um computador para escrever e consultar a rede quando necessário. "E não me conecto todos os dias ao correio eletrônico, faço longas pausas também nisso. Muitas vezes escrevo cartas à mão, porque é uma maneira de provar a mim mesmo, que não preciso de uma prótese eletrônica para me comunicar com os outros. O importante é resistir à "tecno-dependência". No entanto, não há nenhuma privação ou penitência naquilo que professa Latouche. A ideia, ao invés, é criticar os excessos, que considera a doença do nosso tempo. "Apesar de enfrentar esses sacrifícios em relação ao estilo de vida moderno, não sou digno de comiseração. Inverter a corrida ao consumo é a coisa mais alegre que existe. Minha única regra é a alegria de viver. É possível imaginar uma sociedade ecológica feliz, onde todos são capazes de estabelecer limites, sem sofrer, porque não foram criadas dependências".

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