Na plena luz de Charles de Foucauld

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07 Junho 2011

Na escola de Foucauld e de Voillaume, o amor dá um sentido novo à vida, um sentido até revolucionário, se confrontado com a lógica do sucesso que domina as ambições do mundo.

A reflexão é do teólogo italiano Bruno Forte, arcebispo de Chieti-Vasto, na Itália. O artigo foi publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 05-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

"C`est à vous, théologiens, de faire parler la charité": foi com estas palavras que Magdeleine de Jésus me acolheu, a fundadora das Irmãzinhas de Jesus, quando já há muitos anos fiz algumas aulas de teologia com essas mulheres consagradas, humilde e corajosas, provenientes de todas as partes do mundo. "A sua tarefa, teólogos, é fazer falar a caridade": a verdade dessa afirmação é comprovada pelo belo livro de um jovem teólogo, sacerdote da Fraternidade Jesus Caritas, Cruz Oswaldo Curuchich Tuyuc, fruto de uma tese de doutorado apresentada na Universidade Lateranense, intitulada Charles de Foucauld e René Voillaume. Esperienza e teologia del `Mistero di Nazaret` (Ed. Cittadella).

O propósito do livro é focalizar o valor teológico da vivência espiritual desses dois grandes testemunhos da fé cristã no século que há pouco findou: Charles de Foucauld (1858-1916), beatificado em 2005 por Bento XVI, e René Voillaume (1905-2003), que foi, em certo sentido, o apóstolo mais conhecido do primeiro, juntamente com a já citada Magdeleine de Jésus.

O impacto de Foucauld sobre a espiritualidade do século XX foi vasto e profundo, como demonstram as muitas famílias religiosas que se inspiram nele: não é à toa que um teólogo da estatura de Yves Congar pôde afirmar que, sob o perfil da experiência espiritual, todo o século XX foi iluminado por dois faróis, cujas vidas se concluíram na sua abertura: Teresa do Menino Jesus, a santa da "pequena via" da caridade, capaz de transformar a mediocridade da existência em um extraordinário caminho de amor, e Charles de Foucauld, o jovem de boa família que, depois de uma temporada dissipada e dissoluta, influenciada pelo encontro com o Islã, conhecido no Marrocos por meio da fé humilde e adoradora de muitas pessoas simples, se apaixonou por Jesus e pelo Evangelho, e decidiu imitar seus passos com o compromisso total da vida.

Nesse esforço apaixonado para seguir o Mestre, o frei Charles foi à Terra Santa, onde descobriu em particular o mistério de Nazaré como lugar e tempo precioso da "humanização de Deus". Os anos percorridos pelo Filho de Deus feito homem no pequeno vilarejo da Galileia se parecem, ao apaixonado buscador do Absoluto, não tanto com o prefácio da vida pública de Jesus, mas sim com a forma mais eloquente da Sua kénosis, a escolha do escondimento e da humilhação que o Verbo fez para ser um de nós, habitar no abismo da nossa pobreza e preenchê-lo com a riqueza do Seu amor salvífico.

A mensagem de Nazaré se coloca, assim, no centro da boa nova: a vida do Filho eterno na nossa carne não é a experiência de um Deus a passeio entre os homens – quase uma "paródia da humanidade" (Jacques Maritain) –, mas sim a revelação de uma lógica divina, que subverte a das grandezas deste mundo. Deus toma o nosso lugar, fazendo Seu o que pode haver de mais pobre e insignificante entre os homens, para que todo abismo de miséria humana se sinta alcançado, resgatado e transfigurado pela Sua caridade.

É essa a leitura original que o frei Charles faz da teoria da "substituição vicária", que, nos anos vividos no deserto do Saara como eremita e testemunha do amor de Jesus entre os irmãos muçulmanos, ele interpretará sempre mais como "badaliya", termo de origem árabe que significa justamente substituição e solidariedade. Ele lê sua própria vocação como seguimento apaixonado do Deus conosco por essa estrada: "De tal forma Jesus tomou o último lugar que ninguém lhe poderá tirar". Por isso, afirma sobre si mesmo: "Quero passar sobre a terra de maneira obscura como um viajante à noite". E ainda: "Viver na pobreza, na abjeção, no sofrimento, na solidão, no abandono para estar na vida com o meu Mestre, o meu Irmão, o meu Esposo, o meu Deus, que viveu assim toda a sua vida e me dá esse exemplo desde o nascimento".

É a escolha dos últimos, dos mais abandonados, dos distantes. Por isso, deixará a Terra Santa e irá para o deserto do Saara, onde a pobreza é total, porque falta até a presença corroborante do Corpo eucarístico de Jesus: torná-lo presente, adorá-lo incessantemente em uma proximidade de amor simples e verdadeira aos irmãos do Islã, será agora a tarefa da sua vida, vivida fielmente até a morte cruel, que se ilumina com as cores do martírio.

Mais tarde, René Voillaume assumirá essa mensagem e a dilatará a todas as situações de miséria e de abandono da terra, onde chamará os Irmãozinhos por ele fundados a viver como Foucauld o escondimento de Nazaré: Au Coeur des masse, a obra que Voillaume publica imediatamente após a guerra e que o tornará conhecido em todo o mundo, traduzido em italiano com o título significativo Come loro, fará com que muitos descubram a via de Jesus como expoliação, solidariedade e substituição vicária em favor dos últimos.

Na escola de Foucauld e de Voillaume, o amor – ou, como Curuchich Tuyuc gosta de chamá-lo, "o princípio agápico", revelado na humilhação do Filho de Deus – dá um sentido novo à vida, um sentido até revolucionário, se confrontado com a lógica do sucesso que domina as ambições do mundo.

"Nazaré não é mais só um lugar geográfico, mas sim um estilo de vida, e essa certeza traz consigo a convicção da necessidade, para a Igreja de hoje, de `recomeçar de Nazaré`, ou seja, de um retorno ao essencial da fé". Uma apologia ao silêncio e à escuta, alternativa à barbárie do barulho e das palavras gritadas, uma afirmação decisiva do primado do último lugar, contra a corrida de querer ser ou de fingir que se é o primeiro, um convite à verdade daquilo que somos diante do Eterno, ao invés de correr atrás das máscaras da aparência e do consenso obtido a todo custo: essa é a mensagem dessa pesquisa rigorosa e convincente.

Justamente isso, uma mensagem que vale a pena meditar nos nossos dias, para nos abrir a escolhas de vida contracorrente, as únicas capazes de dar liberdade e paz ao nosso coração inquieto, para além de qualquer medida de cansaço e de aparente inutilidade, alternativas a toda lógica de sucesso a qualquer preço, até a da opressão dos outros por uma vã e estéril afirmação de si mesmo: justamente isso, um desafio e uma promessa para todos.

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