08 Março 2013
De acordo com os costumes antigos e modernos, qualquer pessoa que seja escolhida como o novo bispo de Roma irá herdar dezenas de outros títulos, formais ou não. Para começar: vigário de Cristo, sucessor de São Pedro, Pontifex Maximus, servo dos servos de Deus. Mas há outro, um pouco mais informal: teólogo-chefe global.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 05-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como a única pessoa autorizada a transmitir um ensinamento definitivo para 1,2 bilhão de católicos do mundo e como herdeiro de um dos únicos púlpitos principais realmente globais, o próximo papa irá quase certamente estar no centro de todos os próximos debates teológicos proeminentes.
Para ter uma noção de quais questões teológicas podem vir à tona nos primeiros anos do novo pontificado, o NCR falou com teólogos renomados de quatro continentes.
Três tendências vieram à tona nas conversas:
Igreja local
Embora a grande maioria dos papas tenham vindo de um pano de fundo europeu, as especulações continuam afirmando que os cardeais, desta vez, ao invés, podem optar por eleger um pontífice do Sul global, talvez de algum lugar da América Latina ou da África.
Essas especulações, disse o padre jesuíta James Keenan, professor de teologia moral no Boston College, indica que muitas perguntas sobre a forma e a estrutura gerais da Igreja em todo o mundo podem fermentar nos próximos anos.
Particularmente, disse Keenan, elas levantam a questão sobre se o foco vai mudar de um pensamento sobre a Igreja como uma entidade universal para um pensamento sobre a Igreja que também seja decididamente local, com preocupações muito locais.
"A forma de pregar da Igreja é a mesma em Berlim e em Nairóbi?", perguntou Keenan, que também chefia um grupo global de teólogos chamado Catholic Theological Ethics in the World Church. "Até onde você atende as necessidades da Igreja local para que uma grande variedade de coisas sobre a vida aí sejam abordadas?"
O foco na função da Igreja local surgiu desde a constituição dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium (1964), do Concílio Vaticano II, que disse que a estrutura das comunidades locais que "convergem para a unidade manifesta mais claramente a catolicidade da indivisa Igreja".
Esse foco, disse o padre Emmanuel Katongole, natural da Uganda, está especialmente maduro agora na África, onde ele disse que os católicos estão "na interseção de um momento muito empolgante de crescimento".
Katongole afirmou que a questão-chave para a Igreja global é: "Como podemos pensar sobre a Igreja local africana que não seja apenas como um posto avançado da estrutura teológica, administrativa ou burocrática ocidental, mas sim como uma parte nativa de uma comunhão global de fiéis?".
Professor de teologia e de estudos sobre a paz da University of Notre Dame, em Indiana, Katongole disse que, nos próximos anos, as lideranças da Igreja terão de considerar como assegurar que a África não seja um "campo de despejo" para expressões da Igreja ou da teologia que funcionam em outros contextos, mas, ao invés, que seja um lugar capaz de "desenvolver e encorajar formas locais de ministério em resposta a seus próprios desafios".
Colegialidade
Se há um novo foco nas Igrejas locais em todo o mundo, as questões de como essas Igrejas interagem com a Igreja central em Roma quase certamente irão surgir.
Susan Ross, coordenadora do departamento de teologia da Loyola University Chicago, disse que a noção do Vaticano II sobre a colegialidade entre os bispos "deve ser encarada muito a sério". Para ajudar as Igrejas locais a desenvolver e crescer, disse Ross, as autoridades vaticanas nos próximos anos devem permitir que a colegialidade também signifique uma certa descentralização da autoridade.
"Eu penso que essa crescente centralização não é boa para a Igreja", disse Ross, que também é presidente da Sociedade Teológica Católica dos Estados Unidos.
Paul Murray, professor de teologia da Universidade de Durham, na Inglaterra, disse em um e-mail que as autoridades da Igreja também podem, no futuro, levar em consideração a criação de uma "eclesiologia da comunhão mais radical e completa". Essa eclesiologia se moveria de "modos unilaterais, de cima para baixo e autoritários de tomada de decisão" para "modos apropriados de responsabilização mútua – embora ainda necessariamente assimétrica – e tomadas de decisão genuinamente compartilhadas", disse Murray, que também é presidente da Associação Teológica Católica da Grã-Bretanha.
Essencialmente, disse Keenan, um foco em questões de colegialidade nos próximos anos pode significar um foco na garantia de que diferentes partes da Igreja global estão falando – e ouvindo – umas às outras.
"Se você começa a partir da Igreja local, a colegialidade vem de cima e de baixo", disse Keenan. "A colegialidade significa que o Vaticano terá que prestar atenção nos coreanos, nos indianos, nos quenianos, nos brasileiros e assim por diante".
Além de apenas prestar atenção, disse Katongole, Roma também pode sentir a necessidade de afrouxar o seu domínio, a fim de permitir que as comunidades católicas locais encontrem "formas teologicamente interessantes" para abordar as suas próprias situações.
"Isso pode envolver erros ou experimentação", disse Katongole. "Mas eu não acho que você possa, então, desenvolver uma expressão teológica local a menos que esteja disposto a assumir algum risco de que ela possa dar realmente errado".
Sacramentalidade
Vários acadêmicos disseram que o fundamental para as futuras discussões sobre o empoderamento das comunidades locais e a comunicação entre elas e as estruturas da Igreja central é uma discussão em separado sobre a forma da sacramentalidade da Igreja, ou a forma como percebemos a revelação de Deus no mundo.
O que fica claro nessa conversa, disse a irmã franciscana Mary Lou Wirtz, é o fato de que a falta de ministros ordenados está limitando a disponibilidade da Eucaristia em muitas partes do mundo.
"Como a Igreja irá lidar com isso no futuro?", perguntou Wirtz em um e-mail. Norte-americana que não é estritamente uma teóloga, mas é presidente da União Internacional das Superioras Gerais, com sede em Roma, Wirtz continuou: "Haverá uma abertura para levar em consideração outras opções?".
Murray disse que qualquer discussão sobre uma nova eclesiologia da comunhão significa que também "é preciso haver um grande aprofundamento teológico da nossa compreensão da vocação cristã católica e do lugar da ordem e do ministério ordenado dentro dela".
Essa discussão, segundo ele, não deve se focar em "polaridades cansadas" entre ênfases sobre a importância ou do leigo ou do ordenado, mas sim na necessidade urgente "de passar para uma teologia integrada da vocação e do ministério dentro do catolicismo focada em torno da sacramentalidade".
"A vocação de todo batizado", disse Murray, "é a de ser unicamente um sacramental dos propósitos de Deus na criação e dar um testemunho específico disso de formas que tenham profundas dimensões sacerdotais, proféticas e régias, assim como cada um é convidado de diversas formas a mostrar ao mundo qual é o chamado mais profundo do mundo".
Chamando a decisão do Papa Bento XVI de deixar o papado de um esforço para dar margem "ao saudável exercício do ofício e ao governo efetivo da Igreja", Murray expressou a esperança de que isso possa "nos inspirar mais amplamente a discernir aquilo de que nós, como comunhão, precisamos abrir mão; o que precisamos priorizar; e as mudanças de vida e de estrutura às quais estamos sendo chamados".
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As questões teológicas em aberto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU