Eliseo Verón. O nome da semiose social

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Por: André | 22 Abril 2014

Autor de uma obra pioneira no campo da semiótica e da análise do discurso dos meios de comunicação, a morte o encontrou como “amicus” do Grupo Clarín, em defesa da sua postura contra a lei de serviços de comunicação audiovisual.

 
Fonte: http://bit.ly/QpiYiG  

A reportagem é de Werner Pertot e publicada no jornal argentino Página/12, 17-04-2014. A tradução é de André Langer.

Em sua biografia conjetural se dirá que seus livros deixaram uma marca na semiose infinita, que foi um pioneiro na análise dos meios de comunicação em nível internacional e que se atreveu a desmontar o discurso de Juan Domingo Perón. O filósofo, antropólogo e semiólogo Eliseo Verón (foto) morreu de câncer aos 78 anos. Deixou uma vasta teoria sobre os discursos políticos, sociais e dos meios de comunicação. Nos últimos tempos, Verón foi um dos defensores das posições do Grupo Clarín contra a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. Não obstante, uma leitura a contrapelo de seus últimos livros mostra Verón assinalando que os meios massivos caíram na armadilha da ideologia do profissionalismo e do jornalismo objetivo, da qual só se sai com a política.

Seu primeiro livro, Conduta, estrutura e comunicação, começava com uma epígrafe de A Ideologia Alemã, de Marx e Engels, que diz: “O espírito (...) se manifesta (sob) a forma de linguagem. A linguagem é tão velha quanto a consciência: a linguagem é a consciência prática, a consciência real, que existe também para os outros homens e que, portanto, começa a existir para si mesmo” (Verón em 1968). Anos mais tarde escreveria um ensaio de análise do discurso sobre o mesmo caso que Rodolfo Walsh investigaria em seu livro Quem matou Rosendo? O trabalho de Verón chamava-se “Ideologia e comunicação de massas: a semantização da violência política” (escreveu-o em 1969).

Nasceu em Buenos Aires no dia 12 de junho de 1935. Nos anos 1950 fez parte do Grupo Contorno junto com – entre outros – Ernesto Laclau, que morreu no domingo passado. Seus caminhos se bifurcam e o que se segue são os dados de uma carreira acadêmica meteórica: Verón graduou-se em Filosofia na UBA em 1961 e nesse mesmo ano obteve uma bolsa do Conicet com a qual viajou para cursar um seminário de Antropologia Social no Collège de France com Claude Levi-StraussVerón foi o tradutor de Antropologia Estrutural para o castelhano. No ano seguinte, foi ao seminário de Roland Barthes na Escola Prática de Altos Estudos. Ali Verón se aproximou da linguística de Ferdinand de Saussure, embora depois desenvolvesse toda a sua teoria a partir da semiótica de Charles Sanders Peirce. O River e o Boca do signo.

Voltou para a Argentina, onde dirigiu o Centro de Pesquisas Sociais do Instituto Di Tella e o Departamento de Sociologia da UBA. Fundou a revista LENGUAjes junto com os semiólogos Oscar Steimberg e Oscar Traversa, e publicou o livro Imperialismo, luta de classes e conhecimento: 25 anos de sociologia na Argentina.

Em 1970, voltaria para a França com uma bolsa Guggenheim e ficaria ali até 1995. Ali nasceu seu único filho. Deu aulas alternadamente nas universidades de Bordeaux, Bayonne e Paris. Em 1985 doutorou-se na Universidade de Paris 8, na especialidade de Linguística. Ali foi diretor do Mestrado em Ciências da Informação e Comunicação.

No final dos anos 1970, foi presidente da Associação Argentina de Semiótica, enquanto publicava suas primeiras análises sobre os meios de comunicação. O mais conhecido é Construir o acontecimento, onde trabalha sobre a cobertura, na França, do acidente na central nuclear de Harrisburg. Postulou que os meios de comunicação produzem cada vez mais o que entendemos por realidade e que os acontecimentos passam a existir quando são midiatizados.

Verón ou morte

Em 1986, junto com a socióloga Silvia Sigal, Verón publicou Perón ou morte: os fundamentos discursivos do fenômeno peronista, um livro onde analisa o discurso de Perón em três etapas da história argentina. Ali senta as bases do seu estudo sobre o discurso político. Postula a não linearidade da circulação do sentido (que sempre está sujeito a perdas) e a ideia de que o peronismo é um dispositivo de enunciação. Em um famoso ensaio de 1987 (“A palavra adversativa”), Verón indicou que o adversário era constitutivo de todo o discurso político.

De 1988 é seu livro A semiose social, que é uma das obras inelutáveis nos cursos de comunicação. Depois viriam seus estudos sobre o dispositivo da televisão e do noticiário, onde o âncora estabelece um olhar direto no olho do espectador.

Verón voltou para a Argentina em 1995 e continuou seu trabalho acadêmico: dirigiu o curso de Ciências da Comunicação da Universidade Bar Illán, criou no Brasil o Centro Internacional de Semiótica e Comunicação.

De 2000 e até 2006 dirigiu o Mestrado em Jornalismo do Grupo Clarín, a Universidade de San Andrés e da Universidade de Columbia. Depois continuou dando aulas em San Andrés no Mestrado de Marketing e Comunicação. Ganhou o Prêmio Konex em 2006 e foi nomeado Doutor Hororis Causa pela Universidade de Rosario.

Em diversas entrevistas foi deixando fragmentos das suas opiniões políticas. Em 2001, defendia que “se há uma crise, é consequência da aplicação de uma política econômica”. Depois assinalaria que no discurso de Kirchner “há um predomínio da função polêmica”. “O peronismo está entre as piores coisas que aconteceram ao país”, sentenciava já em 2004. “A verdade é que o que a Elisa Carrió disser nos jornais não interessa muito a ninguém”, dizia ao mesmo tempo. Curiosamente, em 2006, sustentava que Kirchner era “o melhor presidente que tivemos nos últimos 25 anos”, embora não economizasse críticas à sua relação com os meios de comunicação.

Amicus

Em seus últimos anos, Verón comprou uma casa paroquial em um pequeno povoado italiano, Monte Crignone. Em frente, Umberto Eco havia comprado um convento, que tinha uma cancha de bocha. Ali Verón se reunia com o autor de O Nome da Rosa para jogar bocha. “O Vaticano os vende porque ficaram vazias por falta de fiéis”, explicava Verón sobre os imóveis. Seu dinheiro provinha majoritariamente da sua extensa tarefa como assessor de meios de comunicação e de empresas que buscavam formas de publicizar seus produtos: trabalhou para as revistas francesas Paris-Match, Elle e Marie Claire, para o Grupo Le Monde, para a L’Oréal, para a Renault e a Apple. Na Argentina, exerceu a mesma tarefa para o Grupo Clarín, para as bebidas Gancia e Terma e várias empresas privatizadas (Correo Argentino, Aguas Argentinas, Telecom, Repsol-YPF). Também trabalhou para a produtora Endemol em um estudo sobre a recepção do reality show Grande Irmão.

Em 2011, Eduardo Duhalde o contratou como assessor da campanha: a rigor, compartilhou algumas conversas com Verón, que o agraciava comparando-o com Lula da Silva em alguma coluna publicada no semanário Perfil.

No meio do conflito da lei dos meios de comunicação, Verón foi um dos amicus curiae do Grupo Clarín na audiência da Corte. Ali postulou que a pluralidade de vozes é garantida pela internet e pelas redes sociais, razão pela qual a lei dos meios seria supérflua. Mais clara é sua posição no epílogo do seu livro Papéis no tempo: ali assinala que o enfrentamento entre mídia e governos “de corte populista” – e Laclau iria rir desse cruzamento de perspectivas – levou as empresas jornalísticas a uma armadilha. “Ninguém acredita no discurso da ‘objetividade’ – advertia Verón. E se os meios buscaram rearticular-se com a política, entrariam em contradição com a ideologia que durante anos usaram para definir sua própria identidade”. Sobre o final, Verón recomendava aos empresários jornalísticos que buscassem uma saída política. Morreu na mesma semana que Laclau. Os dois tinham 78 anos. Jorge Luis Borges teria ficado fascinado com esse paralelismo.

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