Daniel Raventós e o direito a uma Renda Básica. Uma crítica

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Por: Jonas | 08 Abril 2014

“Enquanto não formos capazes de escapar do fracassado imaginário coletivo da social-democracia, em que os direitos econômicos da burguesia prevalecem sobre os direitos humanos, não haverá uma solução satisfatória na busca de uma convivência pacífica e do bem-estar geral em harmonia com o planeta”, escreve Ismael García Gómez, em artigo publicado por Rebelión, 04-04-2014. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

A reivindicação por uma renda básica para todos os cidadãos, sem distinção de classe social, sexo ou ideologia, é sem dúvida uma iniciativa cativante em sociedades com profundas desigualdades, onde a cada dia é maior o número de pessoas que não possuem assegurados os direitos fundamentais e em que é preciso aceitar condições de vida cada vez mais humilhantes no âmbito do trabalho. Diríamos, inclusive, que resulta inconcebível que, em sociedades postulantes da democracia e dos direitos humanos, o direito à vida não acarrete inexoravelmente o direito a uma renda básica, pressuposto fundamental para garantir uma vida digna, sendo tarefa dos poderes públicos seu financiamento, com um sistema tributário inspirado em princípios consagrados, como a capacidade econômica, a progressividade e a solidariedade fiscal. Bem entendido que o direito a procriar deve ser exercido de forma responsável e limitada em função dos recursos de uma sociedade e dos limites do crescimento que os fatores críticos ordenam em qualquer ecossistema (local, nacional ou planetário). Até tal ponto, deveria nos parecer inaceitáveis as condições de vida do nascituro privado deste direito básico, que necessitaria ser qualificada como crime contra a humanidade a precária regulação do direito à vida existente na maioria das nações, em que a procriação é um direito ilimitado (inclusive, um imperativo moral e social), muito mais comprometido com os valores e interesses da classe dominante do que com o destino das futuras gerações.

Daniel Raventós é um especialista no desenvolvimento e divulgação deste direito, a quem é preciso agradecer por suas valiosas contribuições e esforço, mas, assim como não caberia a ninguém pensar que esse (direito) coubesse nas instituições de uma sociedade escravista, é preciso analisar se estamos diante de uma proposta com possibilidades de êxito em sociedades neoliberais, em processo de liquidação de direitos e renda das classes humildes ou diante de uma proposta cosmética, de simples oportunismo político, que, no melhor dos casos, seria aprovada apenas conjunturalmente na suposta, hoje pouco provável, inversão das relações de poder entre as classes sociais. É aqui onde me permito fazer uma crítica construtiva ao senhor Raventós e apresentar algumas dúvidas sobre o alcance de sua iniciativa.


Se o modelo de renda básica postulado por Raventós fosse compatível com a ideologia dominante, não restaria dúvida de que já teria claros apoios entre os partidos majoritários e comprometidos com a burguesia por suas bondades na hora de restabelecer a paz social, mas não podemos esquecer que isto era precisamente o que a sociedade do bem-estar estava garantindo, hoje em fase de liquidação, e que é a ambição da classe dominante em seu processo de acumulação a única responsável pela crise que estamos vivendo. Portanto, será impossível que o direito a uma renda básica se torne algo mais do que uma operação cosmética conjuntural (que a social-democracia nos acostumou), enquanto não se adotar medidas de controle no processo de acumulação capitalista, que, como se fosse um buraco negro de crescimento exponencial, acabaria engolindo a renda básica (do mesmo modo que está engolindo a sociedade do bem-estar) o número de vezes em que houvesse um fracasso do crescimento econômico e do gotejamento de renda aos de baixo como única regra de convivência pacífica sob este modelo. Esta é a razão pela qual a reivindicação deste direito deveria ser acompanhada da exigência de uma renda máxima, para impedir que o processo de acumulação continue, quando o descomunal tamanho dos nenúfares ameaça qualquer forma de vida da lagoa dourada, para redistribuir a riqueza entre milhares de milhões de seres humanos que vivem em condições desumanas e para garantir que os monopolizadores deixarão de ser uma ameaça para a espécie.

Para aqueles que esgrimiram a legitimidade do direito de propriedade para além de alguns limites razoáveis, seria necessário lhes recordar que, no melhor dos casos (que fosse fruto do sacrifício pessoal e familiar), não é aceitável o modelo cowboy no momento presente (nunca deveria ter sido, nem na conquista do Oeste Americano nem em nenhuma conquista territorial, onde viviam comunidades indígenas) já que os recursos são escassos e não se pode excluir ninguém do acesso aos mesmos. Vai chegando o momento de se controlar o acesso aos recursos para que o uso que alguns deles possam fazer e os direitos que disso possa ser derivados não exclua o restante. Portanto, deve se estabelecer uma renda máxima que garanta o direito aos recursos das gerações presentes e vindouras, inclusive, proibindo qualquer sobre-esforço que não seja dirigido ao bem comum. Somente desta forma é possível garantir que o direito a uma renda básica não seja ameaçado pela ambição patológica e obsessiva da classe dominante.

Lamento que o senhor Raventós não tenha sido explícito e contundente durante sua conferência, desta tarde (em que lhe esbocei um breve debate sobre esta questão), no momento de reivindicar a necessidade de se estabelecer uma renda máxima e das terríveis consequências históricas e presentes do processo de acumulação capitalista sobre os direitos humanos, a paz e o bem-estar da espécie. Enquanto não formos capazes de escapar do fracassado imaginário coletivo da social-democracia, em que os direitos econômicos da burguesia prevalecem sobre os direitos humanos, não haverá uma solução satisfatória na busca de uma convivência pacífica e do bem-estar geral em harmonia com o planeta.

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