Bento XVI e as boas razões de Martinho Lutero

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12 Janeiro 2015

Segundo o teólogo leigo italiano Christian Albini, "nos debates que atravessam a Igreja Católica, uma acusação recorrente de alguns, especialmente diante dos convites ao diálogo e a mudanças na abordagem de algumas questões pastorais relativas à família, é a de ir na direção de Lutero, do protestantismo, como se fosse uma realidade a se desprezar, e não uma manifestação importante da fé cristã na história. Justamente nestes dias, dentre outras coisas, fala-se de uma virada nas relações entre católicos e protestantes na celebração comum da memória da Reforma em 2017. Vale a pena, então, lembrar o que disse Bento XVI há alguns anos".

A esse propósito, Albini retoma em seu blog Sperare per Tutti, 08-01-2015, uma reportagem de Giacomo Galeazzi, publicada no dia 19-11-2008.

Eis a notícia.

Martinho Lutero não se equivocava quando defendia que nos salvamos apenas pela fé. A afirmação é do Papa Bento XVI, que, durante a audiência na Praça de São Pedro, salienta, no entanto, que não se deve opor a "fé" às "obras", como fazia o pai da Reforma, que dividiu a cristandade no século XVI.

A concepção luterana da "justificação" pela "sola fide"verdadeira se não se opõe a fé à caridade e ao amor", disse Ratzinger, dirigindo-se a milhares de fiéis reunidos dentro da colunata de Bernini.

"A fé é olhar para Cristo, confiar-se a Cristo, apegar-se a Cristo, e isso significa também conformar-se com Cristo, com a forma da sua vida, que é o amor. A fé opera por meio da caridade. Na fé que cria a caridade, toda a fé é realizada."

Bento XVI dedicou a catequese de hoje, assim como as das últimas semanas, à figura de São Paulo, cujos escritos inspiraram profundamente Lutero e ainda são um ponto de referência no mundo protestante.

"Quando Paulo encontrou o Ressuscitado na estrada de Damasco – disse o papa, citando um conhecido episódio evangélico –, ele era um homem realizado: irrepreensível quanto à justiça derivante da lei", mas depois daquele encontro ele passou "de uma justiça fundamentada na lei e adquirida com a observância das obras prescritas a uma justiça baseada na fé em Cristo".

Reformador, em vez de herege

Com os seus alunos, o professor Joseph Ratzinger muitas vezes discutiu o seu compatriota Martinho Lutero. A questão é se o monge alemão que, no século XVI, dividiu em dois a cristandade queria criar uma fratura ou, ao contrário, pretendia, sim, reformar, mas sem traumas, a história milenar da Igreja.

A tese de fundo, compartilhada pelo "papa professor" e pelos seus ex-alunos, é justamente a de que Lutero tinha ideias "mais católicas" do que estabeleceu a historiografia ao longo dos séculos. Uma revalorização da "grande revolucionário" que poderia ajudar o diálogo com o mundo protestante.

O cardeal alemão Walter Kasper, presidente do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos, explica: "Temos muito a aprender com Lutero, começando pela importância atribuída à palavra de Deus. Há muito tempo, na Igreja Católica, está se afirmando uma visão mais positiva, uma concepção mais bem articulada de Lutero como figura que antecipou aspectos que a Igreja, ao longo do tempo, redescobriu e inscreveu no seu próprio percurso".

Em particular, especifica o cardeal Kasper, o pai da Reforma "justamente insistiu muito na importância da Sagrada Escritura, mesmo que, depois, ele tenha destacado a interpretação do Evangelho do magistério da Igreja". Uma "diferença essencial" que não anula, no entanto, a "originalidade e a força da contribuição de Lutero".

Os luteranos hoje são 90 milhões, quase todos na Alemanha e na Escandinávia. Outro argumento aparentemente especialista, mas de amplas repercussões culturais e religiosas, é a sucessão apostólica. Os apóstolos, de fato, transmitiram a sua autoridade aos bispos. Mas, enquanto para os católicos e para os ortodoxos essa "passagem de insígnias" é a garantia de que a tradição não se perca, para a maioria dos protestantes a sucessão apostólica deve ser entendida apenas como sucessão da palavra de Deus, e não das estruturas eclesiásticas, que permanecem teologicamente leves e não se entrepõem entre o crente e Deus.

Alguns estudos realizados recentemente na Alemanha e na Europa do Norte, no entanto, começaram a incutir uma dúvida. Será que essa distinção era entendida por Lutero de modo menos rígido do que pareceu ao longo dos séculos? Na Suécia, por exemplo, a Igreja protestante reconhece a sucessão apostólica de um modo que é mais próximo do mundo católico.

A reabilitação ratzingeriana do monge herege tem raízes antigas. Já como cardeal, ele convidava a refletir "muito seriamente" sobre o frei agostiniano e a "salvar o que há de grande na sua teologia". Sem silenciar o ponto crítico ("Lutero não podia mais compartilhar aquela certeza de que a Igreja reconhece uma consciência comum superior à inteligência e às interpretações privadas. Assim, a relação entre a Igreja e o indivíduo, entre a Igreja e a Bíblia era radicalmente mudada"), Joseph Ratzinger, "falando da situação alemã, que eu conheço de dentro", enfatizava que era "amigo de protestantes realmente espirituais". E que "realmente há, da parte protestante, um novo interesse em relação aos elementos fundamentais da realidade católica".

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