Extração ilegal de madeira abre a porta para outros crimes. Entrevista especial com Rômulo Batista

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Por: João Vitor Santos | 07 Fevereiro 2018

A Operação Arquimedes, deflagrada em janeiro deste ano pela Polícia Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, levou à apreensão de 444 contêineres recheados de madeira extraída de forma ilegal. Todo esse material, recolhido no Porto de Manaus, já estava pronto para seguir para países da Europa, Estados Unidos e para outros estados brasileiros. O fato impressiona pela quantidade – a carga ainda segue sendo periciada – mas não revela um crime novo. “Lá na década de 1990, tivemos um trabalho muito intenso contra o corte e o roubo de mogno na Amazônia”, recorda o biólogo Rômulo Batista, em entrevista por telefone à IHU On-Line. Para ele, resolver a questão, que tem origem ainda antes da década de 90, requer, antes de mais nada, interesse político de organismos de Estado e, depois, uma série de ações que devem ser desenvolvidas em paralelo. “É um problema complexo e bastante difuso na Amazônia, por isso deve ser um processo de melhoria constante até que se consiga ter uma cadeia produtiva que prime pelo real manejo sustentável da floresta e também pela manutenção dos povos da floresta”, declara.

Entretanto, toda a complexidade do combate à extração ilegal de madeira no Brasil ainda é apenas a ponta do iceberg. Isso porque, segundo Batista, outros crimes se incrustaram na região amazônica depois da derrubada das árvores de forma clandestina. “Vai se tirando uma árvore aqui e outra acolá, mas também se abre a porta para outros invasores, outros tipos de exploração florestal”, denuncia. “Você tem todo um ciclo de exploração das madeiras que têm valor comercial mais alto, e após esse ciclo já ocorre uma degradação da floresta, pois o madeireiro já está na ilegalidade e não está preocupado com o modo como vai tirar essa madeira”, explica. Uma vez aberta a clareira e feito o estrago, o madeireiro começa a derrubar árvores de menor valor comercial. “A partir daí, podem ocorrer várias formas de desmatamento, desde o uso de motosserra até o uso do chamado correntão, que é uma imagem muito chocante em que uma corrente é puxada por máquinas e vai arrasando com tudo”.

E não é só. Com a terra arrasada, o madeireiro sai de cena. “Depois desse desmatamento, pode haver uma tentativa de legalização da área até mesmo através de grilagem ou qualquer outra forma que faz com que se adquira a posse dessa terra. Com a posse, começa o processo de tentativa de regularização do processo produtivo”, completa. Como se não bastasse a perda da biodiversidade e geração de carbono, os povos da floresta ainda são cooptados. Se não aceitam as “ofertas” para deixarem a terra, podem ser mortos. “Essas situações, muitas vezes, chegam a ser noticiadas pela mídia ou mesmo por grupos, mas, infelizmente, o poder público é tão ineficiente nessas áreas que essas pessoas só saem dessa lista de ameaçadas para entrar numa lista pior ainda, que é uma lista de assassinados”, analisa.

Rômulo Batista | Foto: Caio Paganotti - Greenpeace

Rômulo Batista é biólogo, especialista em Amazônia do Greenpeace Brasil.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em janeiro deste ano, a Polícia Federal e o Ibama apreenderam 444 contêineres com madeira ilegal da região amazônica que teriam como destino Europa, Estados Unidos e outros locais do Brasil. Em que medida essa apreensão revela a realidade da extração ilegal de madeira no norte do país?

Rômulo Batista – A questão da extração ilegal de madeira, infelizmente, não é uma questão nova. Fazendo um resgate histórico, até mesmo no trabalho do próprio Greenpeace, lá na década de 1990, tivemos um trabalho muito intenso contra o corte e o roubo de mogno na Amazônia, inclusive com a primeira grande campanha do Greenpeace na Amazônia. Depois disso, no ano de 2012, até conseguimos inserir o mogno num documento que tem regras internacionais de comercialização de espécies ameaçadas de extinção. Com isso, no Brasil ficou proibida a extração, o processamento, o transporte e a venda de mogno, sendo possível ser feito só mediante o cumprimento de regras muito restritivas.

Ao largo dos anos 2000, o Greenpeace focou muito fortemente na questão das áreas de desmatamento que visavam à pecuária e à plantação de soja e depois disso começamos a pesquisar e ver como estava a questão do desmatamento para extração de madeira. Infelizmente, percebemos que a situação que víamos no passado continuava com casos muito graves, mas com uma diferença básica de que o interesse de valor comercial acabou migrando para outra espécie de árvore, o ipê.

A operação

O que essa operação trouxe de novo foi a revelação de que um estado onde não temos uma grande produção madeireira acaba sendo usado para escoar a madeira vinda de outros estados em razão da sua facilidade logística. É importante porque se chega a mais um elo dentro da cadeia organizada que demonstra a fragilidade dentro do processo. Essa fragilidade se dá desde o licenciamento de exploração florestal, que costumamos chamar de certidão de nascimento da madeira, porque é de onde a árvore passa a ser madeira. É quando a madeira é licenciada para ser colhida e com isso passa a gerar créditos num sistema de controle, mas que acabam sendo fraudados. E é aí que se chega até os portos onde se tem a exportação dessa madeira [a referida apreensão ocorreu no Porto de Manaus]. É mais uma demonstração nessa cadeia de que, se o trabalho fosse fiscalizado e fosse desenvolvido um sistema sério de controle, se conseguiria coibir a exploração ilegal de madeira.

IHU On-Line – É possível detectar o ponto exato em que há falha nesse sistema?

Rômulo Batista – Já identificamos falhas em diversas partes do processo. Desde 2014, há seis relatórios sobre a questão de madeira ilegal em que apontamos alguns processos. Primeiro, há problemas justamente na questão do licenciamento. Para licenciar uma área para fazer exploração florestal é preciso fazer um inventário florestal, justamente contar os indivíduos, as espécies de árvores que existem ali. Depois, é necessário fazer uma lista e uma tabela onde tem a quantidade de indivíduos e o quanto gerariam de madeira. Esse passo, muitas vezes, é fraudado e o número é inflado, principalmente nas madeiras de alto valor comercial. Ou seja, inventam-se algumas árvores a mais ou até se coloca uma altura maior das árvores que já existem ali, ou mesmo largura e diâmetro maiores, e isso concede mais créditos para começar a comercializar.

Esses créditos a mais, não se extraindo a madeira desse lugar, podem ser usados para retirar madeira de outros lugares. É o que acontece, principalmente, nas unidades de conservação, terras indígenas e áreas públicas não destinadas. Isso porque são áreas que ainda não sofreram exploração, há muitas árvores ali e, em razão da baixa fiscalização, são muito fáceis de serem roubadas.

Fraude na conversão

Outra fraude de que temos relatos é na hora de fazer a conversão da madeira dentro de uma serraria. Existe uma taxa de conversão que é calculada quando se chega com o tronco da árvore: é o quanto vão transformar esse tronco em madeira serrada. Nessa etapa, às vezes, o valor da conversão é inflado até um limite impossível de ser feito dentro dos parâmetros científicos e técnicos que são recomendados para isso.

Fora isso, há diversas outras maneiras que apresentamos em nossos relatórios, como a conivência com a corrupção de quem controla o sistema. Como os sistemas não são integrados, também surge uma série de fraudes na transição de um sistema para outro.

IHU On-Line – Essa mesma operação da Polícia Federal e do Ibama teve como ponto de partida um alerta feito pela Receita Federal. Como avalia a relação de órgãos de Estado nesse combate ao desmatamento ilegal no Brasil?

Rômulo Batista – Não tenho como fazer uma avaliação desse tipo porque não estamos dentro dos órgãos. Mas, de fora, vemos cada vez mais operações integradas dessa forma. Podemos comparar com o que houve no estado do Pará em 2016, em que a Polícia Federal juntamente com o Ibama conseguiram, pela primeira vez, o bloqueio de bens e até a prisão, durante um período, de agentes que estavam fazendo ou extração de madeira ou desmatamento. Esse caso se tornou interessante porque, infelizmente, a legislação de crime ambiental no Brasil tem punições muito brandas, dificilmente alguém acaba preso. Mas, nesse caso em específico, por meio de um caso de inteligência conjunta, conseguiram imputar outros crimes que aconteciam também, como sonegação fiscal, formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva e, com esse arcabouço, conseguiram imputar uma pena maior para as pessoas que estavam destruindo a Amazônia.

Aqui, no caso de janeiro deste ano, também foi bem importante porque a Receita Federal notou que havia divergência entre o que foi declarado dentro dos contêineres e o que realmente existia. Assim, chamou os órgãos que têm competência para avaliar e saber quais são as espécies e os processos que iam ser feitos para o beneficiamento. Afinal, nesse carregamento havia madeira de outros estados, tendo o Amazonas como destino final e saída para exportações.

IHU On-Line – Qual a atual situação do desmatamento ilegal na região amazônica do Brasil?

Rômulo Batista – Primeiro, precisamos fazer uma distinção entre desmatamento e a degradação florestal. Chamamos de desmatamento aquele corte raso, quando toda a cobertura vegetal é retirada para se dar outro uso para a área. A extração ilegal de madeira está envolvida em parte no desmatamento, porque você pode vender essa madeira que sai da área desmatada, mas a grande parte da madeira que entra no sistema de forma ilícita vem do que chamamos de degradação florestal. É um corte seletivo, onde se vai justamente atrás daquelas madeiras de maior valor comercial.

E como se dá esse processo de degradação na Amazônia? Por conta desse sistema falho de licenciamento e controle é possível gerar crédito fraudulento para movimentar a madeira, conforme destaquei. A partir do momento que se tem esses créditos a mais, uma serraria que trabalha com desmatamento ilegal demanda principalmente madeira de alto valor comercial, como jacarandá, maçaranduba. Para conseguir essa madeira, acabam entrando em áreas em que não é permitida a extração. E para entrar, começa o processo de abertura de estradas.

Abrindo essas estradas, ocorre um fenômeno que é quase como um garimpo. Vai se tirando uma árvore aqui e outra acolá, mas também se abre a porta para outros invasores, outros tipos de exploração florestal. Há todo um ciclo de exploração das madeiras que possuem valor comercial mais alto e, após esse ciclo, já ocorre uma degradação da floresta, pois o madeireiro já está na ilegalidade e não está preocupado com o modo como vai tirar essa madeira. Vai tirar o máximo possível e da forma mais rápida possível para não ser pego, sem se preocupar em preservar a vegetação menor. Então, acaba fazendo um tipo de extração que provoca muitos danos na floresta e é esse dano que justamente começa o processo de degradação.

Depois desse primeiro ciclo de corte das madeiras de alto valor comercial, você pode ter outro ciclo de busca por madeiras que não têm um valor de mercado tão alto, mas que, ainda assim, é atrativo. E a partir daí se tem uma floresta mais fraca, mais degradada, mais alterada e mais suscetível ao fogo. Com o fogo, se queima a floresta mais rala e se mantêm as árvores maiores. A partir daí, podem ocorrer várias formas de desmatamento, desde o uso de motosserra até o uso do chamado correntão, que é uma imagem muito chocante em que uma corrente é puxada por máquinas e vai arrasando com tudo.

A lógica da extração ilegal de madeira abre a porta para outras atividades ilegais, porque, depois desse desmatamento, pode haver uma tentativa de legalização da área até mesmo através de grilagem ou qualquer outra forma que faz com que se adquira a posse dessa terra. Com a posse, começa o processo de tentativa de regularização do processo produtivo. Na Amazônia brasileira, por exemplo, mais de 60% da área que já foi derrubada se tornou pasto. Então, a atividade da pecuária é um dos grandes lados do desmatamento. E ainda se tem 6 ou 7% de área para agricultura.

IHU On-Line – Nos últimos anos, temos conseguido frear o aumento desse desmatamento?

Rômulo Batista – O Brasil teve um grande avanço de 2004 a 2012, saindo de uma área de 27 mil quilômetros quadrados de taxa de desmatamento que, até 2012, vinha decrescendo e chegando à menor taxa desde que se começou a registrar o desmatamento. Mas, infelizmente, de 2012 até agora, tem ocorrido mais aumento do que diminuição do desmatamento. Se chegou a uma taxa basal de 4.600 quilômetros quadrados, que ainda é uma taxa muito grande, mas que foi a mais baixa da série histórica, e seguimos subindo desde 2012. Houve pequena queda, depois subiu de novo e no ano passado teve uma queda de 16%, mas quando vemos a tendência desde 2012, se percebe um aumento.

No ano passado se chegou a uma taxa de 6.600 quilômetros quadrados. Se formos ver, são 2 mil quilômetros quadrados a mais do que a menor taxa já registrada. Infelizmente, temos, nos últimos cinco anos, uma tendência a aumento do desmatamento. E 6.600 quilômetros quadrados de desmatamento é um número inaceitável, pois o Brasil tem acordos em que se comprometeu a diminuir o desmatamento, apesar de o compromisso assumido na Conferência de Paris ser muito pouco ambicioso, pois fala em terminar o desmatamento ilegal na Amazônia em 2030. Ou seja, naquela época, tínhamos ainda 14 anos para acabar com o desmatamento ilegal. Além disso, o Acordo não traz metas mais ambiciosas para outros biomas, como o Cerrado. Você pode seguir desmatando outra área que não seja a Amazônia, o que é outro grande problema.

A nossa meta no Greenpeace é zerar o desmatamento na Amazônia. Não é mais necessário e é um contrassenso continuar com o desmatamento. Além de todo o problema de biodiversidade, ameaça os povos da floresta, tem uma emissão de carbono muito alta por essa atividade e já temos uma área aberta que poderia ser aproveitada. Por isso, também é importante repensar nosso modo de produção e de consumo, principalmente. Se consumirmos menos, de maneira mais consciente, naturalmente essa pressão sobre a floresta diminuiria também.

IHU On-Line – Como compreender que países como os da Europa, muitos com reconhecido engajamento na preservação do meio ambiente, recebam madeira de desmatamento ilegal?

Rômulo Batista – Tanto Europa como Estados Unidos têm legislação específica sobre importação de madeira e essas leis colocam algumas obrigações. Mas geralmente eles recebem essa madeira com documentação do governo brasileiro dizendo que ela é uma madeira legal. Temos aí a primeira dificuldade. É preciso melhorar o sistema de controle de licenciamento aqui no Brasil para que esse papel que hoje está garantindo essa validade seja realmente um atestado de que a madeira é legal.

Entretanto, as autoridades e os importadores não podem se furtar de algumas obrigações. O Greenpeace vem denunciando esse problema da madeira há pelo menos quatro anos por meio de relatórios mostrando o quanto é fraca a emissão desse papel como única forma de garantia de legalidade da madeira, sem conhecer a cadeia produtiva deles. É preciso, para além do documento, saber de onde essa madeira está vindo. É preciso fazer checagens nos bancos de dados públicos para saber, por exemplo, se a serraria de quem estão comprando não tem fornecedores com multa ambiental emitida pelo Ibama ou pela Secretaria de Meio Ambiente, se essas áreas de serrarias não são embargadas por algum tipo de dano ou crime ambiental, se não está na própria lista de trabalho escravo.

É preciso ter consciência de que, na realidade, aqui na Amazônia essa questão toda ainda é muito difícil e problemática. É preciso fazer uma pesquisa para ver de onde vem essa madeira, se não tem problema. Nós temos relatado muitos casos de crimes relacionados ao desmatamento, e há outros amplamente divulgados pela mídia. Então, as empresas têm como fazer seu dever de casa e apurar de onde realmente está vindo a madeira que estão comprando. É preciso visitar seus fornecedores, se possível, vir até o Brasil e entender essa dinâmica no campo, para constatar se realmente o que está sendo declarado naqueles papéis está de fato acontecendo.

IHU On-Line – Há alguma corte internacional onde se pode buscar punições a países que não controlam a entrada de madeira com extração ilegal em suas fronteiras?

Rômulo Batista – Não sou especialista na área do Direito, mas sei que, recentemente, foi aberto um precedente para que crimes ambientais também fossem julgados nesses tribunais internacionais. E a Interpol, por exemplo, tem um programa específico para questão de madeira ilegal. Não é um tribunal, mas sei que a polícia internacional tem atuação nessa área.

IHU On-Line – De que forma é possível conceber alterativas ao desmatamento ilegal?

Rômulo Batista – A primeira coisa necessária para que se tenha produção de madeira legal é que tanto governo federal quanto estadual assumam que esse é um problema e que ele existe. A partir daí, é preciso pensar no desenvolvimento de um sistema de licenciamento integrado e prontamente acessível para que a sociedade civil organizada possa fazer um escrutínio e possa compreender como funciona esse mercado. Também deve ser acessível para que os compradores, sejam eles lá na Europa ou aqui no Brasil, possam acompanhar de maneira clara e objetiva a forma como se faz a extração e até a venda numa loja de departamento em que vai ser comprada essa madeira. O sistema, além de ser transparente, acessível e integrado, também tem que ter bloqueios automáticos que permitam evitar fraudes.

Por exemplo: não se pode licenciar uma área onde a densidade de ipê é de 12 metros cúbicos por hectare se a ciência fala que a distribuição normal dessa espécie é de até 0,6 metros cúbicos por hectare [declarando assim que há mais árvores no local do que é possível, cientificamente]. Ou seja, é preciso uma análise mais minuciosa na área em que se está pedindo o licenciamento. Até para saber se a área não foi explorada anteriormente e se ela tem características para suportar esse potencial todo de exploração.

Além disso, dentro do sistema de controle, é necessário coibir o que chamamos de “transporte impossível”; por exemplo, se percorreu 800 quilômetros em oito horas numa balsa de madeira. Isso é impossível, não é possível que o sistema aceite esse tipo de informação [o que ocorre é que a madeira pode vir de outro lugar, mas se usa documentação fraudada para atestar essa suposta legalidade, o que acaba gerando informações discrepantes como nesses casos de “transporte impossível”]. Ou, ainda, madeira sendo transportada por automóveis, como um Fiat Uno transportando quatro ou cinco metros cúbicos de madeira [mais um caso de fraude, pois o veículo não comporta tal carga]. Nesse tipo de situação, um sistema poderia gerar travas e bloqueios, via sistema do Detran ou outros órgãos, para que se notificasse e fiscalizasse in loco o transporte.

Além disso, precisa de melhoria no sistema de fiscalização na hora do licenciamento. Não se pode licenciar uma cidade que vai degradar a floresta sem que haja uma vistoria para garantir o que está sendo declarado nesse licenciamento.

Manejo comunitário

E, por último, mas não menos importante, é preciso ter um programa forte de manejo comunitário, onde as pessoas que vivem na floresta há dezenas, centenas de anos, e que sabem o melhor manejo, tenham a abertura, a oportunidade de gerar renda. O pequeno produtor rural, o extrativista que está ali vivendo na sua área também tem o direito de gerar renda com essa madeira, mas de forma sustentável e sem agredir a floresta.

Sem solução definitiva

São esses os pontos importantes para atacarmos e resolver parte da questão da madeira ilegal. Infelizmente, não existe uma “bala de prata” em que apenas com “um tiro” se possa resolver todo esse problema. É um problema complexo e bastante difuso na Amazônia, por isso deve ser um processo de melhoria constante até que se consiga ter uma cadeia produtiva que prime não só pelo lucro, mas pelo real manejo sustentável da floresta e pela manutenção dos povos da floresta, gerando sua renda a partir dessas atividades.

IHU On-Line – Em que medida o problema de desmatamento ilegal se articula com a violência contra povos nativos no norte do país?

Rômulo Batista – Se pensarmos nos últimos dez anos, tivemos cerca de 250 homicídios na Amazônia, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra - CPT. Grande parte deles envolvidos na questão da terra ou de recursos naturais, seja um recurso que está acima da terra, como as florestas e as árvores, ou que está embaixo da terra e que envolve todo o problema da mineração. O grande problema é este: a facilidade de se colocar no mercado produtos ilegais. Se abre espaço para a extração ilegal de madeira numa reserva indígena e o que acontece com a população que está nesse local? Primeiramente se tenta cooptar esses povos, tentando comprar essas pessoas, envolvê-las em atividades ilegais. Infelizmente, pela oportunidade, essas pessoas acabam cedendo. A violência ocorre justamente quando não se dá a cooptação, quando começa uma demonstração de poder, com ameaça a essas populações. Essas situações, muitas vezes, chegam a ser noticiadas pela mídia ou mesmo por grupos como o Conselho Indigenista Missionário - Cimi e a CPT, mas, infelizmente, o poder público é tão ineficiente nessas áreas que essas pessoas só saem dessa lista de ameaçadas para entrar numa lista pior ainda, que é uma lista de assassinados.

Isso afeta diversas regiões da Amazônia, em diversos estados, onde se tem inúmeros casos de violência todos os anos. Ano passado, por exemplo, foi considerado o mais violento dos últimos 13 anos. Temos registrados pela Comissão Pastoral da Terra 65 assassinatos no campo, sendo que dois massacres indígenas ainda estão sob investigação. O que pode elevar esse número para mais de 80. É algo absurdo quando se pensa que essa população é a mais frágil e também a grande responsável pela preservação do patrimônio que é de todo brasileiro, e acaba sendo morta, ameaçada por conta da ganância de poucas pessoas.

IHU On-Line – Quais são as espécies de árvores mais cobiçadas para desmatamento? E quais os riscos para essas espécies submetidas ao desmatamento?

Rômulo Batista – A madeira com maior valor comercial hoje, na Amazônia brasileira, é o ipê. Temos com ele uma situação muito parecida com a que se teve com o mogno. Um metro cúbico de ipê no Porto de Paranaguá, ou no Porto do Pará, sai por 2.500 dólares. É mais ou menos o preço que se tinha pelo mogno no auge da extração ilegal. Ou seja, o ipê é uma madeira que vale muito e “compensa” a ilegalidade, fazendo as pessoas irem cada vez mais para dentro da floresta, invadindo as áreas protegidas, áreas indígenas, para roubar essa madeira.

Numa segunda classificação de cotação estão espécies como maçaranduba, jatobá, que estão num valor intermediário entre 1.200 e 1.300 dólares, o que dá também um retorno financeiro muito alto para quem está disposto a cometer ilegalidade. E uma vez a estrada aberta para a busca do ipê, compensa, para quem está disposto a praticar a ilegalidade, buscar essas outras espécies.

Não temos ainda uma avaliação ambiental sobre a espécie. Mas é claro que se há uma superexploração de uma espécie como o ipê, se está tirando muito mais do que a natureza consegue repor e, assim, incutindo uma ameaça grave.

IHU On-Line – A extração ilegal de madeira no Brasil é um problema só da região amazônica?

Rômulo Batista – Temos leis que regem a questão do manejo florestal e que também impõem regras. No Brasil, a outra grande floresta ameaçada é a Atlântica, onde não se permitem mais derrubadas, sendo disponibilizadas para exploração apenas aquelas áreas já devastadas. Assim, a extração de madeira ocorre muito fortemente na Amazônia. No Cerrado há outro problema de extração de madeira, mas que é destinada à produção de carvão. Somente algumas espécies estão sendo destinadas à produção de madeira, já que o Cerrado tem características diferentes e suas árvores não são muito altas e são retorcidas, o que não dá uma produção madeireira elevada.

Ainda assim, apesar da proibição de certos manejos florestais, sabemos que existe extração ilegal de madeira na Mata Atlântica. Temos diversos relatos na Bahia, Espírito Santo, São Paulo e Paraná. Anualmente se tem a publicação do Atlas da Mata Atlântica, que traz um diagnóstico desse problema.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Rômulo Batista – O Brasil não precisa mais do desmatamento, pois além do impacto de todas as questões climáticas, ele traz perda de biodiversidade e causa essa violência para as pessoas que vivem na região. E sobre madeira ilegal, temos de estar conscientes de que cada vez mais o problema pode estar chegando até nós e cobrar dos governos para que adotem sistemas que possam coibir essa atividade e que possam garantir o uso sustentável da floresta.

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