O futuro da esquerda dependerá do modo como irá se relacionar com os movimentos sociais descentralizados. Entrevista especial com Pablo Ortellado

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Por: Patricia Fachin | 06 Setembro 2016

As manifestações que ocorreram no final de semana, depois do silêncio dos últimos dias que antecederam o impeachment da ex-presidente Dilma, têm um caráter “misto” e foram articuladas, de um lado, por “grupos tradicionais, como MST, MTST e a CUT”, mas também “têm um componente mais autônomo e espontâneo”, diz Pablo Ortellado à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone na tarde de ontem, 05-09-2016.

Para ele, o retorno das manifestações “tem a ver com o fato dessa situação da presidente Dilma ter sido superada” e a partir de agora, frisa, possivelmente os protestos devem ser motivados pelas medidas anunciadas pelo presidente Michel Temer. “A composição dos protestos contra o governo Temer é mais ampla do que os protestos contra o impeachment, justamente porque a partir de agora eles não implicam mais uma volta da ex-presidente Dilma, não implicam uma adesão a um governo que estava muito desgastado, que era o PT”.

Na avaliação de Ortellado, o desafio para a esquerda neste momento diz respeito à relação que será estabelecida entre a força política partidária que irá assumir a agenda da esquerda daqui para frente e os movimentos sociais, “porque a forma tradicional na qual os movimentos estão dentro do partido, que é a forma do PT, em que não se consegue distinguir o que é o partido e o que é movimento, caducou”. E acrescenta: “Acho que o PT não vai perder a oportunidade de se cacifar contra esse movimento, então, vai tentar ter uma presença que é incômoda para muita gente; isso poderá gerar um pouco de tensão”.


Pablo Ortellado (Foto: IEA/USP)

Pablo Ortellado é doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente é professor do curso de Gestão de Políticas Públicas, orientador no programa de pós-graduação em Estudos Culturais e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação – Gpopai, todos na USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é o significado político do impeachment para o país e especialmente para as esquerdas brasileiras?

Pablo Ortellado – O impeachment, na minha opinião, foi a conjunção de uma série de circunstâncias: a inabilidade política da presidente em relação à base de apoio eleitoral, as pressões para escapar da Operação Lava Jato, as pressões da opinião pública, a mudança de orientação da presidente em relação às promessas da sua campanha eleitoral, que fez com que ela perdesse apoio político. Portanto, o conjunto desses fatores terminou criando as condições para a aprovação do impeachment. Não sei se o impeachment significa uma derrota da esquerda.

IHU On-Line – Alguns estão fazendo essa análise. Discorda?

Pablo Ortellado – Exato, alguns estão fazendo essa análise. Não sei, mas seguramente o impeachment é uma vitória dos grupos organizados da direita, o que não quer dizer que as pessoas que estavam na rua pedindo a remoção da ex-presidente Dilma fossem de direita – essa é uma distinção muito importante de ser feita. Os grupos que organizam as manifestações e as pessoas que estiveram nas ruas não tocam o mesmo apito em uma série de questões.

IHU On-Line - Quais?

Pablo Ortellado – Realizamos algumas pesquisas durante as manifestações antes do impeachment, e o índice de apoio aos serviços públicos, no que diz respeito ao caráter público, à universalidade e à gratuidade do serviço de saúde, é praticamente 100%, ou seja, acima de 98%. Entretanto, os grupos que mobilizaram as manifestações são contrários a esse sistema gratuito de saúde e educação e são a favor da sua privatização. O governo Temer, inclusive, está com uma medida forte, que é a PEC 241, a qual propõe reduzir o orçamento público de saúde e educação em até 40% em 20 anos. Então, existe esse desacordo entre as pessoas que estavam se manifestando e as que estavam liderando os protestos.

IHU On-Line – Então os manifestantes não estavam nas manifestações reclamando da precarização da educação e da saúde, por concordarem com seu caráter universal, mas da gestão da presidente?

Pablo Ortellado – Eles estavam lá principalmente porque estavam insatisfeitos com o governo Dilma, especialmente por motivo de corrupção. Mas os grupos que estavam convocando as manifestações têm uma outra agenda econômica e estavam mobilizando o sentimento anticorrupção da população para destituir a presidente e colocar em curso uma agenda econômica que é contrária à agenda das pessoas que estavam mobilizadas.

IHU On-Line - Na semana passada, durante o processo de impeachment, inclusive no dia em que a presidente estava depondo no Senado, não houve uma comoção nacional nem manifestações nas ruas. Os protestos se intensificaram após a decisão do impeachment. Como você avalia esse esvaziamento das ruas num primeiro momento e, posteriormente, o retorno das manifestações? As manifestações do final de semana são um sintoma pós-impeachment ou um sinal de que elas irão ocorrer com frequência daqui para frente?

Pablo Ortellado – As manifestações perderam mobilização porque o jogo já estava jogado. Então os dois lados não conseguiram se mobilizar e a última mobilização pró-impeachment foi muito pequena também. Então, os dois lados se desmobilizaram, porque ninguém acreditava que o jogo teria um resultado diferente do que teve.

Penso que o crescimento das manifestações agora tem a ver com o fato dessa situação da presidente Dilma ter sido superada. Mas essa é apenas uma opinião, porque ainda não fiz nenhuma pesquisa sobre isso. A composição dos protestos contra o governo Temer é mais ampla do que os protestos contra o impeachment, justamente porque a partir de agora eles não implicam mais uma volta da ex-presidente Dilma, não implicam uma adesão a um governo que estava muito desgastado, que era o PT.

IHU On-Line – Então, segundo a sua leitura, quem esteve nas ruas pós-impeachment é contrário ao governo Temer, mas não é a favor do governo Dilma?

Pablo Ortellado – Exatamente. É o que me parece.

IHU On-Line - Você esteve na manifestação da Paulista? Conversou com manifestantes?

Pablo Ortellado – Sim, estive, mas estou te dando uma opinião de quem não pesquisou. Eu pretendo fazer algumas entrevistas e pesquisas nas próximas manifestações, mas por enquanto estou dando apenas a opinião de um observador.

IHU On-Line - Que cenário vislumbra em relação às manifestações daqui para frente? Que pautas devem estar presentes nessas manifestações?

Pablo Ortellado – As manifestações devem ser contra o governo Temer e as medidas a serem implementadas por ele, especialmente contra a PEC 241, por um lado, e o pedido de eleições, por outro. Às vezes aparecem protestos pedindo eleições gerais, às vezes eleições presidenciais. Da minha perspectiva de observador, me parece que agora é isso que está no ar.

IHU On-Line - Os movimentos devem ser mais descentralizados e autônomos ou devem se unir em torno de pautas específicas?

Pablo Ortellado – Eles estão mistos neste momento: tem um componente desses grupos mais tradicionais, como o MST, MTST e a CUT, mas eles têm um componente mais autônomo e espontâneo. As manifestações que ocorreram em São Paulo estavam bastante alternadas: às vezes tinham predominância de um tipo, às vezes de outro, e às vezes era misturado; especialmente a manifestação de domingo pareceu misturada.

IHU On-Line - Muitos têm apostado que a atuação da esquerda se dará via movimentos sociais descentralizados. Também aposta nessa análise ou agora os partidos, especialmente o PT, devem tentar uma aproximação maior com esses manifestantes e novos movimentos?

Pablo Ortellado – Acho que o PT não vai perder a oportunidade de se cacifar contra esse movimento, então, vai tentar ter uma presença que é incômoda para muita gente; isso poderá gerar uma certa tensão. Vamos ter que esperar para ver como isso vai se desenrolar. Em alguns locais, como Florianópolis, parece que esse caráter espontâneo e descentralizado das manifestações foi maior, enquanto em São Paulo foi misto. Então, por enquanto, está dependendo muito do dia e do momento.

IHU On-Line - Como a esquerda deve se reposicionar no campo político daqui para frente? Deve aumentar o racha entre as esquerdas ou elas devem se unir? O PT ainda vai desempenhar um papel expressivo nas próximas disputas políticas?

Pablo Ortellado – A sociedade brasileira precisa de uma expressão institucional para atuar e se fazer representar e se o PT estiver desgastado demais para ocupar esse lugar, como parece, uma outra força vai ocupá-lo. Não dá para saber agora se vai ser o PSOL, o PDT, a Rede, mas existe um setor progressista da sociedade que precisa de expressão, tem força política e está mais ou menos organizado e isso vai se acomodar e se expressar eleitoralmente de alguma forma.

O desafio não é esse; o grande desafio é a relação entre essa força política – que vai ser o PT, o PSOL ou seja quem for – e os movimentos sociais, porque a forma tradicional na qual os movimentos estão dentro do partido, que é a forma do PT, em que não se consegue distinguir o que é o partido e o que é movimento, caducou.

IHU On-Line – O que vislumbra em relação ao governo Temer nos próximos dois anos?

Pablo Ortellado – O governo Temer não fez segredo da sua agenda: a agenda dele é a Reforma da Previdência, estabelecendo a idade mínima e a desvinculação de salário mínimo para o pagamento das aposentadorias, uma reforma trabalhista, que vai desmontar pontos centrais da CLT, e a PEC 241. Essas são medidas profundamente impopulares, especialmente a PEC 241, que vai na contramão de um dos poucos consensos da sociedade brasileira, que diz respeito à gratuidade dos serviços de saúde e educação. Essa medida vai gerar grandes dificuldades políticas para o novo governo, porque será difícil convencer deputados que passarão por uma eleição daqui a dois anos, a aprovarem medidas tão impopulares.

IHU On-Line - Você chamou a atenção para a vitória da direita ao longo do processo do impeachment. Que rearticulação vislumbra para partidos como PMDB, PSDB e DEM?

Pablo Ortellado – Esses partidos retomaram a máquina, mas eles são diferentes entre si; alguns são mais ideológicos. O PSDB, sobretudo, que tem um projeto muito claro. O PMDB é bastante fisiológico e isso deve gerar grandes atritos, porque o programa do Temer é um programa liberal bastante ousado e o PMDB não é um partido liberal; é um partido patrimonialista, que, aliás, precisa de um Estado grande para sobreviver com verbas para, inclusive, distribuí-las para os governos locais. Acredito que será uma gestão muito difícil. Ele pode ter habilidade política para aprovar as medidas propostas, mas o caminho dele não será fácil, sem contar com uma possível expressão de manifestações da sociedade civil contra essas medidas. Será um caminho tortuoso, mas pode ser que se entre num momento de perplexidade com tudo que aconteceu, e as medidas sugeridas por ele consigam passar.

IHU On-Line - Quais são as propostas das esquerdas para o Brasil no âmbito econômico, social e cultural? É possível identificá-las, dado os rachas existentes na esquerda?

Pablo Ortellado – A agenda é longa, mas o que é central e que estrutura as demais propostas da esquerda é a reforma tributária. O Brasil tem uma estrutura tributária regressiva, ou seja, taxa mais os pobres do que os ricos e mexer nisso é mexer na distribuição de riquezas. Isso é chave e determina os demais tipos de políticas. Se fosse para te dar uma resposta simples, eu diria que a reforma tributária é uma forma de mexer no modo como o Estado arrecada. Medidas como impostos sobre grandes fortunas, arrecadar mais dos mais ricos, criando tributação para lucros e dividendos, mexeriam na estrutura de como o Estado arrecada e permitiriam que esses recursos extras, advindos da tributação das pessoas que não pagam impostos, fossem utilizados na realização de um conjunto de políticas públicas relativas à saúde, educação e cultura. A questão tributária é a base de tudo e é um tema que não foi tocado por esses 13 anos de governo do PT.

IHU On-Line - O que vislumbra em termos de futuro e de possibilidades para o Brasil daqui para frente?

Pablo Ortellado – Acho que estamos num momento de reavaliação do significado do PT, cuja história iniciou nos anos 80, maturou nos anos 2000, teve vigência por 13 anos e terminou de uma maneira triste e melancólica. Vai demorar um tempo para fazermos o luto e nos reorganizarmos, mas algo novo vai surgir.

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