Movimento Brasil Livre – MBL e junho de 2013. Uma franquia americana que depois do impeachment está presente no movimento Escola Sem Partido. Entrevista especial com Marina Amaral

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01 Agosto 2016

“Quem acompanhou os protestos de junho em São Paulo percebeu claramente o momento em que a direita começou a se apropriar do movimento por cidadania, por mais democracia”, diz a jornalista.

Foto: Daniel Queiroz/ND

“Não acho que o MBL ocupou um espaço vazio. Acho que ele criou seu espaço de forma planejada e patrocinada por essa direita representada nas fundações americanas”, diz Marina Amaral à IHU On-Line, ao analisar rapidamente os desdobramentos das manifestações que iniciaram em 2013 contra o aumento da passagem e que culminaram, posteriormente, em uma série de manifestações difusas por todo o país.

Na avaliação dela, que vem acompanhando jornalisticamente as manifestações que têm ocorrido no país desde 2013 até este ano, o protesto que ficou conhecido com a frase de ordem “não é por 20 centavos” “foi incorporado e ressignificado pela direita naquele momento” inicial, e tem sido representado pelo Movimento Brasil Livre – MBL, que tem como principal expoente Kim Kataguiri. Segundo ela, o MBL “não tem base, foi criado de baixo para cima, e não por acaso agrada justamente àqueles que nunca militaram politicamente”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Marina diz ainda que o MBL “nasceu dentro da ‘franquia’ Students for Liberty, grupo americano com representações no mundo todo, sustentado por fundações americanas de direita ligadas aos Koch Brothers e aos chamados ‘libertarians americanos que pregam o Estado minúsculo, a substituição pelas políticas públicas de inclusão pela mera meritocracia, a ausência de regulação da economia, a redução da carga tributária”. O objetivo do movimento, ressalta, é influenciar “os partidos de direita e não necessariamente que constituam um partido. Novamente o exemplo é o Tea Party, que reúne de defensores do livre mercado e da liberdade sexual aos defensores do livre mercado que se identificam com movimentos religiosos supertradicionais como o Opus Dei”.

Marina Amaral é jornalista há 32 anos. Vem atuando no jornalismo independente desde 1997. Integrou a equipe criadora da revista Caros Amigos, onde foi repórter e editora. É cofundadora e codiretora da Agência Pública de Jornalismo Investigativo. Marina assina o artigo “Jabuti não sobe em árvore: como o MBL se tornou líder das manifestações pelo impeachment”, publicado no livro Por que Gritamos Golpe (São Paulo: Boitempo, 2016), que reúne textos de diversos autores sobre o momento político brasileiro.

Confira a entrevista.

Foto: Agência Pública

IHU On-Line - Como compreender as manifestações de estudantes secundaristas e as manifestações de rua pró e contra o impeachment? Quais as semelhanças e dissociações?

Marina Amaral - Eu não sou especialista em movimentos sociais, nem socióloga ou antropóloga. Como jornalista, repórter, posso dizer o que observei. Na minha opinião, o movimento dos secundaristas está mais ligado aos protestos de junho de 2013 do que aos movimentos pró e contra o impeachment que vieram depois. Mesmo que haja um deslocamento de tempo em relação aos protestos de junho, o movimento dos secundaristas está mais diretamente ligado aos protestos por cidadania, e mesmo por democracia de fato.

Discute-se não apenas o direito à educação, mas o direito de ser ouvido nas decisões que os atingem, assim como os protestos de junho tinham como alvo os transportes públicos, a questão da mobilidade urbana e o direito de opinar sobre isso. O "não é por 20 centavos", que depois foi incorporado e ressignificado pela direita naquele momento, significava primordialmente, "não é por 20 centavos", é pelo direito de ser tratado como cidadão em todos os sentidos.

IHU On-Line - Quais relações são possíveis de se estabelecer entre as manifestações de 2013 e as manifestações de rua polarizadas entre “verdes-amarelos” e “vermelhos”?

Marina Amaral - Quem acompanhou os protestos de junho em São Paulo percebeu claramente o momento em que a direita começou a se apropriar do movimento por cidadania, por mais democracia. Foi depois que a repressão brutal da PM, que atingiu então também jornalistas da grande imprensa, foi condenada publicamente e eles passaram a ter coragem de ir às ruas. Houve então aquela condenação "aos partidos tradicionais", que na prática significava condenar o PT e colocá-lo como bode expiatório da não representatividade dos políticos, da corrupção, de todos os problemas do país. É um movimento muito característico da direita de apresentar-se como "apolítica" e jogar a carga ideológica na esquerda como fazem agora os defensores da Escola sem Partido.

E, como revelariam algumas reportagens depois, incluindo a investigação que fiz para a Pública sobre a "nova roupa da direita", esses movimentos "verde-amarelo" tinham laços estreitos com os partidos que faziam oposição ao PT - caso do Rogério Chequer, do Vem Pra Rua, ligado ao Aécio Neves e à juventude do PSDB - e com fundações da direita liberal (economicamente) do Brasil e, principalmente, dos Estados Unidos no caso de Kim Kataguiri e seu MBL.

"Kim Kataguiri foi o rosto escolhido para 'representar a marca', fez cursos de liderança política nos EUA sob as asas da Fundação Atlas, que reúne os conservadores americanos ligados ao Tea Party"

IHU On-Line - A esquerda entendeu ou não entendeu o grito das ruas de 2013? E a direita, entendeu ou não? Como podemos evidenciar a compreensão de cada uma dessas tendências no atual cenário político?

Marina Amaral - Acho essa pergunta muito complexa. Nem mesmo os cientistas políticos entenderam ainda o que aconteceu. Eu sou apenas uma jornalista.

IHU On-Line - O que está por trás da linha ideológica do Movimento Brasil Livre – MBL? No que esse grupo, em termos de organizações, se difere da lógica do Bloco de Lutas, por exemplo?

Marina Amaral - O MBL contou sua própria história na entrevista que fiz com um de seus fundadores, Juliano Torres, que deixou claro que o movimento nasceu dentro da "franquia" Students for Liberty, grupo americano com representações no mundo todo, sustentado por fundações americanas de direita ligadas aos Koch Brothers e aos chamados "libertarians" americanos que pregam o Estado minúsculo, a substituição pelas políticas públicas de inclusão pela mera meritocracia, a ausência de regulação da economia, a redução da carga tributária.

Kim Kataguiri foi o rosto escolhido para "representar a marca", como literalmente explicou Torres, que, junto com Fabio Ostermann, fez cursos de liderança política nos Estados Unidos sob as asas da Fundação Atlas, que reúne os conservadores americanos ligados ao Tea Party. Esse grupo não tem base, foi criado de baixo para cima, e não por acaso agrada justamente àqueles que nunca militaram politicamente.

IHU On-Line - Como analisa a relação do MBL com agentes políticos tradicionais? Quem são os ícones dessas relações e aproximações tanto do lado do movimento quanto do lado da política institucionalizada?

Marina Amaral - O MBL diz que o único político que os representa é o jovem deputado do PP gaúcho Marcel Van Hatten, sem se preocupar com o fato de Van Hatten ser bem mais conservador em relação aos costumes do que Kim Kataguiri, que pinta de moderno e irreverente. Mas isso não surpreende já que, como explicou o mentor do MBL, o presidente da Fundação Atlas, em entrevista para a Pública, o importante é que eles influenciem os partidos de direita e não necessariamente que constituam um partido. Novamente o exemplo é o Tea Party, que reúne de defensores do livre mercado e da liberdade sexual aos defensores do livre mercado que se identificam com movimentos religiosos supertradicionais como o Opus Dei. Por fim, Kataguiri acabou sendo consagrado pela grande imprensa e pelo setor mais fisiológico e conservador do Congresso como a "cara" do "povo" que pedia o Fora PT.

Desde logo eles foram abraçados pelos políticos e empresários que formam as fundações que têm como missão disseminar a ideologia de direita como o Instituto Millenium, o Instituto Liberal, o Instituto Ling. Não vamos esquecer que Van Hatten foi eleito com financiamento da Evora, dos irmãos Ling. E Ronaldo Caiado e Eduardo Cunha sempre foram próximos deles, diferentemente de Bolsonaro que pega uma direita mais militarista, menos "liberal".

"O MBL diz que o único político que os representa é o jovem deputado do PP gaúcho Marcel Van Hatten, sem se preocupar com o fato de ele ser bem mais conservador em relação aos costumes do que Kim Kataguiri"

IHU On-Line - Em que medida é possível afirmar que o espaço ocupado pelo MBL é um espaço vazio, ou que se esvaziou, ficando vago, no sentido em que nem a esquerda soube ocupar?

Marina Amaral - Não acho que o MBL ocupou um espaço vazio. Acho que ele criou seu espaço de forma planejada e patrocinada por essa direita representada nas fundações americanas. Tanto é que as mesmas fundações financiaram e patrocinaram a oposição de direita venezuelana, argentina e chilena.

IHU On-Line - No atual cenário de governo interino, como vem observando as ações do MBL e seus agentes políticos institucionalizados? É possível inferir no que estão mirando e como estão construindo sua teia?

Marina Amaral - Só percebo a presença deles depois do impeachment no movimento Escola Sem Partido. Acho que eles perderam muita força depois que o principal objetivo, Fora PT, se consolidou.

Entrevista de João Vitor Santos | Edição de Patricia Fachin

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Movimento Brasil Livre – MBL e junho de 2013. Uma franquia americana que depois do impeachment está presente no movimento Escola Sem Partido. Entrevista especial com Marina Amaral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU