15 Setembro 2023
"A juventude ou Geração Z, ou seja, os nascidos entre 1996 e 2011, é a que mais tem se preocupado com as questões ambientais, sendo o dilema moral e ético das gerações mais velhas saber que preparar nossas crianças para o futuro significa prepará-las para a possibilidade de não terem um futuro", escreve José Rodrigues Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba e doutor pela Universidade de Manchester, Reino Unido, em artigo publicado em seu blog, 04-09-2023.
Eis o artigo.
As Cortes de Justiça e até o Direito Romano estão sendo evocados como ferramentas usadas pela juventude na batalha das mudanças climáticas. As Institutas do Imperador Bizantino Justiniano (A.D, 535) sobre as coisas já diziam: Pela lei da natureza estas coisas são comuns a toda humanidade – o ar, água corrente, o mar e, consequentemente, suas praias.
Sabemos que a juventude ou Geração Z, ou seja, os nascidos entre 1996 e 2011, é a que mais tem se preocupado com as questões ambientais, sendo o dilema moral e ético das gerações mais velhas saber que preparar nossas crianças para o futuro significa prepará-las para a possibilidade de não terem um futuro.
Dois acontecimentos do momento sobre ações de mudanças climáticas merecem destaque nesta discussão. Um, acontecido há poucos meses, no Estado de Montana, nos Estados Unidos; outro, em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos com consequências severas sobre destruição ambiental e direitos humanos.
No caso de Montana, 16 jovens na faixa etária de 5 a 22 anos, moveram uma ação denominada de Held vs Montana, a primeira ação constitucional do país liderada por jovens, a qual foi julgada em junho próximo passado.
Nesta ação judicial o tribunal de Montana decidiu em favor dos jovens, ao alegar que o Estado violou o direito deles de ter um ambiente limpo e saudável, ao promover a utilização de combustíveis fósseis. Para o tribunal, o Estado não considerou as mudanças climáticas ao aprovar projetos de combustíveis fósseis, considerados inconstitucionais pela Constituição de Montana.
Para muitos, o tribunal simplesmente aprovou o que diz a ciência. Durante os cinco dias de julgamento, os jovens focaram nos seus direitos constitucionais, mencionando os danos a que estavam sendo submetidos.
Held, de 22 anos, em nome de quem a ação foi encaminhada, detalhou o quanto a sua família tem sofrido em seu rancho, enquanto outro de 15 anos, acometido de asma, descreveu ser um prisioneiro de sua própria casa por não suportar a fumaça das queimadas. Para Held, pela primeira vez na vida, começou a pensar em ter um futuro.
Para muitos, este julgamento foi um marco, uma vez que várias outras ações se alastrarão pelo país e pelo mundo. Para outros, os tribunais podem proteger melhor as pessoas de danos ambientais do que o poder legislativo, capturado pelas indústrias de combustíveis fósseis e sem compromissos com questões climáticas.
No Brasil, o STF começou o julgamento da indecência do chamado marco temporal, que é inconstitucional e fere os direitos dos indígenas. Depois de vários anos engavetado, o caso vem a julgamento, num momento em que a maioria da Câmara de Deputados, em defesa das corporações e latifúndios, é favorável à aprovação deste projeto farsante.
Não se pode deixar que uma matéria desta natureza seja julgada por um Congresso favorável aos interesses de minorias gananciosas. O povo, através de um plebiscito, deve decidir sobre a distribuição de terras no país, incluindo uma reforma agrária voltada para um desenvolvimento sustentável. Tomar as terras dos índios e expulsá-los de sua posse é uma indecência inaceitável.
O latifúndio no país resulta em queimadas de nossas florestas, como vimos há pouco tempo, fortalecendo uma agricultura subsidiada em benefícios de poucos e um agronegócio insustentável, tóxico e nocivo ao país.
As áreas de sustentabilidade e direito, de mãos dadas, podem reduzir os efeitos das mudanças climáticas, científica e legalmente, oferecendo ao país e ao mundo um modelo de desenvolvimento sustentável. Já passou do tempo de se combater a poluição e contaminação de nossos rios, o efeito estufa e poluição de pums de bois e, como estão fazendo os europeus, redução de nosso rebanho bovino.
Espera-se que o STF julgue o caso considerando as mudanças climáticas, os direitos humanos e o mundo em chamas. Enfim, o marco temporal é o caminho de uma minoria gananciosa que quer submeter este país ao inferno das chamas de fogo, negando um futuro para as próximas gerações.
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