Latifúndio: arma mortífera de exploração?

Foto: Vismar Ravagnani | Flickr CC

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

17 Novembro 2021

 

"A luta pela terra desperta nos Sem Terra a necessidade e a coragem de lutar de forma coletiva. Luta que não é revanche e nem vingança, mas justiça, ato de amor aos latifundiários, pois retira das mãos deles uma arma mortífera da exploração: o latifúndio. E, na luta pela terra, os Sem Terra, ao transformar a estrutura fundiária em uma estrutura social com equidade, podem ancorar lutas não apenas por emancipação política, mas emancipação humana", escreve Gilvander Moreira.

 

Gilvander Moreira é Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG.

 

Eis o artigo. 

 

A reflexão estimula o sem-terra, o sem-teto, o atingido pela mineração devastadora, o negro, a pessoa vítima da homofobia e todas as pessoas exploradas e/ou discriminadas a descobrir-se como oprimido, superexpropriado pelo capital nas suas relações sociais no campo e na cidade, mas também como ser com potencial para ser mais. No entanto, a reflexão precisar ser feita em sintonia com o processo existencial de opressão vivenciado pelos sem-terra, pelos sem-teto e todos os outros oprimidos e explorados. Mais do que “convivência” com o regime opressor, trata-se se subserviência, de servidão consentida e assimilada. O pedagogo Paulo Freire reconhece que não basta a reflexão, mas é necessário ação; alerta, porém, que seja ação e reflexão, isto é, práxis, que não é apenas ação, mas atuação dentro das condições materiais objetivas, pensada a partir das contradições de classe e de todas as outras facetas de opressão que se abatem sobre os sem-terra, os sem-teto e sobre toda a classe camponesa e a classe trabalhadora. “Ação e reflexão, como unidade que não deve ser dicotomizada. [...] Ação junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, “ação cultural” para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles” (FREIRE, 2005, p. 60), jamais sobre, para ou por eles.

Há, sim, na luta pela terra e pela moradia um potencial emancipatório da condição de camponês oprimido e da pessoa violentada na sua dignidade na cidade no esforço de se libertar e, assim, transformar as circunstâncias sociais das condições materiais, engajando-se na luta por emancipação não só sua, mas de toda a classe trabalhadora e do campesinato. Nesse sentido afirma Paulo Freire: “Quem melhor que os oprimidos se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá melhor que eles os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade” (FREIRE, 2005, p. 34).

Parodiando Paulo Freire: Quem compreenderá a crueldade terrível do latifúndio, da propriedade privada capitalista da terra e do capital no campo melhor do que os sem-terra que adquirem coragem e se engajam na luta pela terra? Quem sentirá no próprio corpo melhor que os sem-terra a superexpropriação a que são submetidos? A luta pela terra desperta nos Sem Terra a necessidade e a coragem de lutar de forma coletiva. Luta que não é revanche e nem vingança, mas justiça, ato de amor aos latifundiários, pois retira das mãos deles uma arma mortífera da exploração: o latifúndio. E, na luta pela terra, os Sem Terra, ao transformar a estrutura fundiária em uma estrutura social com equidade, podem ancorar lutas não apenas por emancipação política, mas emancipação humana. A luta pela terra desmascara até a falsa generosidade de pessoas ligadas à estrutura do capital.

A luta pela terra em busca de emancipação implica fazer história, mas para fazer história os homens e as mulheres têm de estar em condições de viver: satisfazer suas necessidades e se reproduzir. É o que Marx e Engels explicam: “Para viver, precisa-se, antes de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter as pessoas vivas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 33).

Pelo trabalho, o ser humano – homem e mulher – produz os meios de vida própria e, no modo de produção capitalista, produz principalmente para o alheio. O ser humano produz muitas mercadorias, no entanto, não produz a terra. Por isso, a terra, embora esteja associada ao modo de produção capitalista, não é capital, pois não é fruto do trabalho humano. “Assim, a terra não gera lucro, como o faz o capital, mas sim renda” (OLIVEIRA, 2007, p. 63). Relações natural e social estão presentes na produção e reprodução da vida desde a ação de procriar. “A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na procriação, aparece desde já como uma relação dupla – de um lado, como relação natural, de outro como relação social -, social no sentido de que por ela se entende a cooperação de vários indivíduos, sejam quais forem as condições, o modo e a finalidade” (MARX; ENGELS, 2007, p. 34).

Um determinado modo de produção ou certo tipo de crescimento industrial, com suas respectivas forças produtivas, condiciona as relações sociais que se estabelecem entre as pessoas na sociedade. “Segue-se daí que um determinado modo de produção ou uma determinada fase industrial estão sempre ligados a um determinado modo de cooperação ou a uma determinada fase social – modo de cooperação que é, ele próprio, uma “força produtiva” -, que a soma das forças produtivas acessíveis ao homem condiciona o estado social e que, portanto, a “história da humanidade” deve ser estudada e elaborada sempre em conexão com a história da indústria e das trocas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 34).

Somente após produzir em relações históricas o atendimento às suas necessidades básicas – alimentação, moradia, vestuário etc. -, o ser humano aparece como tendo consciência, mas, desde o início, não é consciência pura, pois está sempre condicionada pela matéria, por relações materiais. A linguagem nasce da necessidade de relação social e expressa a consciência, produto social forjado nas condições históricas objetivas. Enfim, pelo analisado acima, o latifúndio é, de fato, arma mortífera de exploração, porque aprisiona a terra em propriedade privada capitalista e, assim, cria as condições materiais objetivas para a reprodução da brutal injustiça social e desigualdade reinante no nosso país.

 

Referências:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 47.ª edição. Rio de Janeiro: Edições Paz e Terra, 2005.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007. Disponível em 

 

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

 

1 - CPT-MG 40 anos - Madalena: "Nossa luta é contra o latifúndio, arma mortífera" - Vídeo 5 - 07/3/2018

 

 

 

2 - Ameaçado por lutar contra o latifúndio, DIM CABRAL, da Cooerco.SD, Uberlândia/MG. Justiça! 24/5/18

 

 

 

3 - Violência do latifúndio cresce no norte de MG/Audiência Pública/ALMG/Toninho do MST. 25/4/2018

 

 

 

4 - Latifundiários perseguem agentes da CPT no Baixo Jequitinhonha, mas povo Sem Terra repudia. 10/06/16

 

 

 

5 - Marco temporal: terra para os Povos Indígenas ou para o agronegócio devastador? Por Frei Gilvander

 

 

 

 

6 - Você sabe de onde vem a sua comida? O agronegócio envenena a comida do povo. Episódio 1 – Greenpeace

 

 

 

7 - "Libertar do agronegócio" (Jefferson/Sindieletro). Acampamentos do MST/Campo do Meio/MG. Vídeo 7

 

 

 

Leia mais