O mundo conta com a ajuda do Papa Francisco para encerrar a guerra da Ucrânia, diz embaixador estadunidense

Foto: Pixabay

18 Mai 2022

 

Joseph Donnelly, embaixador dos EUA para a Santa Sé, fala sobre OTAN, envio de suprimentos militares à Ucrânia e a possível visita papal a Kiev.

 

A reportagem é de Christopher White, publicada por National Catholic Reporter, 18-05-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

A primeira vez que o embaixador Joseph Donnelly pisou dentro da Basílica de São Pedro foi poucas horas depois de chegar em Roma, em 16 de março, quando ele assistiu a um serviço de oração pela paz com diplomatas de todo o mundo, incluindo Ucrânia e Rússia.

 

Colocando os olhos na Pietà de Michelangelo, ele disse que a “agonia no rosto da Santíssima Mãe era tão real”, especialmente à luz da guerra feroz. A guerra na Ucrânia rapidamente se tornou a prioridade internacional mais urgente do presidente Joe Biden e, como representante de Biden no Vaticano, Donnelly acredita que os Estados Unidos têm um parceiro crítico aqui para ajudar a trazer a paz.

 

“Sei que o resto do mundo, quando esperam que uma pessoa resolva esse problema, olham para o papa”, disse Donnelly ao NCR em 16 de maio, em sua primeira entrevista a uma agência de notícias dos EUA desde sua chegada a Roma.

 

“Os Estados Unidos farão qualquer coisa humanamente possível para fazer parceria com o Vaticano ou qualquer outra pessoa para ver uma conclusão pacífica para a Ucrânia”, disse ele.

 

Desde que se mudou para cá há dois meses para assumir seu novo posto — aos 66 anos, isso marca sua primeira vez na Cidade Eterna — a guerra da Rússia contra a Ucrânia dominou grande parte do tempo de Donnelly, incluindo sua primeira conversa com o Papa Francisco quando ele formalmente apresentou suas credenciais diplomáticas em 11 de abril.

 

Como ex-membro do Congresso, Donnelly tem um profundo conhecimento da Ucrânia, tendo atuado no Comitê de Serviços Armados do Senado dos EUA e como membro democrata de seu Subcomitê de Forças Estratégicas. Nessa função, ele visitou a Ucrânia em várias ocasiões, o que, diz ele, deu-lhe uma compreensão em primeira mão de quanto o país depende do apoio dos EUA para se defender da agressão russa.

 

“Temos papéis diferentes” é como ele descreve as diferentes abordagens dos Estados Unidos e da Santa Sé em ações para assegurar a paz.

 

“Algumas pessoas disseram: 'Meu Deus, você trabalha com o Vaticano, eles podem ser os únicos que podem resolver isso'”, lembrou Donnelly. “E essa posição é compartilhada em todo o mundo”

 

“O que tentamos fazer é ser um bom parceiro do Vaticano”, disse ele.

 

Uma maneira de fazer isso, ele continuou, é “respondendo a quaisquer perguntas que eles possam ter e dizendo-lhes muito claramente como vemos isso como uma invasão russa de um país soberano e que a Rússia tem cometido um genocídio”.

 

Os Estados Unidos também enviaram à Ucrânia um suprimento constante de armas, fornecendo mais de 3 bilhões de dólares em ajuda militar.

 

Após a eclosão da guerra, Francisco lamentou o aumento dos gastos com defesa das nações ocidentais para adquirir mais armas. No entanto, nas últimas semanas, o ministro das Relações Exteriores do Vaticano deixou claro que o Vaticano acredita que a Ucrânia tem o direito de se defender e isso inclui receber armas de outros países, desde que a resposta seja “proporcional”.

 

Donnelly disse que recebeu bem essa afirmação e observou que “a verdade sobre [o presidente russo] Vladimir Putin é a única maneira de detê-lo”.

 

“A única maneira de detê-lo é fazer isso, e a maneira como a Ucrânia conseguiu fazer isso é por meio de amigos como os Estados Unidos, que forneceram o equipamento necessário para se proteger”, disse ele.

 

“O que foi visto em Bucha teria acontecido em todas as cidades da Ucrânia se não estivéssemos lá para ajudar”, disse ele, referindo-se à cidade ucraniana onde as forças russas massacraram cerca de mil civis e abandonaram seus corpos em valas comuns.

 

Donnelly também falou sobre a entrevista de Francisco em 3 de maio ao jornal italiano Corriere della Sera, onde o papa se perguntou em voz alta se “os latidos da Otan nos portões da Rússia” poderiam ser a justificativa de Putin para sua agressão contra a Ucrânia. Essa entrevista provocou alguma reação dos defensores da aliança militar transatlântica.

 

“Está muito claro que isso não foi causado pela OTAN”, disse Donnelly. “Isso foi causado pela decisão de Vladimir Putin de atacar e invadir a Ucrânia e, portanto, acho que o Vaticano analisará essas observações”.

 

Donnelly disse que os comentários também devem ser entendidos “no arco geral das declarações do papa” sobre a guerra.

 

“O papa está claro que seu coração está com a Ucrânia, que ele quer a paz e que quer que isso acabe”, disse ele.

 

Na mesma entrevista italiana, o papa também disse que se ofereceu para visitar Moscou para ajudar a pôr fim à guerra, e que sentiu que seria necessário primeiro visitar a Rússia antes de considerar uma visita à capital ucraniana de Kiev.

 

“Aonde quer que o papa possa ir para tentar alcançar a paz, acho importante”, disse Donnelly, mas acrescentou que “nós [os Estados Unidos] temos muita esperança de que ele vá para Kiev”.

 

Embora a guerra na Ucrânia tenha dominado as primeiras semanas de Donnelly no cargo, ele disse que há uma série de questões que ele espera também ajudar a destacar durante seu tempo aqui, incluindo migração, assistência médica e mudanças climáticas.

 

Durante seu mandato na Câmara dos Deputados, Donnelly – um democrata pró-vida – votou criticamente a favor do chamado Obamacare e mais tarde, uma vez eleito para o Senado dos EUA, lutou com sucesso contra sua revogação.

 

Em Roma, ele vê isso como uma área natural de parceria entre os EUA e a Santa Sé, observando que aproximadamente 25% dos cuidados de saúde do mundo são fornecidos pela Igreja Católica.

 

Embora Donnelly diga estar consciente de que nos próximos meses possa continuar a tensão entre o governo Biden, os bispos estadunidenses e a Santa Sé quando um marco da Suprema Corte sobre o aborto vir a julgamento – propensos a derrubar Roe vs. Wade, a decisão do tribunal de 1973 que forneceu um direito constitucional ao aborto – ele diz que isso não interferirá na relação de parceria entre os dois Estados.

 

“O Vaticano e os Estados Unidos concordam em tantas questões. Muito mais questões do que discordamos”, disse ele. “E como embaixador, estou concentrando meus esforços nesses locais de acordo e cooperação”.

 

Em outro assunto delicado, o da relação da Santa Sé com a China, Donnelly diz que os EUA continuam deixando claro que acreditam que a China é um grave infrator de direitos humanos, principalmente quando se trata de liberdade religiosa.

 

Essas preocupações foram colocadas em foco quando o cardeal Joseph Zen, o ex-bispo católico de Hong Kong de 90 anos e um crítico aberto do regime comunista de Pequim, foi preso por seu apoio aos protestos pró-democracia.

 

Donnelly caracterizou a prisão de Zen como “ultrajante” e disse que os EUA registraram suas preocupações com a Santa Sé.

 

Apesar do estado sombrio dos assuntos mundiais, Donnelly diz que considera um privilégio estar em Roma, onde considera Francisco e seus colegas diplomatas do mundo como “colegas de equipe”, ansiosos por trabalhar juntos pelo bem comum.

 

Como católico de berço e frequentador da Paróquia Santo Antônio de Pádua, em South Bend, Indiana, Donnelly diz que ainda é um pouco inebriante que ele esteja representando os Estados Unidos na Santa Sé, mas brinca que no tempo em que participou do conselho escolar católico local teve seus próprios desafios e provou ser um bom campo de treinamento para navegar nas complexidades da diplomacia do Vaticano.

 

O novo embaixador acrescentou, com um sorriso: “Foi igualmente desafiador”.

 

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