20 Fevereiro 2017
Em mensagem enviada ao Encontro Mundial dos Movimentos Populares a se realizar em Modesto, na Califórnia, o Papa Francisco pediu que os participantes resistam à tentação de demonizar os outros. Em vez disso, pediu que protejam a terra porque “o tempo está se esgotando” e lutem contra “a tirania invisível do dinheiro que só garante os privilégios de alguns”.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 17-02-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em mensagem ao Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em sua edição regional nos EUA que ocorre entre os dias 16 e 19 deste mês em Modesto, na Califórnia, o Papa Francisco disse às lideranças reunidas que “nenhum povo é criminoso e nenhuma religião é terrorista”.
O papa também instou os participantes a protegerem a terra, porque “o tempo está se esgotando”, e a lutar contra a “a tirania invisível do dinheiro que só garante os privilégios de alguns”.
O atual sistema, disse Francisco, causa um sofrimento enorme à família humana, simultaneamente agredindo a dignidade das pessoas e o planeta.
As realidades presentes, segundo eles, “a menos que sejam trabalhadas de modo eficaz”, podem desencadear “processos de desumanização que serão difíceis de reverter”.
Alterar o curso para além destes “pontos de inflexão históricos”, isto é, a maneira em que se pode resolver essa crise profunda, “irá depender do envolvimento e da participação das pessoas, em grande parte é realizado pelos movimentos populares”.
A missão dos movimentos populares, disse Francisco, é trabalhar localmente, junto com aquele que está próximo, de modo auto-organizado, para fazer prosperar as comunidades.
Os movimentos representam um conjunto de organizações não governamentais, proeminentes particularmente na América Latina, e incluem vendedores ambulantes, pescadores, agricultores, membros dos “povos originários” e “cartoneros”, pessoas que passam pelos lixos em busca de mercadorias recicláveis.
A mensagem de Francisco foi lida em inglês e em espanhol pelo Cardeal Peter Turkson, de Gana, prefeito do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral. A Campanha pelo Desenvolvimento Humano, da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, e a organização PICO National Network são as organizadoras do evento, juntamente com o departamento vaticano liderado por Turkson.
Cerca de 700 lideranças religiosas e comunitárias de 12 países diferentes estão participando do encontro de quatro dias, que já antes das eleições de novembro já estava em preparação.
Segundo o Pe. Michael Czerny, jesuíta, assessor de Turkson e coordenador da seção para migrantes e refugiados do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, os organizadores vêm trabalhando neste evento há vários anos, depois de terem participado nas edições ocorridas em Roma, em 2014, e em novembro de 2016, além do encontro ocorrido na Bolívia em julho de 2015.
“Como podemos ver, este encontro está sendo muito oportuno”, disse Czerny sobre o fato de o evento estar acontecendo nos Estados Unidos neste momento.
Czerny é um dos vários palestrantes a participar do encontro, que inclui Dom José Gómez, de Los Angeles, Dom Oscar Cantú, de Las Cruces, e a liderança social argentina Juan Grabois.
Este é o primeiro encontro dos movimentos populares promovido pelo Vaticano que não conta com a presença do Papa Francisco. Visto que ele visitou o país em 2015, a sua presença este ano no país não era esperada.
O pontífice argentino pediu que os líderes de organizações de base não fiquem paralisados pelo medo, que é um produto da crise atual. Pelo contrário, pediu que reconheçam os perigos e as oportunidades que o momento representa.
“O grave perigo é rejeitar o próximo”, escreveu Francisco em sua mensagem. “Quando assim fazemos, negamos a humanidade dele e a nossa própria também, sem perceber; negamos a nós mesmos, e negamos os mandamentos mais importantes de Jesus”.
Mais cedo ou mais tarde, segundo ele, a “cegueira moral desta indiferença vem à luz”, e as feridas escondidas causadas por ela se tornam visíveis: “O desemprego é real, a violência é real, a corrupção é real, a crise de identidade é real, o esvaziamento das democracias é real”.
Especificando que não estava falando sobre alguém em particular, mas de um processo político e social que floresce em todo o mundo, Francisco afirmou que “a gangrena de um sistema não pode ser camuflada eternamente porque antes ou depois se sente o mal cheiro e quando não pode ser mais negada pelo próprio poder que criou este estado de coisas, nasce a manipulação do medo, a insegurança, a raiva, incluindo a indignação das pessoas, e se transfere a responsabilidade de todos os males a um que não está próximo”.
O próximo, segundo o papa, pode ser qualquer pessoa necessitada: “Vocês devem se tornar um samaritano” e também o “dono da pensão ao qual o samaritano confia, no final da parábola, a pessoa que sofre”.
A Igreja, a comunidade cristã, as pessoas de compaixão e solidariedade e as organizações sociais são o dono da pensão, disse Francisco.
Em seguida, o papa falou do compromisso de o encontro lutar por justiça social, defender a “nossa Irmã Mãe Terra” e a ficar ao lado dos migrantes.
Sobre isso, Francisco disse que queria dividir duas reflexões.
A primeira é o fato de que a crise ecológica é real, e que um consenso científico sólido indica “que estamos atualmente testemunhando um aquecimento perturbador do sistema climático”. Ele reconheceu que a ciência não necessariamente é “neutra”, pois “muitas vezes ela oculta planos ideológicos ou interesses econômicos”.
No entanto, continuou, “nós também sabemos o que acontece quando negamos a ciência, quando desconsideramos a voz da natureza”, escreveu para, na sequência, pedir que os católicos, mas também os povos nativos, pastores e líderes políticos, evitem cair na negação e, pelo contrário, defendam a criação porque “o tempo está se esgotando”.
A segunda reflexão que ele trouxe ao grupo é uma que já havia sido feita em novembro durante o Encontro Mundial dos Movimentos Populares ocorrido em Roma: “Nenhum povo é criminoso e nenhuma religião é terrorista. Não existe o terrorismo cristão, nem o judeu ou muçulmano”.
Em lugar disso, o papa sustentou que as formas diferentes de agressão e conflito encontram um terreno fértil entre os povos mais pobres e que, se a eles fossem dadas oportunidades iguais, as coisas seriam diferentes.
“Existem indivíduos fundamentalistas e violentos em todos os povos e em todas as religiões – e com as generalizações intolerantes eles se tornam mais fortes porque se alimentam de ódio e xenofobia”, disse Francisco. “Ao confrontarmos o terror com amor, trabalhamos pela paz”.
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“Nenhum povo é criminoso e nenhuma religião é terrorista”, afirma o Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU