02 Junho 2023
Com reforço bolsonarista, bancada ruralista gerou 214 dos 283 votos que aprovaram PL 490/2007; texto que vai ao Senado estipula que povos originários comprovem presença contínua nos territórios desde 1988; tese ignora invasões do agronegócio e inviabiliza novas demarcações.
A reportagem é de Bruno Stankevicius Bassi, publicada por De Olho nos Ruralistas, 31-05-2023.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) — a face institucional do lobby político de latifundiários e mega corporações agrícolas no Congresso — impôs uma nova derrota ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Após articular o esvaziamento das pastas de Meio Ambiente e dos Povos Indígenas na MP da Reestruturação Ministerial, a bancada ruralista promoveu a votação do Projeto de Lei (PL) nº 490/2007, que estabelece o Marco Temporal como critério para demarcação de terras indígenas. O texto foi votado ontem (30) no plenário da Câmara, por decisão do presidente Arthur Lira (PP-AL) — ele próprio um integrante da FPA.
Ministra Sônia Guajajara e deputada Célia Xakriabá protestam contra votação (Foto: Lula Marques | Agência Brasil)
Dos 283 votos a favor da aprovação da proposta, 214 partiram da frente do agronegócio. Isto é, 75,6% dos deputados favoráveis à limitação da demarcação de terras indígenas do Brasil são membros efetivos da FPA. O número demonstra o crescimento da bancada ruralista em relação à última legislatura, detectada ainda em abril pelo De Olho nos Ruralistas: “PL compõe 1/4 da bancada ruralista na Câmara, que chega a 300 deputados“. A FPA responde hoje por 58% dos assentos da Câmara.
Descontando os 12 membros da frente que integram a federação PT-PCdoB-PV — que orientou a bancada a votar contra o Marco Temporal — 284 deputados estavam livres para votar como quisessem. Destes, 243 compareceram à sessão de ontem. Ou seja: 86% dos ruralistas presentes ratificaram a posição da FPA — um número superior ao índice de governismo da base aliada de Lula. A federação PSOL-Rede, que também orientou voto contrário ao projeto, não possui nenhum membro na FPA.
Relatado por Arthur Oliveira Maia (União-BA), um pecuarista, o PL 490/2007 transfere para o Legislativo a atribuição de demarcar terras indígenas (TIs) e estabelece como critério a tese do Marco Temporal, que considera válidas apenas as áreas ocupadas por indígenas de forma ininterrupta desde 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Criada durante o julgamento da demarcação da TI Raposa Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a tese ignora o histórico de invasões, expulsões e violências perpetrados pelo agronegócio contra os povos originários nos últimos 35 anos, conforme mostrou o relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado em abril por este observatório.
O texto segue agora para o Senado, onde a FPA também detém 58% dos assentos.
Frente Agropecuária articula com Supremo para adiar o julgamento
A aprovação do PL 490/2007 é um desejo antigo da FPA. Escrita por um dos fundadores da frente, o falecido deputado mato-grossense Homero Pereira, a proposta passou a incorporar a tese do Marco Temporal durante sua passagem pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, entre 2019 e 2021, onde foram apensadas projetos de lei anteriores que versavam sobre o tema. Após a publicação do relatório final, a FPA tentou diversas vezes passar requerimentos de urgência, sem sucesso.
Nesse meio tempo, a bancada articulava para que o STF postergasse o julgamento sobre o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, com repercussão geral, que trata justamente da aplicabilidade do marco temporal para a demarcação da TI Ibirama Laklãnõ, do povo Xokleng, em Santa Catarina. O julgamento está suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Até o momento, foram proferidos os votos do relator, ministro Edson Fachin, contra o Marco Temporal, e do ministro Nunes Marques, a favor. Desde 2021, o projeto é considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF).
De Olho nos Ruralistas revelou que a FPA articulou diretamente com ministros do STF o adiamento de uma sessão sobre o caso, marcada para agosto de 2021. A informação constava de uma entrevista do ex-deputado, então vice-presidente da frente.
Ontem, durante a sessão que aprovou o projeto do Marco Temporal na Câmara, líderes da FPA subiram à tribuna para clamar ao STF que suspenda a votação do RE 1.017.365, marcada para 07 de junho. O relator do PL 490/2007, o deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), pediu que o Supremo “se abstenha” de julgar o projeto: “O País não pode viver num limbo de insegurança”, exclamou, utilizando um dos principais chavões ruralistas em prol da limitação das demarcações de terras indígenas.
O deputado Fábio Garcia (União-MT), coordenador político da frente, disse hoje, em entrevista à Rádio Bandeirantes, esperar que a votação “sensibilize” o Supremo e que “não haja interferência do Judiciário no Legislativo”.
Leia mais
- Não ao Marco Temporal e ao PL 490! Sinal amarelo para o Governo Lula e vermelho para os Indígenas?
- Principais financiadores da bancada ruralista faturam mais de R$ 1,47 trilhão
- Avança no Senado projeto de lei que dá autocontrole ao agronegócio
- IHU Cast – Pandemia, guerra, fome e a insustentabilidade do agronegócio
- Brasil, agronegócio e geopolítica
- Expansão do agronegócio no Brasil: concentração de ganhos e socialização de perdas. Entrevista especial com Tatiana Oliveira
- Nota de repúdio ao pronunciamento de deputados favoráveis ao marco temporal e contra o direito originário dos povos
- Tuitadas. Duro golpe. A boiada ficou e novamente está passando
- Congresso passa a boiada, e governo abre a porteira
- País levou menos de cinco meses para tentar nos calar novamente, diz Sônia Guajajara
- Em governo Lula, área ambiental corre o risco de ser dominada por modelo bolsonarista
- Lula e Marina
- Se Lula rifar o meio ambiente, seu governo acaba. Artigo de Eliane Brum
- Ataque do Congresso aos direitos indígenas afronta Constituição e reforça importância de derrotar marco temporal
- ‘Genocídio legislado’: Lira quer votar marco temporal das terras indígenas na próxima semana
- Rejeitar o marco temporal é responsabilidade do Estado brasileiro, afirmam organizações em declaração à RPU
- Marco temporal: indígenas decidem seguir em mobilização em Brasília
- Ao STF, indígenas pedem a retomada do julgamento do marco temporal e alertam para genocídio dos povos
- Criação do Comitê de Resistência à MP 490
- PL 490 também prejudica a saúde da população originária
- PL 490: veja como votaram deputados e partidos na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara
- Ruralistas e bolsonaristas aprovaram o PL490, projeto de lei inconstitucional que abre caminho a mais um genocídio indígena. Os indígenas recorreram ao STF e precisam da nossa ajuda
- Governo Bolsonaro certificou 239 mil hectares de fazendas dentro de áreas indígenas
- Para Eloy Terena, da Apib, Funai usa “táticas abolidas há 100 anos” e Marco Temporal é “erosão”
- Ao STF, indígenas pedem a retomada do julgamento do marco temporal e alertam para genocídio dos povos
- O futuro das Terras Indígenas em jogo. Artigo de Eloy Terena
- Perseguição e criminalização aos povos indígenas recrudesce em meio a pandemia. Entrevista especial com Eloy Terena
- Julgamento de Terra Indígena Ibirama-Laklanõ no STF traz à tona importância de assegurar direitos aos povos originários. Entrevista especial com Eloy Terena
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Frente Parlamentar da Agropecuária reuniu 76% dos votos a favor do Marco Temporal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU