16 Setembro 2022
"As potências do Golfo, a Turquia neo-otomana, a China, a Rússia e os EUA, que competem pelo controle das prósperas rotas comerciais do Mar Vermelho e dos recursos naturais com cabos de guerra e vetos cruzados nas mesas de negociação e na ONU. A guerra ainda é um negócio para esses países, produtores e vendedores de armas. Destacam-se também a corrupção e a incapacidade da classe dominante local de superar as divisões étnicas e de clã", escreve Paolo Lambruschi, jornalista, em artigo publicado por Avvenire, 14-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na indiferença global no Chifre da África está ocorrendo a maior tragédia desta "terceira guerra mundial em pedaços", como a define o Papa. A culpa de três flagelos bíblicos concentrados aqui como em nenhum outro lugar do planeta.
A peste, porque aqui a Covid não é cuidada e é considerada um mal menor do que as doenças tornadas letais pela pobreza e pela falta de acesso de medicamentos e tratamentos. A fome, bem conhecida das populações dessa porção da África, tornou-se agora carestia por quatro anos de colheitas perdidas devido à seca causada pelas alterações climáticas e pelos conflitos. E a guerra, de fato, tanto aquela guerra civil na Somália entre os terroristas jihadistas de al-Shabab e as autoridades nacionais, quanto aquela que no Tigré foi reiniciada em 24 de agosto entre os governos central e local, responsável por um atraso de meio século nas condições de vida dos tigrinios submetidos por um ano ao bloqueio de serviços essenciais e ajudas humanitárias. As populações etíopes setentrionais estão sofrendo uma onda de violência nunca vista antes com estupros em massa, massacres de civis desarmados, destruição de hospitais e escolas, bombardeios indiscriminados por drones.
Não há risco que daqui venha a começar um conflito nuclear que ponha em perigo a humanidade, é claro. Mas é insuportável – ou deveria ser – pensar que multidões de seres humanos estão em risco, quase vinte milhões de pessoas estão em risco, entre a Etiópia, a Eritreia e a Somália. E muitos idosos, mulheres e especialmente crianças com menos de cinco anos já estão morrendo de fome em casa e na rua, segundo o que declararam as organizações humanitárias internacionais ligadas à ONU, como FAO, OMS e OCHA. E ninguém, em primeiro lugar a União Africana, consegue parar o desastre. Os fluxos migratórios descontrolados que engordam os traficantes e nos assustam nascem assim nesta faixa oriental do grande continente onde se convive há décadas com instabilidades e conflitos que sufocam as enormes potencialidades de desenvolvimento. Nessa área, as consequências da guerra na Ucrânia foram particularmente pesadas porque a dependência do trigo e dos fertilizantes russos e ucranianos era alta e a comunidade internacional se distraiu. Em julho, apenas 4% das ajudas internacionais necessárias haviam chegado e em agosto, 17%.
As responsabilidades pelo desastre no Chifre da África são de muitos.
Em primeiro lugar, as potências do Golfo, a Turquia neo-otomana, a China, a Rússia e os EUA, que competem pelo controle das prósperas rotas comerciais do Mar Vermelho e dos recursos naturais com cabos de guerra e vetos cruzados nas mesas de negociação e na ONU. A guerra ainda é um negócio para esses países, produtores e vendedores de armas. Destacam-se também a corrupção e a incapacidade da classe dominante local de superar as divisões étnicas e de clã. Para não falar da questão subestimada e não resolvida da Grande Barragem Etíope no Nilo, que cria tensões contínuas com o Sudão e o Egito, por sua vez partidários dos inimigos de Adis Abeba, como justamente os líderes tigrinios do TPLF.
Somália e Etiópia, que nunca foram amigas, voltaram, por exemplo, a se olhar com desconfiança porque o novo presidente somali, Sheikh Mohamud, é considerado pró-tigrinios. E, finalmente, há as grandes responsabilidades do primeiro-ministro etíope Abiy, Prêmio Nobel da Paz 2019, que corre o risco de levar a Etiópia ao colapso econômico e social após quase dois anos de conflito fratricida no Tigré. Em que a Eritreia está envolvida ao lado de Adis Abeba e seus aliados regionais, oprimida por uma ditadura de vinte anos que pela primeira vez um diplomata estadunidense – Steve Walker, ex-encarregado de negócios de Asmara – definiu "intrinsecamente tóxica" para o Chifre. Ou seja, é a causa e não a solução da instabilidade da região, tanto que os EUA colocaram negociadores etíopes e do Tigré em torno de uma mesa em Djibuti para chegar a uma virada.
E Roma? Apesar dos laços históricos, nessa guerra permaneceu essencialmente a assistir depois de trinta anos em que de fato esqueceu do Chifre. Mas nesta área da África, onde missionários e colaboradores continuaram a ficar com os pobres, continua a haver uma forte demanda pela Itália. O que significa a capacidade de formar não apenas militares, mas médicos, engenheiros e agrônomos. O que não significa armas sofisticadas, mas empresas que trabalhem bem e um estilo de vida invejado por muitos por ser filho da paz.
(Mapa: Reprodução)
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Os olhos fechados causam massacre. As guerras ignoradas no Chifre da África - Instituto Humanitas Unisinos - IHU