Arcebispo ucraniano se opõe a declarações papais, diz que as causas da guerra "estão dentro da própria Rússia"

Um dia após a publicação dos comentários do Papa Francisco sobre a possibilidade de a Rússia ser provocada pela Otan a invadir a Ucrânia, o chefe da Igreja Greco-Católica Ucraniana disse que aqueles que pensam que houve uma provocação externa estão sob o domínio da propaganda russa.

A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 16-06-2022.

“O dom da razão do Espírito Santo é tão necessário no mundo de hoje para que as artimanhas do diabo não enganem a pessoa humana”, disse o arcebispo Sviatoslav Shevchuk, chefe da Igreja Greco-Católica Ucraniana.

Vivendo em um “mundo de falsidades, quando o que se deseja é apresentado como real”, o dom da razão do Espírito Santo é necessário para não “sucumbirmos a essa névoa aparente que o tentador quer nos inspirar, para que eles poderia mergulhar na realidade e entendê-la e conhecê-la corretamente.”

“Esse dom do Espírito Santo é tão necessário para aqueles que têm responsabilidades especiais, tipos especiais de serviço na igreja, sociedade e estado”, disse Shevchuk, sem citar nomes.

Seus comentários foram publicados na tarde de quarta-feira no site oficial da Igreja Greco-Católica Ucraniana, e vieram durante sua reflexão diária em vídeo que ele vem gravando desde o início da guerra em 24 de fevereiro.

A igreja ensina que os dons do Espírito Santo são sete: sabedoria, razão (também chamada de entendimento), conselho, fortaleza, conhecimento, piedade e temor do Senhor. O arcebispo está refletindo sobre eles desde domingo, quando os ortodoxos celebraram a festa de Pentecostes.

Embora Shevchuk ainda estivesse refletindo sobre o dom da razão na quarta-feira, as palavras parecem ser uma resposta direta aos comentários feitos por vários líderes mundiais sobre a origem da guerra. Muitos, incluindo o Papa Francisco, argumentaram que a Otan estava “latindo” à porta da Rússia. Na terça-feira, La Civiltà Cattolica publicou a transcrição completa de uma conversa que o pontífice teve com editores da mídia jesuíta em maio.

De acordo com a transcrição, Francisco disse: “Não há mocinhos e bandidos metafísicos aqui, de forma abstrata. Algo global está surgindo, com elementos que estão muito entrelaçados entre si.”

Ao condenar “a ferocidade, a crueldade das tropas russas”, o pontífice também disse que “não devemos esquecer os problemas reais se queremos que eles sejam resolvidos”, e destacou a indústria de armamentos como um dos vários fatores que incentivam a guerra.

Ele também citou a opinião de um chefe de Estado que conheceu vários meses antes do início da guerra, que supostamente expressou sua preocupação “sobre como a OTAN estava se movendo”.

“Perguntei por que e ele respondeu: 'Eles estão latindo na porta da Rússia. E eles não entendem que os russos são imperiais e não permitem que nenhuma potência estrangeira se aproxime deles'”, disse Francisco. O pontífice disse que essa mesma pessoa disse que, com a maneira como a Otan está agindo, “a situação pode levar à guerra”.

Shevchuk, que conhece bem o Papa Francisco porque frequentou o seminário em Buenos Aires quando o pontífice era arcebispo de lá, contradisse essas declarações, dizendo que “as causas desta guerra estão dentro da própria Rússia. E o agressor russo está tentando resolver seus problemas internos com a ajuda da agressão externa. Ele projeta suas doenças nos outros e culpa o mundo inteiro por eles.”

“Nós vemos e sabemos, experimentando aqui na Ucrânia, que a agressão da Rússia contra a Ucrânia é completamente espontânea”, disse ele. “Qualquer um que pense que alguma causa externa provocou a agressão militar da Rússia ou está nas garras da propaganda russa ou está simplesmente e deliberadamente enganando o mundo.”

Shevchuk também disse que a Rússia é movida por um “revanchismo pós-soviético”, que surgiu na forma de um nacionalismo russo extremo com “características genocidas como a ideologia de russkiy mir [o mundo russo]. E a Ucrânia é sua primeira vítima.”

Ele encerrou o vídeo pedindo aos fiéis da igreja de rito oriental de cinco milhões de pessoas que orassem por políticos, diplomatas, igrejas e figuras religiosas para receber o dom da razão do Espírito Santo.

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