No país do endividamento crescente, proposta de lei atende clamor de bancos e ameaça retirar casas de devedores. Entrevista especial com David Deccache

Segundo o economista, a proposta revoga a lei da impenhorabilidade que, na prática, impede que as pessoas percam a moradia por dívidas não pagas de empréstimos bancários

Foto: Pixabay

Por: João Vitor Santos | 26 Junho 2022

 

Seria irônico se não fosse trágico. No mesmo Brasil em que uma massa de pessoas vem perdendo os rendimentos, muitos vivendo de bicos e rendas esporádicas, em que o fantasma da inflação ressurge e reduz o poder de compra de todos - e que, por isso, o endividamento só não é maior que o medo de perder até a moradia -, um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados concede aos bancos a benesse de poder tirar a casa de quem não paga suas contas. “Quando li este PL pela primeira vez, lembrei da hipocrisia e mentira dos neoliberais que diziam que a esquerda queria tomar as casas das pessoas. Quando na verdade é a esquerda que está lutando agora para que os bancos, defendidos pelos neoliberais, não tomem as casas das pessoas”, dispara o economista David Deccache.

 

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Deccache detalha o teor desse projeto que vem avançando em Brasília quase que silenciosamente. Em resumo: a ideia é alterar as regras para que a pessoa possa contrair mais e mais empréstimos, colocando sua casa, mesmo que ainda financiada, como garantia. Assim, um sujeito, por exemplo, pode ser iludido e achar que a saída para sua crise é se atolar em empréstimos. “Como o crédito tem como colateral o patrimônio desse sujeito, ele terá acesso a um limite de empréstimos que pode ser incompatível com a sua renda, aumentando demasiadamente as chances de inadimplência”, adverte o economista.

 

Por isso, Deccache classifica esse projeto como uma crueldade sem tamanho com os mais pobres. Isso porque em certos casos, dependendo do valor da dívida, além de perder a casa, há possibilidade de a família continuar inadimplente. “Com o PL 4188, a impenhorabilidade praticamente deixa de existir. As exceções viraram regra. Pior, tomarão casas de famílias endividadas extrajudicialmente. Não para por aí: hoje, o banco tem que provar que o empréstimo teve anuência do casal ou de toda a família e que foi em benefício da família. Com o PL 4188, a execução se dará independente do acordo familiar e de destinação do empréstimo”, acrescenta.

 

E não pense que contratos em vigor estão livres, pois, como explica o economista, as mudanças podem incidir sobre dívidas contraídas ainda antes da aprovação do PL. “Imaginem esse projeto aprovado em um país em que o endividamento das famílias brasileiras acabou de atingir nível recorde em abril com 77% das famílias endividadas e mais de 28% inadimplentes? Tudo isso em um cenário de crise econômica, inflação alta e queda da nossa já baixa e desigual renda”, observa.

 

Assim, Deccache aponta que uma saída é barrar urgentemente esse projeto agora no Senado. E, também, compreender muito bem as questões de fundo que levaram à concepção do PL. “É justamente por conta da crise econômica em ano eleitoral que o governo corre para aprovar este projeto, ignorando totalmente as suas consequências de longo prazo”, aponta. E ainda alerta: “o PL 4188 foi construído por um grupo de trabalho denominado Iniciativa de Mercado de Capitais – IMK, que é composto pela equipe econômica do governo com a participação de entidades da iniciativa privada, como a Febraban, Federação Brasileira de Bancos”.

 


David Deccache (Foto: Arquivo Pessoal)

 

David Deccache é doutorando em Economia pela Universidade de Brasília - UnB, mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense - UFF, diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento - IFFD e atualmente exerce o cargo de assessor econômico do PSOL na Câmara dos Deputados. É coautor do livro Teoria Monetária Moderna: a chave para uma economia a serviço das pessoas (Rio de Janeiro: Nova Civilização, 2020).

 

Confira a entrevista.

 

IHU – No que consiste o PL 4188 de 2021, que prevê a criação de Instituições Gestoras de Garantia – IGG, aprovado recentemente pela Câmara federal? Quais os riscos para quem contrai financiamentos?

 

David Deccache – O PL 4188 de 2021 se trata de uma mudança profunda tanto na lógica das garantias dadas nas operações de crédito quanto no instituto da impenhorabilidade do bem de família e do direito à moradia.

 

 

Tudo isso será operacionalizado pela criação de um serviço de gestão especializada de garantias, gerido pelas chamadas Instituições Gestoras de Garantia (IGGs), pessoas jurídicas de direito privado que serão supervisionadas pelo Banco Central e regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional que ainda não existem no Brasil.

 

Diferente de hoje, em que é a própria instituição financeira a responsável pela gestão das garantias nas operações de crédito, as IGGs ficarão responsáveis tanto pela gestão quanto pelo compartilhamento de garantias nas operações de crédito pactuadas entre o tomador e as instituições financeiras credoras. De acordo com o Projeto de Lei, essas instituições terão a prerrogativa de atuar em nome próprio, porém sempre em benefício da instituição financeira credora no processo de excussão das garantias.

 

O que muda na prática

 

Na prática, uma das principais diferenças operacionais é que com as IGGs será possível um mesmo bem ser utilizado como garantia em diversas operações de crédito, com um ou mais credores. Atualmente, se um cliente, que vamos chamar de João, tem uma casa de R$ 200 mil e a utiliza como garantia para um empréstimo de R$ 15 mil, “imobiliza” R$ 185 mil de patrimônio que, teoricamente, poderia ser utilizado como colateral em outras operações de crédito.

 

 

Com as IGGs, isso muda. A garantia não ficará mais com o banco, e sim com a IGG, que comunicará às instituições financeiras que possui uma garantia de R$ 200 mil deixada pelo João. Diferentes instituições financeiras irão liberar créditos para João tendo como base o saldo desta garantia. João poderá, por exemplo, contratar 10 empréstimos em diferentes bancos de R$ 15 mil, ao invés de apenas um, como é hoje. Desta forma, podemos dizer que este tipo de sistema estressa ao máximo as garantias.

 

Os detalhes que fazem da mudança um risco

 

À primeira vista, isso pode até parecer positivo para o leitor: ora, João terá mais acesso ao crédito com o novo sistema. Contudo, o diabo mora nos detalhes. Terríveis detalhes. Vamos a eles.

 

O primeiro detalhe é que João, apesar de ter uma casa de R$ 200 mil, que foi dada como garantia, pode ter uma renda relativamente baixa ou instável. Digamos que de R$ 2.000,00 como trabalhador informal.

 

Como o crédito tem como colateral o patrimônio de João, ele terá acesso a um limite de empréstimos que pode ser incompatível com a sua renda, aumentando demasiadamente as chances de inadimplência. Lembrem, por exemplo, o que aconteceu com a renda da maioria dos trabalhadores informais no período mais duro da pandemia.

 

 

Contudo, esse não é o maior problema. Se João passar por um momento de dificuldade financeira e ficar inadimplente com apenas um dos empréstimos de R$ 15 mil, a IGG, independentemente de aviso ou interpelação judicial, poderá considerar vencidas antecipadamente as demais operações vinculadas, tornando-se exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais.

 

Desta forma, João, que não conseguiu pagar nem o empréstimo de R$ 15 mil, certamente não terá condição de pagar à vista todas as operações que totalizam R$ 150 mil. Com isso a sua garantia será executada, ou seja, a sua casa tomada e vendida pela IGG.

 

A perda da impenhorabilidade

 

Algum leitor poderia questionar: ora, mas se a casa de João for o único teto de sua família, onde ele reside com a esposa e os filhos, a IGG não conseguirá tomar. Isso porque a casa estará protegida pelo instituto da impenhorabilidade do bem de família, que é a defesa contra a penhora de bem imprescindível à residência ou à manutenção alimentar de pessoa executada por dívida. É exatamente este o maior problema do PL 4188. A impenhorabilidade do bem de família, prevista na Lei 8.009/1990, praticamente deixa de existir.

 

A Lei 8.009/1990 foi a que determinou que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta própria lei. Contudo, a lei prevê, no art. 3º, as poucas e restritas hipóteses em que a proteção ao bem de família é afastada. Ou seja, hoje a regra é a impenhorabilidade.

 

 

Nas exceções atuais, o indivíduo que faz o financiamento de um imóvel e não paga a instituição financeira poderá, ao final da execução, perder o próprio imóvel. Porém, essa execução é após condenação na justiça – ou seja, judicial. Há outros casos, como quando a dívida for referente à pensão alimentícia, bem como quando o imóvel for adquirido como produto de crime.

 

A impenhorabilidade também fica afastada para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. Ou seja, no caso da hipoteca, é muito difícil para o banco executar – pois além da execução ser judicial, tem que comprovar inteira anuência de toda a família e provar que o empréstimo foi em benefício da entidade familiar.

 

Agora, com o PL 4188, a impenhorabilidade praticamente deixa de existir. As exceções viraram regra. Pior, tomarão casas de famílias endividadas extrajudiciamente, ou seja, sem condenação na justiça. Não para por aí: hoje, o banco tem que provar que o empréstimo teve anuência do casal ou de toda a família e que foi em benefício da família. Com o PL 4188, a execução se dará independente do acordo familiar e de destinação do empréstimo.

 

 

Liberdade para tomar a casa do devedor

 

Haverá uma enorme facilidade para a IGG executar a casa de João. Inclusive, a crueldade não para por aí: além da família do João ficar sem teto, poderá continuar endividada, já que se o imóvel for leiloado por, por exemplo, R$ 100 mil, João continuará devedor para com os bancos em R$ 50 mil.

 

Imaginem esse projeto aprovado em um país em que o endividamento das famílias brasileiras acabou de atingir nível recorde em abril com 77% das famílias endividadas e mais de 28% inadimplentes? Tudo isso em um cenário de crise econômica, inflação alta e queda da nossa já baixa e desigual renda.

 

 

IHU – Esse modelo do PL 4188 de 2021 parece ter relação com o modelo dos Estados Unidos, que na crise de 2008 levou muitas pessoas a perderam as casas. Hoje, o que diferencia o sistema de financiamento imobiliário brasileiro do estadunidense?

 

David Deccache – No Brasil, o instituto da impenhorabilidade do bem de família é a regra, contendo as poucas exceções que já mencionei. O sistema financeiro brasileiro, leia-se bancos, reclama que aqui a recuperação das garantias é muito baixa – ou seja, há maior proteção para o devedor em relação ao resto do mundo. Como percentual, os credores recuperam no Brasil 14,6% do valor das garantias, contra 85,3% no Reino Unido e 81,8% nos EUA.

 

 


De toda forma, mesmo que mais frágil, a maioria dos Estados americanos possui legislações de proteção ao bem de família. Apenas seis dos cinquenta Estados americanos não tratam do tema: Delaware, Geórgia, Indiana, Maryland, Nova Jersey, Pensilvânia e Rhode Island.

 

Os Estados americanos que tratam da matéria fazem-no de forma muito variada, no geral, com menos proteção ao devedor do que há no Brasil, o que se reflete na relativa facilidade de execução por lá e nas cenas que acompanhamos durante a crise de 2008, em que milhares de pessoas perderam o único teto e passaram a viver nas ruas, carros e barracas.

 

IHU – Numa análise mais minuciosa, em que medida esse PL 4188 de 2021 aproxima a lógica de financiamentos imobiliários brasileiros ao estadunidense que, como destacamos, foi um dos motores da crise de 2008?

 

David Deccache – A crise de 2008, dentre outros fatores, foi causada pelas concessões de crédito imobiliário desreguladas, desenfreadas, sem avaliação competente e repletas de fraudes. Os bancos americanos elevaram a alavancagem a patamares nunca vistos. Eles concediam empréstimos de todo o tipo, principalmente hipotecários, a clientes sem comprovação de renda e com baixíssima capacidade de pagamento. Como os americanos diziam, eram os clientes ninjas, um acrônimo em inglês que se refere às pessoas sem renda, sem emprego e sem patrimônio (no income, no job, no assets). O pior é que esses créditos podres, garantidos por hipotecas, no geral, eram embrulhados com outros papéis e, como o aval AAA (nota de qualidade mais alta) das agências internacionais de classificação de risco, negociados no mercado financeiro global.


Com a queda nos preços de imóveis, vários bancos se tornaram completamente insolventes, as famílias perderam as suas casas e a economia global foi duramente atingida. É claro, o sofrimento foi todo concentrado nas famílias desabrigadas e desempregadas, pois quase todos os bancos fraudadores foram salvos com injeções monetárias ilimitadas dos Bancos Centrais ao redor do mundo.

 

 

Portanto, o Brasil, ao permitir e estimular uma enorme alavancagem de crédito de famílias pobres e que convivem com enorme volatilidade no mercado de trabalho – que combina alto desemprego com informalidade – está criando uma situação de grave fragilidade financeira, já que esses empréstimos tendem a ser concedidos de forma descolada da renda das famílias e lastreados na enorme facilidade de execução, incluindo o único teto de uma família. Se for criada uma bolha de crédito, quando ela estourar acabaremos com milhares de famílias sem teto e os bancos, como sempre, serão salvos. O crime, para os bancos, sempre compensa.

 

Quando li este PL pela primeira vez, lembrei da hipocrisia e mentira dos neoliberais que diziam que a esquerda – especialmente o líder do maior movimento de luta pela moradia na América Latina, Guilherme Boulos – queria tomar as casas das pessoas. Quando na verdade é a esquerda que está lutando agora para que os bancos, defendidos pelos neoliberais, não tomem as casas das pessoas.

 

 

IHU – Que lógica deu origem ao sistema estadunidense de hipotecas de imóveis? Que relação com crises financeiras anteriores há em sua gênese?

 

David Deccache – A gênese do conceito de “bem de família”, que está sendo duramente atacado no Brasil pelo PL 4188, se deu em meados de 1839, na então República do Texas, antes da sua incorporação aos Estados Unidos da América, quando uma crise financeira de proporções inéditas atingiu a região. Nesta ocasião, as famílias sofreram com forte diminuição de renda e, por consequência, na inadimplência de empréstimos bancários muitas vezes lastreados na única casa da entidade familiar. Consequentemente, uma parcela enorme de famílias perdeu suas propriedades para os bancos.

 

Nesse contexto, os bancos concentraram inúmeras propriedades. Contudo, com uma economia destruída, não conseguiam achar compradores para as casas, acarretando a falência de diversas instituições financeiras.

 

É exatamente neste contexto de caos social, que combinou bolha financeira com famílias desabrigadas, que foi editado o ato legal que recebeu o nome de “homestead”, que proibiu a penhora de bem imóveis destinados à moradia da família. Historicamente, podemos considerar como um avanço civilizatório no sentido de proteger o patrimônio mínimo do cidadão, bem como por evitar o estouro de uma bolha financeira em decorrência da concentração da propriedade na mão de bancos que não encontravam demanda. O Brasil está regredindo neste sentido.

 

IHU – Por que hoje, num Brasil mergulhado em crises, há esse desejo de aproximação do sistema norte-americano?

 

David Deccache – É justamente por conta da crise econômica em ano eleitoral que o governo corre para aprovar este projeto, ignorando totalmente as suas consequências de longo prazo. A meu ver, a motivação é dupla.

 

De um lado, o governo de Jair Bolsonaro enxerga neste projeto, caso seja aprovado e colocado em prática antes da eleição, uma forma de aquecer a economia via superendividamento das famílias. As cifras potenciais são astronômicas: a equipe econômica do governo prevê uma expansão entre R$ 8 trilhões e R$ 12 trilhões em novas operações de crédito. Isso é, para exemplificar a ordem de grandeza, algo como cem vezes os recursos anuais injetados na economia via Auxílio Brasil.

 

 

Por outro lado, o PL 4188 foi construído por um grupo de trabalho denominado Iniciativa de Mercado de Capitais – IMK, que é composto pela equipe econômica do governo com a participação de entidades da iniciativa privada, como a Febraban, Federação Brasileira de Bancos. O interesse do sistema financeiro ao participar da construção é claro: pretendem expandir o crédito fortemente tendo a total garantia de que terão enorme facilidade na execução de garantias.

 

Os ganhos para os bancos e demais instituições financeiras seriam astronômicos: expandiriam fortemente as operações de crédito lastreadas em garantias de fácil execução e cobrando ainda as mais altas taxas de juros do mundo.

 

IHU – Há, também, quem compare o boom de financiamento imobiliário, muito embalado pelo programa Minha Casa, Minha Vida, na primeira década dos anos 2000, à bolha imobiliária norte-americana. Como você vê essa comparação?

 

David Deccache – Não há sentido em comparar o programa Minha Casa, Minha Vida com a bolha imobiliária norte-americana. Por aqui, tratava-se de um programa habitacional destinado a garantir casa própria, especialmente para as famílias mais pobres.

 

 

O programa foi criado em 2009 pelo governo federal para ajudar as pessoas de baixa renda a financiar seu primeiro imóvel com base em taxas acessíveis e subsídio público. Além disso, os recursos federais eram geridos pela Caixa Econômica Federal, um banco público, com fim social e não especulativo. Tinha a ver com garantir o direito à moradia, não com mera especulação financeira selvagem como em 2008 nos EUA. O programa pode ser criticado em diversos aspectos ligados ao planejamento urbano, direito à cidade e afins, contudo, associá-lo à crise do subprime carece de sustentação teórica, histórica e empírica.

 

IHU – Voltando ao PL 4188 de 2021, em que medida ele pode incidir sobre os contratos de financiamento já em vigor?

 

David Deccache – O modelo de gestão de garantias e alavancagem de crédito é totalmente novo.

 

Contudo, a alteração na impenhorabilidade do bem de família passará a valer para contratos antigos assim que o PL 4188 for transformado em lei já que ele, no seu artigo 14, permite que os bancos tomem imóveis oferecidos como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos obtidos, mesmo quando a dívida for de terceiro.

 

IHU – Do ponto de vista legal, há como barrar o PL 4188 de 2021? Há a possibilidade de se evocar a regra da impenhorabilidade?

 

David Deccache – O PL altera, justamente, a Lei 8.009/1990, que garante que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. Portanto, se aprovado, terá relativa base legal. Daí a importância de ser barrado ainda no Congresso, já que foi aprovado apenas na Câmara e ainda depende do aval do Senado.

 

 

Em última instância, a sociedade poderá questionar no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da matéria, já que a nova previsão legal pode ser interpretada como inconstitucional. O direito à moradia passou a ser constitucional no ano de 2000 com a EC nº 26, que diz que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.

 

 

IHU – Hoje, num Brasil combalido por crise econômica e social, o número de pessoas que têm perdido suas casas é muito grande. Com esse cenário, se alia o já histórico déficit habitacional brasileiro. Como, num curto e médio prazos, enfrentar esse problema?

 

David Deccache – Em 2019, o déficit habitacional alcançou 7,8 milhões de unidades. Este número assustador, um dos mais altos já registrados, é consequência da crise econômica criada e planejada pelos formuladores de política econômica após o golpe de 2016. O cenário foi agravado no governo Bolsonaro, que combina postura anticientífica, desprezo à vida e um plano econômico voltado única e exclusivamente para espoliar as riquezas nacionais e entregá-las às grandes corporações e bilionários.

 

Com a longa e profunda crise econômica na pandemia, que inclui destruição do mercado de trabalho, alta da inflação, restrição na área de energia, desemprego e desmonte das políticas habitacionais, as perspectivas são as piores possíveis.

 

 

É preciso rever completamente o arcabouço macroeconômico do país para enfrentar este problema. Pelo menos três elementos são necessários, urgentes e não suficientes:

 

1) derrubar o teto de gastos para possibilitar que o Estado possa fazer uma agressiva política fiscal visando a geração de empregos e a retomada dos investimentos e gastos sociais;

 

2) revogação da atual política de preços da Petrobras, de modo a combater a inflação na sua raiz;

 

3) e a construção de um novo Bolsa Família que contemple todas as famílias inscritas no Cadastro Único com valores adequados para a garantia de um mínimo de dignidade.

 

IHU – Estamos em ano eleitoral. Que perspectivas não devem deixar de constar em programas de governo de candidatos que realmente estejam preocupados com a proteção à moradia e o déficit habitacional no Brasil?

 

David Deccache – Além das políticas fiscais para a retomada do emprego e da renda, bem como a reconstrução do Bolsa Família, é necessária a construção de um grande programa habitacional e de infraestrutura urbana concomitante com a garantia de um aluguel social para as famílias sem teto enquanto a casa própria não chega.

 

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