03 Julho 2019
Apenas assinada, a premissa de acordo entre a União Europeia e o Mercosul desencadeou na França uma onda de críticas nem sempre motivadas pelo sentido comum, pela solidariedade com o Sul e pela defesa das sociedades dos países do Mercosul. Agricultores hipersubsidiados e ecologistas foram os primeiros que saltaram sobre a assinatura e as costas do presidente francês Emmanuel Macron.
A reportagem é Eduardo Febbro, publicada por Página/12, 02-07-2019. A tradução é do Cepat.
Devemos ser claros e rigorosos: não estão criticando o acordo pelos danos que causa às economias do Mercosul ou à liquidação da soberania, mas pelos danos que causam, supostamente, ao planeta. Os agricultores porque temem pelas consequências econômicas que um acordo semelhante pode trazer para a sua produção agrícola. Os ecologistas porque refutam principalmente o desmatamento da Amazônia realizado por décadas com a conivência ocidental e insanamente aumentada desde que o presidente Bolsonaro chegou ao poder.
Em sua denúncia acirrada, os verdes esquecem de mencionar a cumplicidade das empresas europeias e norte-americanas com esse desmatamento, o uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes na produção europeia e os gigantescos subsídios agrícolas da União Europeia que sempre foram instrumento de desequilíbrio de mercados em detrimento dos países produtores do sul. Um relatório do mês de abril deste ano, preparado pela Organização de Vigilância da Amazônia, acusa as empresas do Velho Continente e dos Estados Unidos de participar da destruição da Amazônia e, portanto, de contribuir para a destruição do equilíbrio climático do planeta.
Os Verdes e os agricultores convergem agora em uma frente comum contra o acordo. Os dois principais sindicatos de agricultores franceses, FNSA e Confederação Camponesa, manifestaram seu total repúdio ao pacto UE e Mercosul. O porta-voz da Confederação Camponesa, Nicolas Girod, disse: "tenho uma reação de nojo". Christian Lambert, presidente da FNSA, declarou que "a soberania alimentar, a soberania dos territórios, os problemas climáticos foram eliminados em benefício do comércio internacional e do crescimento sem rédeas". O secretário geral do mesmo sindicato, Patrick Bénézit, afirma que "este acordo leva a uma situação de concorrência desleal".
Em termos de concorrência e lealdade, o líder agrícola francês não menciona os subsídios agrícolas da UE que mantêm a produção e os preços dos produtos europeus sob respiração artificial dentro da PAC (Política Agrícola Comum). Um relatório de julho deste ano, publicado pela muito liberal OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), denunciou novamente a profunda "distorção" dos mercados que esses subsídios trazem e recomendou que tal ajuda seja reorientada para a defesa do clima.
A OCDE revelou, entre outras imprecisões, que 54% do apoio concedido à agricultura é feito de tal forma que "mantêm os preços agrícolas artificialmente acima dos níveis em vigor nos mercados internacionais", o que "prejudica os consumidores". Cerca de 80% da ajuda da PAC são, de fato, transferências diretas para os lucros dos agricultores. Nos Estados Unidos, a ajuda direta aos produtores agrícolas chega a 80%. Usar a palavra "desleal" neste contexto é um disparate.
Em escala europeia, a Copa Cogeca, principal sindicato agrícola da União Europeia, critica a "geometria variável" da UE, a qual, argumenta, "amplia a distância entre o que é pedido aos agricultores europeus e o que é tolerado pelos produtores do Mercosul". O que está em jogo, aqui, são as normas sanitárias diferentes entre os dois blocos. A reação ambiental foi igualmente virulenta.
O ex-ministro da Ecologia de Emmanuel Macron, Nicolas Hulot (é proprietário de nove veículos ...) foi um dos primeiros a iniciar uma cruzada contra o acordo. Em uma entrevista publicada pelo jornal Le Monde, Hulot disse que "este acordo é completamente antinômico com nossas ambições assumidas e, acima de tudo, com a realidade do que precisa ser feito". O ex-ministro da transição ecológica alega que esta assinatura "exonera os países importadores dos esforços que são solicitados aos nossos próprios agricultores".
Por sua vez, o eurodeputado ecologista Yannick Jadot acusou Bolsonaro de querer "massacrar a Amazônia" e abrir mais seu país ao "agronegócio". O alvo principal dos ataques é o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que incrimina de "saquear a Amazônia". Há algo de violento, falso e cínico nisso tudo. Como aconteceu com os agricultores e sua produção e seus tratores subsidiados, Hulot e ecologistas deixam no caminho nomes como os das francesas Guillemette & Cie, o Groupe Rougier e da alemã Acai GmbH, todas envolvidas em negócios agrícolas com o Brasil diretamente dependentes da destruição da Amazônia.
Nenhuma palavra sobre bancos como o BNP Paribas que têm grandes investimentos em multinacionais que transportam matérias-primas: ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus. Esses quatro mastodontes vendem soja brasileira para a Europa e até compram de produtores sob embargo por terem destruído áreas protegidas. BNP-Paribas, JP Morgan e Barclays são os organismos financeiras que mais investiram nas quatro multinacionais mencionadas. O relatório Amazon Watch Complicity in destruction II está amplamente documentado e é indispensável para compreender que uma coisa são as críticas legítimas que podem ser feitas ao acordo em gestação entre o Mercosul e a União Europeia, e outra muito diferente é a defesa de interesses corporativos em nome da saúde agrícola e do meio ambiente.
Ninguém pensou nas indústrias, nos serviços, nos mercados públicos, na química e nas farmacêuticas do Mercosul que certamente serão devastadas com a chegada dos europeus. Mas, o caminho da assinatura final será espinhoso. O acordo deve ser traduzido em texto jurídico antes que seja submetido à aprovação dos 28 Estados Membros da União Europeia. Depois, deverá ser aprovado pelo Parlamento Europeu e pelos parlamentos nacionais.
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França. Nada de acordo com o Mercosul, segundo os agricultores e os verdes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU