14 Março 2017
Jorge Bergoglio completou nesta segunda-feira, 13 de março, quatro anos de pontificado, durante os quais defendeu a causa dos refugiados, reformou a estrutura econômica da Igreja e lutou contra abusos sexuais, explica Luigi Accattoli.
Quatro anos podem parecer pouco no contexto da longuíssima história da Igreja. Mas os quatro anos de pontificado completados nesta segunda-feira, 13 de março, por um papa que veio “do fim do mundo”, que defende os pobres, os migrantes, os refugiados, que empreendeu reformas dentro do Vaticano e da Igreja que, por sua vez, desencadearam agressivas campanhas contra ele – a reforma do IOR ou do banco vaticano e da Ordem de Malta, as batalhas contra os abusos sexuais, o respeito pelos homossexuais e os divorciados, entre outras coisas – falam de um Papa diferente.
Luigi Accattoli, jornalista italiano e vaticanista que há 42 anos escreve sobre os eventos da Santa Sé para prestigiosos jornais italianos como o La Repubblica e Il Corrierre della Sera, que fez dezenas de viagens ao exterior acompanhando diferentes papas em suas viagens pelo mundo, inclusive à América Latina, tem uma visão particular destes quatro anos de Francisco.
A entrevista é de Elena Llorente e publicada por Página/12, 13-03-2017. A tradução é de André Langer.
“A novidade mais importante destes quatro anos foi a linguagem – disse Accattoli em uma entrevista ao jornal Página/12. O Papa Bergoglio mudou a linguagem dos papas muito mais que seus predecessores do último século. Os últimos Papas, depois do Concílio Vaticano II, fizeram mudanças, concederam entrevistas, atualizaram a linguagem, mas a novidade radical é que o Papa Bergoglio fala como se fosse um pároco em vez de pontífice, sem certas presunções, sem essa segurança na escolha das palavras. Não quer revisar as entrevistas que concede porque confia em quem o entrevista, improvisa, expressa suas opiniões dizendo ‘eu penso assim’. E isto redimensionou a figura do Papa e é a maior novidade em relação à qual não se poderá retroceder.
Não se poderá retroceder... mas isto significa que a cúria romana, a Igreja em geral e as pessoas aceitam que fale deste modo...? Ele recebeu muitas críticas por isso. Não faltou quem o chamasse de “populista” pelas palavras que usa e o modo como fala.
Digo que não se pode retroceder no sentido de que o próximo papa não poderá não ter em conta estas mudanças. Quando João XXIII começou a sair do Vaticano – o Papa precedente, Pio XII, não saía do Vaticano – não foi possível voltar atrás. Os papas seguintes tiveram que seguir esse caminho. Paulo VI começou a viajar e os papas subsequentes viajaram por todo o mundo. Eu considero que esta novidade da linguagem, uma linguagem de dimensão humana, isto é, de um papa que já não é um pontífice que fala do trono, é uma mudança que os sucessores deverão aceitar. Porque é uma mudança que conta com o sentimento e é a favor do povo.
Isto quer dizer que o que ele está tentando fazer, no banco vaticano ou em nível dos abusos sexuais ou da família, só para dar alguns exemplos, não é tão importante em comparação com a nova linguagem?
Penso que não são tão importantes, porque a reforma da cúria, do IOR, da disciplina do clero, são coisas que outros papas também já fizeram. Quando ele foi eleito era um momento de conhecida crise no governo do Vaticano e estava claro que o papa que fosse eleito deveria fazer uma série de reformas. Foi eleito Bergoglio, um latino-americano corajoso como ele é, precisamente porque o colégio cardinalício queria as reformas. Bento XVI tinha começado algumas delas, como a do IOR ou como enfrentar a pedofilia. Em consequência, creio que o específico do Papa Bergoglio é a mudança na figura do papa. O fato de descer ao nível das pessoas, de colocar-se diretamente em contato com elas, de falar de modo livre, de se expor com espontaneidade e isto não teria acontecido facilmente com outro papa.
Nestes últimos meses desencadeou-se uma batalha pública bastante agressiva por parte de setores conservadores contra o Papa Francisco. Você acha que se pode falar de uma Igreja dividida?
Na minha opinião, não se deve deixar de lado estas críticas. Não se deve negligenciar esta oposição, mas também não se deve aumentá-la. Devemos ter presente a história. Todos os papas tiveram opositores, sobretudo os papas reformadores. Um exemplo é Paulo VI, que foi muito criticado quando fez a reforma da liturgia. Este papa tem mais adversários porque ele está tentando fazer mais reformas que outros pontífices. Mas também porque ele não procura atenuar os contrastes. E parece que até gosta de responder às acusações e ele o faz de maneira sincera e muito livre e convida seus interlocutores a ter liberdade de expressão. E ele mesmo a pratica. Os que se opõem às reformas são teimosos, disse, e os que querem retroceder estão equivocados. Na minha opinião, os contrastes são similares aos de outros papas, só que um pouco mais vivos.
Qual é o seu balanço destes quatro anos do Papa Francisco à frente da Igreja?
O Papa Bergoglio começou muito bem uma reforma do governo da Igreja constituindo um grupo de cardeais de todo o mundo (conhecido como o Grupo dos 8 ou G8 Vaticano, mesmo que agora sejam nove) para ajudá-lo no governo da Igreja. E parece que realmente estão ajudando. Este é o primeiro resultado destes quatro anos. Além disso, reformou as instituições para a nulidade do matrimônio e a pastoral matrimonial com sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia (onde, entre outras coisas, se propõe dar a comunhão aos divorciados, coisa que provocou muitas críticas por parte de alguns cardeais). E esta é a segunda empresa que levou adiante de maneira eficaz. A terceira, penso, é sua capacidade, como demonstrou repetidamente, de concretizar atos novos em relação à tradição papal, como os diversos encontros ecumênicos com o Patriarca ortodoxo russo, com os luteranos, com o Patriarca ortodoxo grego, entre outros. Ele deu passos significativos no caminho ecumênico que ainda se acreditavam muito distantes e difíceis de realizar. Estes três pontos foram, na minha opinião, os mais importantes destes quatro anos.
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“Francisco desceu ao nível das pessoas”. Entrevista com Luigi Accattoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU