19 Dezembro 2025
Especialistas e diplomatas temem que o país mergulhe em uma espiral de violência, caos e represálias caso o presidente venezuelano seja deposto, uma conclusão que coincide com as simulações realizadas há seis anos pelo governo Trump anterior.
A reportagem é de Tom Phillips e Camille Rodríguez Montilla, publicada por The Guardian e reproduzida por El Diario, 18-12-2025.
Uma enorme revolta popular termina com a queda de Nicolás Maduro, mas o exército venezuelano toma as ruas e aponta suas armas contra os civis que a protagonizaram.
Um golpe palaciano envia o líder venezuelano para o exílio, desencadeando uma sangrenta luta pelo poder entre os membros de seu regime fragmentado.
Os Estados Unidos patrocinam um ataque contra o círculo íntimo do presidente, e Maduro ou um aliado importante é assassinado. Enquanto tropas estrangeiras assumem o controle de Caracas e dos principais aeroportos e portos, insurgentes de esquerda consolidam seu domínio sobre regiões do interior ricas em minerais, e partidários do governo lançam ataques de guerrilha contra refinarias e oleodutos.
Há seis anos, o governo dos EUA considerou esses três cenários durante simulações destinadas a prever como seria a Venezuela caso Maduro fosse deposto por uma revolta popular, uma revolução orquestrada por seu círculo íntimo ou um ataque estrangeiro. Nenhum dos três cenários terminou bem para o país.
“Isso levaria a um caos prolongado... sem uma saída clara”, diz Douglas Farah, especialista em América Latina cuja empresa de consultoria em segurança nacional participou desse estudo estratégico de 2019 durante o primeiro mandato de Trump.
“Em que enrascada nos metemos?”
Nas três simulações apresentadas nas sessões de análise, a instabilidade provocaria um novo êxodo de refugiados pelas fronteiras da Venezuela com a Colômbia e o Brasil, à medida que os cidadãos fugissem dos confrontos entre grupos rebeldes rivais ou entre ocupantes estrangeiros e tropas leais ao país.
“Todos que enfrentam esse problema [esperam] que uma varinha mágica possa ser acenada e um novo governo [na Venezuela] possa ser instaurado”, diz Farah. “Acho que o motivo pelo qual isso não aconteceu é porque os envolvidos pararam para pensar: ‘Espere um minuto. Em que enrascada estamos nos metendo?’”
Políticos venezuelanos que buscam pôr fim aos 12 anos de governo de Maduro rejeitam as alegações de que sua queda inevitavelmente mergulharia o país em um turbilhão de derramamento de sangue e represálias. María Corina Machado, que recentemente recebeu o Prêmio Nobel da Paz e lidera o movimento político que se acredita ter derrotado Maduro na eleição presidencial do ano passado, classificou como “completamente infundadas” as afirmações de que a saída de Maduro poderia mergulhar a Venezuela em uma violência semelhante à guerra civil da Síria. “A Venezuela é um país com uma longa cultura democrática e uma sociedade determinada a recuperar essa democracia”, disse ela ao The Guardian, de Oslo, após deixar o país para receber o Prêmio Nobel.
Miguel Pizarro, outro líder da oposição, também rejeita a visão de que a Venezuela esteja fadada a se tornar uma versão sul-americana do Iraque, da Líbia ou do Haiti caso Maduro seja deposto. “A verdade é que os venezuelanos tomaram sua decisão [nas eleições do ano passado]... foi o maior consenso social que a Venezuela já viu”, argumenta ele.
Os riscos
Os aliados de Donald Trump, que passou os últimos meses aumentando a pressão sobre Maduro com um enorme destacamento militar, ataques mortais a navios no Caribe supostamente carregados de drogas e a apreensão de um petroleiro, também minimizam os perigos de uma possível intervenção dos EUA.
No entanto, muitos especialistas e diplomatas latino-americanos estão céticos quanto à possibilidade de as coisas correrem bem, independentemente de como a remoção de Maduro ocorrer.
“Se houver um levante popular, é provável que os militares adotem uma postura muito defensiva, muito violenta e reacionária em relação aos protestos de rua. Haverá muitas mortes”, alerta Farah. Segundo o especialista, nesse cenário, seria possível que guerrilheiros colombianos, incluindo o Exército de Libertação Nacional (ELN) e membros dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), entrassem no conflito ao lado do regime nominalmente de esquerda da Venezuela.
Um golpe de Estado poderia deixar “um enorme vácuo de poder”, com grupos armados rivais disputando o lugar de Maduro. “Poderia haver quatro pessoas diferentes dizendo: ‘Bem, agora eu estou no comando’”, diz Farah.
Se tropas estrangeiras fossem mobilizadas, provavelmente conseguiriam tomar o controle de grandes cidades e infraestruturas como portos e aeroportos. No entanto, enfrentariam a possibilidade de ataques assimétricos por parte de apoiadores do governo ou de rebeldes colombianos, bem como uma longa batalha para retomar o controle das regiões de mineração de ouro já sob influência do ELN. “[Derrotá-los é] uma proposta de longo prazo que exigiria muito dinheiro, muitos soldados e provavelmente algumas mortes”, alerta Farah.
Aconteça o que acontecer, Farah acredita que a Venezuela pós-Maduro provavelmente será “um enorme desastre que durará bastante tempo”. “Nada disso será resolvido em três semanas. Estamos falando de anos”, afirma.
Farah não é o único observador que teme que uma mudança política repentina possa ter consequências terríveis para o país sul-americano rico em petróleo.
Na semana passada, o principal assessor de política externa do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva alertou que a instabilidade na Venezuela poderia transformar a região em uma “zona de guerra”, como aconteceu no Vietnã.
Juan González, o principal funcionário da Casa Branca para a América Latina durante a presidência de Joe Biden, também teme a possibilidade de represálias violentas. “Tenho um sonho recorrente sobre a Venezuela... no qual Maduro é arrastado pelas ruas como Benito Mussolini”, diz González, referindo-se ao ditador italiano que foi capturado enquanto tentava fugir para a Suíça em 1945 e executado por um pelotão de fuzilamento. “Nunca se sabe o que vai desencadear isso... [Muammar] Gaddafi esteve no poder até deixar de estar”, acrescenta González sobre o ex-líder líbio, que também teve um fim trágico após ser capturado por seus inimigos.
Uma solução negociada?
González está confiante de que, mesmo que as tensões aumentem ainda mais, uma solução negociada ainda pode ser encontrada. “As negociações são longas e difíceis e exigem concessões. Mas a história nos mostra que elas são a maneira mais eficaz de promover uma transição”, afirma. Ele ressalta que a deposição de Maduro não significa necessariamente que a situação na Venezuela irá melhorar. “Na verdade, pode piorar”, alerta, refletindo sobre o que poderia acontecer se um linha-dura, como o ministro do Interior Diosdado Cabello, que chefia as forças de segurança repressivas da Venezuela, sucedesse Maduro.
Por sua vez, Farah acredita que um acordo temporário de partilha de poder poderia ser uma forma de evitar a "fragmentação maciça" da Venezuela em facções rivais. No entanto, o especialista salienta que, para isso acontecer, seria necessário tomar decisões difíceis, incluindo a possível libertação de "pessoas que violaram os direitos humanos de forma massiva e repetida", a concessão de salvo-conduto a Maduro para fora do país e alguma forma de imunidade por alegados crimes contra a humanidade.
Na semana passada, surgiram indícios de que a oposição poderia aceitar alguns desses compromissos, quando o Washington Post noticiou que a oposição a Machado acredita que apenas uma "limpeza limitada" dos principais funcionários de Maduro será necessária após sua saída do poder.
Muitas das alternativas são ainda piores. Se a situação de segurança sair do controle após a saída de Maduro, Farah teme que Washington seja tentado a contratar grupos mercenários e empresas militares privadas, em vez de enviar tropas para o terreno.
“Isso nos aproxima de um cenário semelhante ao do Iraque, no qual múltiplos grupos não estatais realizam ações simultâneas no terreno sem ninguém no controle”, alerta Farah. “Se a situação piorar, essa é uma das opções que eles considerarão”, prevê. “E isso seria muito prejudicial.”
Leia mais
- Trump redobra o cerco à Venezuela e ordena impedir a entrada e saída do país de “petroleiros sancionados” pelos EUA
- O governo Trump, após apreender um petroleiro na costa da Venezuela: "Estamos focados em fazer muitas coisas em nosso quintal"
- Exército americano apreende um petroleiro em frente à costa da Venezuela: “Vamos ficar com ele, suponho”
- 5 razões que revelam por que o conflito entre EUA e Venezuela entrou na fase crítica e mais perigosa. Artigo de Boris Muñoz
- Trump ameaça a Venezuela: ‘Vamos exterminar aqueles filhos da p*’
- Trump deu ultimato a Maduro e exigiu renúncia, diz jornal
- Maduro ordena que a força aérea esteja “em alerta e pronta” para defender a Venezuela
- Os EUA aumentam a pressão sobre Maduro após a chegada do porta-aviões à região e denominam a operação militar no Caribe de "Lança do Sul"
- Por que Trump poderia mergulhar a Venezuela no caos com seu "intervencionismo barato". Artigo de Mariano Aguirre Ernst
- Venezuela, Ford chegou. Mas os aliados estão em desacordo com os EUA
- Ação militar dos EUA contra Venezuela: o que pode acontecer?
- Venezuela tem 5 mil mísseis antiaéreos russos, diz Maduro
- O que está por trás do desdobramento norte-americano na Venezuela? Artigo de Manuel Sutherland
- A nova obsessão de Trump: usar o exército dos EUA contra os cartéis de drogas em território estrangeiro
- Lula monitora ação militar dos EUA contra Maduro e teme impacto no Brasil
- Ataques dos EUA no Caribe são ilegais, alertam analistas
- Trump envia quatro mil fuzileiros navais ao Caribe para combater cartéis de drogas
- Trump e América Latina e Caribe: Um laboratório de controle? Artigo de Carlos A. Romero, Carlos Luján, Guadalupe González, Juan Gabriel Tokatlian, Mônica Hirst
- Trump aumenta o destacamento militar perto da Venezuela após autorizar operações terrestres no país