Propostas para um cristianismo historicamente significativo e libertador para o XXI século. Artigo de Juan José Tamayo

Foto: Emmanuel Appiah/Unsplash

Mais Lidos

  • “A emoção substituiu a expertise, e nosso cérebro adora isso!” Entrevista com Samah Karaki

    LER MAIS
  • “Marco temporal”, o absurdo como política de Estado? Artigo de Dora Nassif

    LER MAIS
  • A desigualdade mundial está aumentando: 10% da população detém 75% da riqueza

    LER MAIS

Assine a Newsletter

Receba as notícias e atualizações do Instituto Humanitas Unisinos – IHU em primeira mão. Junte-se a nós!

Conheça nossa Política de Privacidade.

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

12 Dezembro 2025

"Se o cristianismo quiser ser historicamente significativo e contribuir para a defesa da dignidade e dos direitos da natureza saqueada e das pessoas cujos direitos são negados, deve ser policromo, ou seja, combinar o vermelho do empenho com a justiça, o verde da ecologia e da esperança, o roxo do feminismo e o branco da paz. Em outras palavras, deve ser um cristianismo inclusivo-ecoigualitário-fraterno-sororal", escreve Juan José Tamayo, em artigo publicado por Religión Digital, 03-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

1

Desdogmatizar o cristianismo e recuperar seu caráter simbólico e ético. “O símbolo dá que pensar”, diz Paul Ricoeur. E eu acrescentaria: o dogma impõe um pensamento único e fecha qualquer possibilidade de pensar diversamente. “A ética é a filosofia primeira”, diz Lévinas. Aplico esse conceito ao campo do discurso religioso e afirmo: a ética, e não o dogma, é a teologia primeira. É hora de dizer adeus à teologia dogmática e elaborar uma teologia historicamente significativa no horizonte da libertação, porque no início do cristianismo não havia dogmas, mas o Evangelho como Boa Nova de libertação.

2

Desierarquizar o cristianismo, desconstruir o poder religioso absoluto, deslegitimar seu suposto fundamento divino e gerar estruturas igualitárias e práticas participativas. O Evangelho de Marcos coloca na boca de Jesus uma severa crítica à tirania e à opressão impostas aos povos pelos ditadores, uma crítica aplicável à hierarquia eclesiástica: "Sabeis que os que julgam ser príncipes dos gentios, deles se assenhoreiam, e os seus grandes usam de autoridade sobre eles; Mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal; E qualquer que dentre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos." (Marcos 10,42-44). Esse texto constitui a mais forte crítica ao funcionamento autoritário do patriarcado eclesiástico.

3

Desclericalizar o cristianismo e seus ministérios. O clericalismo constitui um dos principais obstáculos à democratização das instituições cristãs, uma vez que o clero se apropria da eclesialidade e de todo o poder, transformando os cristãos leigos em figurantes subalternos.

4

Despatriarcalizar a teologia, desandrocentralizar a teologia cristã, desmasculinizar a moral, manter a sinergia com o feminismo e aplicar as categorias da teoria de gênero à hermenêutica dos textos fundadores.

5

Criar comunidades fraternais e sororais igualitárias e elaborar teologias e comunidades que sejam inclusivas e que integrem a diversidade afetivo-sexual e de gênero, para além do binarismo sexual e da heteronormatividade. Se o amor é a virtude por excelência do cristianismo, suas autoridades religiosas se contradizem ao excluírem as pessoas LGBTQ+ dos ministérios eclesiais. E com essa exclusão e os discursos de ódio, alimentam crimes de ódio que frequentemente levam a práticas violentas. A responsabilidade dos discursos eclesiásticos LGBTQ+fóbico é muito significativa nessas práticas.

6

Questionar as credulidades em que muitos fiéis são criados, passar de uma fé crédula para a fé crítica. Ernst Bloch afirma no prólogo de "Ateísmo no cristianismo": "Apenas um bom ateu pode ser um bom cristão; apenas um bom cristão pode ser um bom ateu". Para muitos cristãos, a experiência da transcendência funciona como uma transação bancária. É o que Marx chama de "transcendência bancária".

7

Desprivatizar a experiência religiosa, socializá-la, descobrir seu caráter crítico-público, emancipatório e libertador, que pode contribuir para a moralização da sociedade e da vida pública.

8

Descolonizar a teologia cristã, libertá-la do sequestro a que foi submetida pelo discurso hegemônico eurocêntrico e valorizar as teologias descoloniais.

9

Deseclesiastizar o cristianismo. Em seu livro "A Igreja Católica", Hans Küng questiona se a Igreja pode razoavelmente recorrer a Jesus de Nazaré e se está fundada no Evangelho. A resposta vem do exegeta católico Rudolf Schnackenburg, biblista de referência para Bento XVI: "Não a Igreja, mas o Reino (de Deus) constitui a intenção final do plano divino."

10

Descapitalizar o cristianismo. Walter Benjamin dizia que o cristianismo da Reforma, em vez de favorecer o surgimento do capitalismo, transformou-se em capitalismo. Hoje é necessário inverter esse processo.

11

Desmercantilizar o cristianismo. Historicamente, o cristianismo legitimou o mercado e continua a fazê-lo ainda hoje. No entanto, os Evangelhos colocam na boca de Jesus o princípio da incompatibilidade entre Deus e o dinheiro: "Ninguém pode servir a dois senhores... Não podeis servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24).

12

Transformar ecologicamente o cristianismo, reconhecendo a dignidade da natureza, que é um sujeito de direitos, assim como nós, seres humanos. É necessário questionar as interpretações antropocêntricas de alguns textos das Bíblias hebraica e cristã, que colocam o homem no centro da criação e o declaram rei e senhor de toda a criação, com o direito de dominar a terra e colocá-la a seu serviço. Na encíclica "Laudato Si', sobre o cuidado da casa comum", o Papa Francisco critica uma apresentação inadequada da antropologia cristã que acabou por promover uma concepção errada da relação do ser humano com o mundo e que transmitiu “um sonho prometeico de domínio sobre o mundo, que provocou a impressão de que o cuidado da natureza fosse atividade de fracos." (n. 116). A ecologia deve se tornar o ponto de encontro das religiões.

13

Humanizar Deus. O teólogo holandês Edward Schillebeeckx fala de "Deus humanissimus”. Boff afirma: "humano como Deus, só Jesus".

14

Hereticar a teologia. Na página de rosto de "Ateísmo no cristianismo", Ernst Bloch afirma: "A melhor coisa sobre as religiões é que criam hereges". Efetivamente, as grandes revoluções nasceram de heterodoxias religiosas.

15

Descolonizar as Igrejas cristãs, reconhecendo e respeitando a pluralidade das identidades culturais e religiosas e promovendo o diálogo inter-religioso, intercultural e interétnico, superando o ocidentalismo que caracterizou o cristianismo durante séculos.

16

Democratizar o cristianismo, em consonância com o movimento igualitário de Jesus de Nazaré e com as atuais exigências de democracia participativa de base, ativando modalidades pelas quais os fiéis, as comunidades cristãs e os diversos coletivos eclesiais possam intervir no processo decisório em todas as questões que dizem respeito ao conjunto da comunidade cristã e na escolha daqueles que assumem responsabilidades a serviço das Igrejas.

17

Considerar a compaixão como princípio teológico, fundamento da ética e da prática da solidariedade com as vítimas, segundo a parábola evangélica do Bom Samaritano, questionando quem são hoje as vítimas agredidas com quem praticar a compaixão, quem são os perpetradores em nível pessoal e coletivo, e quem pratica hoje a ética da compaixão, sem cair na mera assistência que apazigua a consciência pessoal e legitima implicitamente os perpetradores.

18

Restituir a utopia ao cristianismo como “perspectiva para a perspectiva” (Ricoeur), instância crítica de confortável acomodação na realidade, motor da história, horizonte que guia a práxis, purificada da mitologia e da regressão à qual por vezes tende, com intencionalidade ética que defende subjetividade e alteridade negadas, que descoloniza e antecipa um Outro Mundo Possível, a partir de uma concepção de progresso disruptivo e guiada pelo princípio da esperança, onde, como afirma Ernst Bloch, não há falsidade.

19

Manter sinergias com os movimentos sociais antiglobalização, anti-hegemônicos, feministas, ambientalistas e pacifistas como mediação necessária para um cristianismo com um desejo de transformação para as pessoas e as estruturas injustas.

20

Praticar um diálogo que conduza a um cristianismo não uniforme, mas plural, não monológico, mas dialógico; o diálogo como atitude, estilo de vida, método de busca da verdade e caminho para a resolução pacífica dos conflitos.

21

Se o cristianismo quiser ser historicamente significativo e contribuir para a defesa da dignidade e dos direitos da natureza saqueada e das pessoas cujos direitos são negados, deve ser policromo, ou seja, combinar o vermelho do empenho com a justiça, o verde da ecologia e da esperança, o roxo do feminismo e o branco da paz. Em outras palavras, deve ser um cristianismo inclusivo-ecoigualitário-fraterno-sororal.

Leia mais