10 Novembro 2025
Depois de dois dias reunidos em Belém, líderes mundiais deixam delegações para negociar o que deve ser feito para frear as mudanças climáticas, ainda com o desafio do petróleo pairando no ar.
O artigo é de Cristina Serra, jornalista, publicado por Amazônia Real, 08-11-2025.
Eis o artigo.
A COP da Floresta – como está sendo chamada a COP30, em Belém – começa com o desafio de ir além dos slogans e de discursos bonitos, cheios de promessas que ninguém sabe se serão cumpridas. Diante da emergência climática, o mundo prende a respiração e espera que a revoada de chefes de Estado e de governo, de suas delegações e seus negociadores seja capaz de apresentar soluções concretas que nos afastem da beira do precipício do aquecimento global.
Nos últimos anos, as Conferências das Partes (COPs) têm sido pródigas em palavras e vazias de avanços. Os negociadores tomam o avião de volta, deixando incertezas e perplexidades, sobretudo para aqueles que já sentem os efeitos dos desastres climáticos. São milhões de refugiados ambientais que tentam escapar da desertificação, de secas severas, inundações e enchentes devastadoras que aniquilam vidas, sonhos e o futuro das populações que, como diz o líder indígena Davi Yanomami, seguram a queda do céu.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem destacado o número de mortos em consequência do calor extremo: 550 mil por ano em todo o planeta. É uma morte por minuto. The Lancet, uma das revistas científicas mais importantes do mundo, publicou que as causas dessa carnificina climática são calor, secas, incêndios florestais e doenças infecciosas, como a dengue. Qual é a causa de tudo isso? A queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás), responsáveis por 75% das emissões de gases do efeito estufa na atmosfera.
A dependência do petróleo
O tema da eliminação da queima de combustíveis não está incluído no mandato formal das negociações. Mas é óbvio que ele permeia todas as discussões e que a COP da Floresta precisa, de alguma forma, avançar na fixação de um horizonte para que, como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o mundo supere a dependência do petróleo. Lula discursou na abertura da Cúpula do Clima, evento que antecedeu a conferência (6 e 7 de novembro) e em que os chefes de Estado deram – teoricamente – as orientações para suas delegações negociarem na COP, que começa na segunda-feira (10). Se as delegações vão segui-las, é outra história.
A declaração de Lula sobre o petróleo traz uma espécie de mandato político para que o tema seja discutido, mas a questão é acompanhada por “dificuldades e contradições”, que ele mesmo mencionou. Contradições dentro do seu governo, que claramente tem uma ala ambiental e outra petroleira. No embate entre elas, Lula tenta se equilibrar no fio da navalha.
Há cerca de 20 dias, o Ibama concedeu licença para a Petrobras perfurar um poço de pesquisa exploratória na Bacia da Foz do Amazonas, dentro da região conhecida como Margem Equatorial. A pesquisa permitirá a avaliação do potencial econômico da bacia e é vista por muitos cientistas e ambientalistas como um caminho sem volta em mais uma frente de exploração e de emissão de gases do efeito estufa.
Também na Cúpula do Clima, Lula anunciou a criação de um fundo oriundo dos lucros da exploração de petróleo a ser aplicado na transição energética e na promoção da justiça climática. Mas os detalhes ficaram para depois. Qual é o montante do fundo, prazos, metas etc? Nem a ministra Marina Silva, nem o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, souberam explicar. Aliás, eles pareceram surpresos com o anúncio.
TFFF à espera de recursos
Já o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF na sigla em inglês) foi lançado por Lula e recebeu os primeiros compromissos de aporte. O fundo é um mecanismo de financiamento para proteção das florestas tropicais, que receberá dinheiro público e privado e será gerido pelo Banco Mundial. Na Cúpula do Clima, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o fundo já reúne compromissos que somam 5,5 bilhões de dólares. Brasil e Indonésia contribuem com 1 bilhão de dólares cada; a Noruega, com 3 bilhões de dólares e a França com 500 milhões de euros. Portugal fez uma contribuição simbólica de 1 milhão de euros (para custos operacionais).
O primeiro compromisso privado partiu do bilionário australiano Andrew Forest, que prometeu investir 10 milhões de dólares. A meta de Lula para o TFFF é alcançar 125 bilhões de dólares. A expectativa de que a Alemanha anunciaria recursos foi frustrada. O primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, reuniu-se na sexta-feira (7) com Lula e disse que a Alemanha vai contribuir com uma quantia “considerável”. Mas ele terá que discutir o assunto internamente com seu gabinete, considerando a rigidez do orçamento alemão.
Haddad disse que o fundo ainda está sendo conhecido pelos países e que este é um momento de “convencimento”. O governo tem destacado que o fundo não reúne doações, mas investimentos em programas de proteção que darão retorno aos investidores. O fundo, portanto, opera com lógica de mercado, o que tem motivado muitas críticas de povos indígenas, ambientalistas e comunidades tradicionais que não veem a terra e suas florestas como mercadoria. Lula também se reuniu com o vice-primeiro-ministro da China, Ding Xuexiang, enviado especial do presidente Xi Jinping. A China tem sua economia baseada no carvão e é o maior poluidor do planeta (os Estados Unidos, que não mandaram representantes para a COP30, vêm em seguida). Também não houve anúncio de adesão ao fundo por parte dos chineses.
Na porta de entrada da maior floresta tropical do planeta, a COP30 – que se estenderá até 21 de novembro – será realizada no contexto geopolítico mais desfavorável desde o Acordo de Paris, em 2015. Na ocasião, os países concordaram em tomar medidas para que a temperatura do planeta não ultrapasse 1,5 grau Celsius em relação aos níveis pré-industriais, quando o mundo começou a funcionar movido por combustíveis fósseis.
Participação da sociedade civil
O mundo enfrenta o genocídio em Gaza, a guerra na Ucrânia, a ascensão da extrema-direita em muitos países, o protecionismo comercial, o esfacelamento do multilateralismo como forma de mediação de conflitos e o negacionismo climático e científico, para ficar apenas em alguns exemplos das dificuldades que os negociadores irão enfrentar, em Belém.
Presente ou ausente da COP da Floresta, os Estados Unidos, maior emissor na somatória histórica de gases poluentes, influencia as discussões com o peso de sua força gravitacional por ser, ainda, a maior economia e a maior potência militar do planeta. O país que é “viciado” em petróleo, na definição do ex-presidente George W. Bush, tem feito tudo ao seu alcance para esfacelar o multilateralismo e quer continuar furando poços de petróleo como se não houvesse amanhã. O presidente atual, Donald Trump, foi eleito com o lema: “Drill, baby, drill” (“Perfure, bebê, perfure”).
Com tantos e tamanhos desafios, a maior esperança de avanços na COP30 reside na intensa participação da sociedade civil, de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, movimentos de mulheres e de jovens que se mobilizam para que suas vozes sejam ouvidas e seus saberes reconhecidos. Nesse sentido, vale celebrar a aprovação da Declaração de Belém sobre o Combate ao Racismo Ambiental, um avanço inédito, na Cúpula do Clima. Pela primeira vez, justiça racial e ambiental foram considerados formalmente pilares inseparáveis para o desenvolvimento sustentável.
O texto reconhece que os impactos da emergência climática sacrificam as populações de forma desigual, recaindo de maneira mais violenta sobre comunidades afrodescendentes, indígenas e tradicionais. A COP da Floresta respira esperança e bate com o coração da Amazônia. Que Curupira nos ajude.
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