05 Novembro 2025
"É preciso trabalhar para a transformação do Congresso Nacional, através da eleição de pessoas realmente comprometidas com o bem da população, principalmente a parte mais vulnerável que tem sido vítima da ganância das classes endinheiradas que comandam a maioria dos congressistas brasileiros", escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha é jesuíta, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Eis o artigo.
A democracia não se reduz ao momento em que os cidadãos se dirigem às urnas eleitorais para digitalizar o nome do candidato da sua preferência, principalmente em uma sociedade marcada pela manipulação ideológica realizada pelas redes sociais, onde a prática da fake news é descontrolada. A democracia é um modelo de governo pautado pela vontade popular, que reflete anseios como liberdade, diversidade, igualdade, dignidade e respeito às leis e convenções. A garantia dos Direitos Humanos também é elemento imprescindível para a consolidação de uma democracia. A democracia é incompatível com a miséria.
Uma nação que não se esforça para oferecer melhores condições de vida a sua população não pode ser chamada democrática, pois quanto melhores são a saúde, a educação, a segurança, o meio ambiente e as condições de moradia de um povo mais solidário e democrático ele se apresenta. A omissão frente às desigualdades, à fome, ao desemprego, à pobreza e à deterioração ambiental sedimenta o caminho do colapso político, social, cultural, econômico e ambiental. A luta pela democracia está estreitamente relacionada com a luta por direitos e pela melhoria da qualidade de vida de um país.
Em 2025, comemoramos quarenta anos de redemocratização no Brasil. A posse do ex-presidente José Sarney, no dia 15 de março de 1985, marcou o inicio do atual período democrático brasileiro. Grandes expectativas perpassaram esta nova fase, depois de um brutal período de Ditatura Militar, que ceifou direitos, liberdades e muitas vidas. Muito sangue foi derramado nas mãos de cruéis algozes e torturadores para podermos iniciar esta nova fase democrática. Para não retrocedermos ao período obscuro da Ditadura é necessário avaliar a efetividade da nossa democracia e identificar as disposições da nossa sociedade, visando aperfeiçoá-la cada vez mais.
Uma democracia eficiente exige a contribuição de todos, principalmente daqueles que mais podem aportar na construção de um país mais justo e solidário, onde todos os seus cidadãos possam ter os seus direitos básicos garantidos. Ao rejeitar o Projeto de Lei que taxa as grandes fortunas, o Congresso Nacional mostrou a sua indiferença e desinteresse pela construção de uma democracia forte no Brasil. Rejeitando abrir mão de um pequeno percentual dos seus estratosféricos lucros em favor das populações mais pobres, a maioria que compõe o Congresso Nacional exibe a sua mesquinhez e mostra que não trabalha pela democracia nem pelos brasileiros.
A rejeição da taxação dos mais ricos confirma a conhecida tese de que as elites possuem aversão à democracia. Só aceitam aquilo que as beneficia. Na verdade, elas querem mesmo é colocar o Brasil a seu serviço, submetendo toda uma nação aos seus interesses espúrios. Dominando a maioria do Congresso Nacional, estas elites econômicas bloqueiam o processo democrático brasileiro, rejeitando a noção de bem comum, que é necessária para que haja qualquer sentimento de solidariedade com os que mais sofrem.
A violência do Estado que mata a sua população é resquício do período ditatorial que ainda subjaz à política brasileira. A chacina coordenada pelo governo do Rio de Janeiro contra a população das favelas cariocas é expressão desta democracia bloqueada. Aqueles que rejeitaram a taxação dos mais ricos são os mesmos que atribuem sucesso à maior matança do Brasil realizada no Rio de Janeiro nos últimos dias. A omissão do Congresso Nacional que rejeita a taxação das grandes fortunas, reforçando a pobreza e a desigualdade social brasileira, é correlata à ação truculenta do Estado que tortura e assassina as populações mais vulneráveis, nos lugares mais pobres. A ligação entre estes acontecimentos salta às vistas!
A produção e perpetuação da pobreza engendrada pelas elites brasileiras através da ação orquestrada no Congresso Nacional também se expressa na violência do Estado que anula as vidas dos mais pobres, inviabilizando as chances e as oportunidades de milhares de pessoas ao longo do território nacional. Os tiros que ceifaram aquelas vidas foram disparados em Brasília quando os congressistas rejeitaram a oportunidade rara de fazer um país mais justo e igualitário, capaz de garantir direitos básicos às populações periféricas do Brasil.
A ascensão da extrema direita, que já comanda vários Estados brasileiros, é resultado de uma democracia estagnada, com fortes vínculos ditatoriais que impedem o avanço do país rumo a uma civilização mais solidária. A extrema direita autoritária é o braço político das elites alojadas no Congresso Nacional que não permitem a expansão da democracia, pois estão apegadas a paradigmas individualistas e estratégias corporativas de manutenção e concentração da riqueza nas mãos de poucos. Vemos uma utilização do Estado para fins indevidos que freiam os processos democráticos, numa clara traição à Constituição Cidadã.
É necessário avaliar a nossa democracia para torná-la mais efetiva, realizando os anseios de dignidade dos brasileiros e priorizando os seus direitos constitucionais frente aos ataques elitistas e autoritários. É preciso trabalhar para a transformação do Congresso Nacional, através da eleição de pessoas realmente comprometidas com o bem da população, principalmente a parte mais vulnerável que tem sido vítima da ganância das classes endinheiradas que comandam a maioria dos congressistas brasileiros.
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