25 Setembro 2025
"O destino do mundo pertence a Deus. O Papa, na encíclica Quas Primas de 1925, proclamou Cristo Rei do Universo. Seu reino 'quanto mais amplamente abraça o gênero humano, mais os homens se tornam conscientes daquele vínculo de fraternidade que os une'", escreve Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Sant'Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 23-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O centenário da Morcelliana coincide com dois jubileus: 1925 e 2025. Grande parte do século XX foi marcada pelas consequências da Primeira Guerra Mundial, da Segunda Guerra Mundial, da reconstrução e da Guerra Fria, da queda do Muro de Berlim e do início do século global. Não pretendo aqui escrever a história da Morcelliana, mas tentar apenas esboçar as alternativas para a Igreja ao longo do século.
Estou ciente de que as ideias veiculadas pela Morcelliana desempenharam um papel significativo na reformulação do catolicismo: nos anos da atração do nacional-catolicismo, na reconstrução democrática e com Paulo VI, o Don Batista que os "brescianos" quiseram na Cúria a partir de 1923 e que estava entre os fundadores e animadores da Morcelliana.
Paulo VI, discursando na Morcelliana em 1964, um ano após sua eleição, desculpando-se por abordar uma questão específica, apesar de exercer um ministério universal (texto comentado com perspicácia por Stefano Minelli), ilustra problemas e intenções da operação. "A cultura católica", diz ele, "após a crise modernista e a convulsão espiritual da Primeira Guerra Mundial, precisava urgentemente se reabastecer e se conectar com a produção cultural dos países mais próximos..." Uma cultura em crise, inadequada, isolada. Montini indicava dois pesados fardos para o catolicismo no primeiro quarto do século XX: a guerra como convulsão espiritual (Giorgio Vecchio escreve sobre ela em Don Mazzolari), mas também a derrota do cristianismo. Uma derrota que se percebia na rejeição generalizada da mensagem sobre o "massacre inútil" de 1917 e nos conflitos nacionalistas profundamente enraizados entre católicos e cristãos. Tanto que em 1920 o Papa escreve a primeira encíclica sobre a paz: Pacem Dei munus.
Um sentimento de fracasso no mundo cristão não católico de onde se originava um novo ecumenismo, que se questionava se a divisão dos cristãos não estaria favorecendo o ódio entre as nações e se a unidade poderia, em vez disso, ser uma plataforma para a paz. Tanto que a paz se torna central para algumas Igrejas Protestantes, enquanto outras, Ortodoxas, se identificam com o destino nacional (o que ainda é verdade no cenário atual). O Patriarca Atenágoras de Constantinopla, interlocutor próximo de Paulo VI, com quem se encontrou em Jerusalém, lançou a visão: "Igrejas irmãs, povos irmãos". Unidade religiosa e paz caminham juntas. A guerra das nações está entrelaçada com a das religiões, como constatamos nestes últimos anos. E a guerra novecentista é cada vez mais global, envolve e revira, num sistema de conexões, o mundo inteiro e, com a ameaça atômica (são oitenta anos desde Hiroshima e Nagasaki), colocando em risco a sobrevivência da humanidade, subvertendo os quadros político-morais dentro dos quais todos os conflitos até então eram avaliados. Guerra e paz continuam sendo um desafio decisivo para a Igreja.
O pedregulho, de outra natureza, é o século XX, como o século mais secularizado da história, no qual a visão de Comte parece estar se concretizando, a superação da era teológica e metafísica em uma era positivista.
O avanço da modernidade teria tornado residual, irrelevante o espaço da religião em toda parte: era quase um dogma para o pensamento da época. Em 1927, Sigmund Freud publicou O Futuro de uma Ilusão, no qual retomava as teses sobre a inconsistência da religião, explicando-a como complexo do pai e prevendo sua superação como neurose infantil.
O pontificado de Leão XIII, por sua vez, havia tentado sair de uma fase de oposição e defensiva com aquele novo clima que, mais tarde, von Balthasar definiu: "Derrubar os muros artificiais... para separar-se do mundo, tornar-se livre para cumprir a própria missão...". Esse clima reaparecia na questão social com a Rerum Novarum e o entusiasmo que ela despertou, na cultura e na ciência com um vasto fervor de estudos, e no engajamento internacional com as intervenções de mediação do Vaticano. A subsequente crise modernista e a forte repressão criaram um clima de desconfiança que pesava bastante sobre a fundação da Morcelliana e pedia cautela. Em 1964, Paulo VI fala abertamente de uma "crise modernista" como fato histórico. Em 1966, quando a editora traduzindo "História, Dogma e Crítica da Crise Modernista", de Émile Poulat, pretendia historicizar a questão que, ao contrário, quarenta anos antes havia sido percebida como um problema urgente pelos fundadores. Stefano Minelli me confidenciou que a edição de 712 páginas do livro de Poulat, acadêmica e de difícil difusão, se transformou num fardo financeiro significativo para a Morcelliana.
Em 1962, Pietro Scoppola havia se reconciliado com o modernismo, publicando "Crisi modernista e rinnovamento cattolico in Italia". A história, dizia Scoppola, tem uma função libertadora e objetivante. E ele estava certo. Giacomo Martina, que publicou os primeiros manuais de História da Igreja com a Morcelliana, viu a situação no início da editora da seguinte forma: "Na Itália de 1925 a pessoa tinha que ser fascista (e culturalmente seguidor de Gentile) ou antifascista (e seguidor de Croce), ou católico e ligado a esquemas da intransigência, com seu antissemitismo, ainda que brando e disposto a concessões, com sua desconfiança, mesmo que não abertamente ligada a uma inspiração confessional". De fato, o peso confessional atrofiava o impacto das obras católicas, mesmo as espirituais.
Naquela época, o regime fascista estava se consolidando, com o fim dos partidos políticos e o Manifesto dos Intelectuais fascistas..., redigido por Gentile. Esse é o cerne da operação da Enciclopédia Italiana, que a partir de 1925 acolhe os intelectuais dentro da lógica do "consenso", paralela e funcional à da "força", a outra face do regime. Gentile, com a Enciclopédia, quase distingue a política da ciência (contraposta ao manifesto dos intelectuais antifascistas de Croce, que tinha na política sua referência central). A cultura do regime apreciava uma editora católica confessional, tradicional e devocional.
Mas qual era o espaço da Igreja em uma Europa com tantos regimes autoritários? Os nacional-catolicismos eram a solução do momento. Havia poucas democracias europeias a que os católicos podiam contribuir (mesmo após o fim dos populares na Itália). Pio XI, culto, erudito, moderado, sem um forte senso das liberdades democráticas, quis uma manifestação da primazia da fé com o Jubileu de 1925. A paz parecia-lhe extremamente frágil: "Não se vê como possam ser restabelecidos os vínculos de fraternidade entre os povos... a menos que os próprios cidadãos e governos decidam assumir aquela caridade que, infelizmente, por tanto tempo, especialmente por causa da guerra, parecia adormecida e quase abandonada." É preciso reconstruir o mundo em Cristo!
O destino do mundo pertence a Deus. O Papa, na encíclica Quas Primas de 1925, proclamou Cristo Rei do Universo. Seu reino "quanto mais amplamente abraça o gênero humano, mais os homens se tornam conscientes daquele vínculo de fraternidade que os une". Isso se aplica aos batizados de todas as confissões, "também abraça aqueles que não têm fé cristã, de modo que todo o gênero humano esteja sob o poder de Jesus Cristo". A Europa e o mundo: católicos, outros cristãos e não cristãos. As missões estão no centro do Jubileu: a Exposição Missionária Universal é realizada em Roma. Em 1924, foi celebrado o primeiro concílio plenário chinês e, em 1926, Pio XI ordena os primeiros seis bispos chineses na Basílica de São Pedro: o objetivo era uma Igreja chinesa forte. O "reino de Cristo" confronta-se com complicadas nações e autocracias na Europa, impérios coloniais e a nova República da China, abalada pelos senhores da guerra e desafiada pela URSS.
A Morcelliana nasce quando o fascismo se torna regime.
Leia mais
- Os quatro grandes desafios de Leão XIV no governo da Igreja
- Três desafios para a Igreja do Vaticano II: Descerdotalização, desromanização e desantropologização. Artigo de Jorge Costadoat
- Leão XIV expressou sua "proximidade aos católicos comprometidos e solidários com a população da Faixa de Gaza"
- Leão XIV clama mais uma vez por Gaza: "Não há futuro baseado na violência, não há futuro baseado no exílio forçado, não há futuro baseado na vingança"
- A Igreja Católica, a Segunda Guerra Mundial e as vítimas do nacional-socialismo
- Nazismo: a legitimação da irracionalidade e da barbárie. Revista IHU On-Line, Nº 265
- Andrea Riccardi: “O que mais me abalou foi o silêncio de Pio XII depois da Guerra”
- Não à guerra das igrejas. Artigo de Andrea Riccardi
- Leão XIV navega pelas tensões entre a Igreja, o judaísmo e a guerra em Gaza. Artigo de Tom Roberts