20 Setembro 2025
"No coração da Faixa de Gaza, sob um céu zumbindo de drones e afundado no fogo, a infância já assumiu um aspecto diferente".
O artigo é de Majd al-Assar, habitante de gaza, publicada por La Stampa, 18-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
No coração da Faixa de Gaza, sob um céu zumbindo de drones e afundado no fogo, a infância já assumiu um aspecto diferente. Não é mais definida por brinquedos, livros escolares ou tardes tranquilas e ensolaradas, mas pela perda, devastação e o instinto de fuga. Linda, Lin, Judy e Hamza vivenciaram o horror da guerra de maneiras que marcarão suas vidas para sempre.
Embora cada história seja pessoal, as quatro crianças estão unidas pela mesma poeira, pelo mesmo campo de refugiados e pela mesma pergunta silenciosa: por que nós? Cada uma dessas crianças percorreu um caminho diferente, mas atravessou uma mesma tempestade. Cada uma delas carrega consigo fragmentos de muros, memórias e pessoas que nunca mais voltará a abraçar. E, no entanto, na carestia e na devastação total, de alguma forma, todas elas escrevem. Sonham. Aprendem. E lembram não apenas o que lhes foi tirado, mas também o que continua a viver dentro delas.
Deixei a minha avó, quando a revi estava morta
Linda Omar Saad, 11 anos
Linda Omar Saad tem 11 anos, vem do campo de Al-Nuseirat e vive com a sua irmã Kayan, de 10 anos, e o irmão Amin, de 6 meses. Desde o início da guerra, em 7 de outubro de 2023, Linda viveu constantes deslocamentos, no medo e com a fome, como muitas outras crianças em Gaza.
"Acordei com o estrondo das bombas que caíam à minha volta", disse ela. O seu pai espiou pela janela enquanto os drones e os mísseis explodiam. A sua avó, aterrorizada, avisou o homem para não se debruçar para fora, porque era demasiado perigoso e ele poderia virar alvo. Sob uma saraivada de fogo, a família fugiu da casa, avançando cuidadosamente entre os prédios enquanto os drones e os projéteis continuavam a cair. Pouco depois, chegaram à casa de um parente perto do mercado, a menos de um quilômetro de distância.
"Minha mãe estava arrasada", conta Linda. "Ela não parava de chorar, dizendo que tínhamos abandonado a avó, a tia e seus três filhos." No dia seguinte, seu pai ligou e disse-lhes para irem ao Hospital Al-Awda. "Entramos no necrotério e os encontramos lá. Estavam deitados no chão, enfileirados...", lembra Linda. "Eles morreram no bombardeio. De fato, logo depois que saímos, nossa casa desabou. Seus corpos estavam despedaçados. Um tinha um ferimento no pescoço, outro na cabeça. Gostaria de não os ter deixado para trás."
Caminho entre escombros manchados de sangue
Lin Mahmoud Hamed, 10 anos
Lin Mahmoud Hamed tem dez anos. Tem dois irmãos, de oito e doze anos. Na noite anterior, os bombardeios sacudiram sua casa sem parar. Pela manhã, porém, as coisas pioraram ainda mais. A mãe voltou do mercado onde havia comprado espinafre e, assim que entrou na cozinha, uma enorme explosão sacudiu a casa. "Olhei pela janela e vi uma carroça puxada por um burro, com uma montanha de corpos dos mártires. Estava a caminho do hospital", conta Lin.
Ciente do perigo, seu pai mandou que todos pegassem seus documentos e se preparassem para a evacuação. Quando saiu para pegar o carro, outra bomba caiu. "Atingiu nossa casa. Minha mãe gritou. Encontramos meu pai caído no chão: ele estava inconsciente e sangrando na cabeça. Pensamos que o tínhamos perdido", conta Lin. Quase milagrosamente, o homem recuperou a consciência.
Toda a família então embarcou em uma fuga traumática a pé pelas ruas cobertas de escombros, cacos de vidro e sangue. "Contornamos a mesquita, mesmo sabendo que poderia ser um dos alvos. Mas não havia alternativas", lembra Lin. Para aumentar as chances de salvação, eles se separaram: Lin, sua mãe e sua irmã foram para um lado, seu pai e seu irmão mais novo para outro. Eles planejaram se encontrar na casa de um parente, a cerca de dois quilômetros de distância. "Quando finalmente chegamos e nos reencontramos, não conseguimos falar. Apenas nos abraçamos e choramos."
Um repórter morto na minha frente
Judy Fadi Hamed, 11 anos
Judy Fadi Hamed, prima de Lin, tem 11 anos e mora com os irmãos Farah, de 10 anos, e Ibrahim, de 8.
Naquela mesma manhã, um míssil atingiu sua casa enquanto toda a família estava preparando as malas para a evacuação. "Eu estava sozinha no quarto com meu primo de 8 meses e, de repente, a casa tremeu. Pedaços de muro e cacos de vidro caíram sobre nós. Perdi a consciência. Quando acordei, ouvi o pequeno chorando: seu rosto estava coberto de poeira e cinzas." Apesar de ferida em um pé, Judy levantou a criança e a carregou escada abaixo, onde seu pai e os tios estavam levantando a avó ferida do chão. A família fugiu descalça, pisando em escombros, cacos de vidro e fragmentos de bombas. "Deixamos tudo para trás. Não nos resta nada, exceto medo."
Seu pai, assim como o de Lin, decidiu que seria melhor se separar. Judy, a mãe e Farah partiram e, no caminho, Judy viu alguns jornalistas filmando.
Ela ficou em frente à câmera e sorriu. "Eu queria aparecer na televisão, queria que me vissem", disse ela. Sua mãe, no entanto, a agarrou e a arrastou para longe. "Estão sempre mirando na imprensa", gritou ela. Poucas horas depois, ficaram sabendo que aquele repórter havia se ferido e que o cinegrafista havia perdido uma perna por causa de um drone.
Meu pai destroçado por um drone
Hamza Hossam Al-Tawil, 8 anos
Hamza Hossam Al-Tawil tem apenas oito anos, e talvez em sua memória esteja gravada a lembrança mais traumática de todas. Naquela mesma manhã de sexta-feira, sua mãe pediu que ele levasse o lixo para fora antes de fugir e ir para a casa da avó. Ele estava a poucos passos do portão da casa da família. "Meu pai estava na porta, olhando para mim e pedindo aos nossos vizinhos que nos ajudassem a ir embora."
Naquele momento, houve um estrondo e uma enorme explosão sacudiu o chão. Hamza correu em direção à casa, gritando a plenos pulmões. "Eu não sabia o que tinha acontecido, corri para o meu pai."
O que Hamza encontrou, no entanto, o mudou para sempre. Um míssil drone havia caído, atingindo exatamente onde seu pai o esperava na porta de casa momentos antes. "Seu corpo estava desmembrado. Minha mãe gritou. A ambulância não chegou e algumas pessoas o levaram embora em uma carroça puxada por um burro. Eu fiquei ali, olhando, olhando." Desde aquele dia, Hamza não derramou mais nenhuma lágrima. Ele sofre de um grave trauma psicológico e não consegue dormir nem se concentrar. "Meu pai era a pessoa mais importante da minha vida. Sem ele, não consigo fazer nada", disse ele ao La Stampa.
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