16 Agosto 2025
"A Europa não deve se opor ao fim da guerra na Ucrânia sob o risco de os EUA abandonarem o campo e se abrirem para a Rússia por conta própria. A troca de 'paz por territórios' é injusta, mas — se for trégua — a vida vem em primeiro lugar."
O artigo é de Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália publicado por Domani, de 14-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os europeus não devem se iludir: no encontro entre Trump e Putin a Ucrânia não será a única questão da qual serão excluídos. O magnata precisa garantir uma vitória nessa questão para demonstrar ser o "líder que traz a paz", mas as duas superpotências têm outros assuntos para discutir: questões estratégicas para o futuro. Por esse motivo Zelensky também não estará presente.
Em primeiro lugar, os EUA e a Rússia querem um controle da região ártica para obter matérias-primas e porque, com o derretimento do gelo, ela se tornará uma passagem comercial e militar crucial. Enquanto isso, precisam chegar a um acordo, considerando também a China. Para Washington, Pequim é seu maior concorrente econômico: tem como alvo a Groenlândia, pressiona o Canadá e não pode se dar ao luxo de nenhuma "neutralidade" (dinamarquesa ou canadense) no quadrante ártico. Moscou, apesar da vantagem geográfica, teme a invasão chinesa: a Sibéria já está cheia de trabalhadores chineses porque os russos são poucos; o desafio é principalmente demográfico.
Os EUA e a Rússia são as duas superpotências nucleares (a terceira, Pequim, está atrás em termos de número de ogivas e sistemas de lançamento), e todos ou quase todos os tratados de desarmamento ou redução entre os dois foram mutuamente denunciados: estadunidenses e russos se encontram em um "ponto zero", como se estivessem na época de JFK e Khrushchev. É uma situação que não agrada a ninguém: há o risco de erros, acidentes e a crescente possibilidade de uso da arma. A novidade é que os russos gostariam de convencer Washington de que "as armas nucleares táticas" não devem ser consideradas iguais às outras: uma questão muito mais relevante do que a própria guerra na Ucrânia, que, no entanto, pode se tornar o campo de trágicos experimentos. Além disso, ambos os lados querem limitar a proliferação (Irã). O sistema Trump, ou seja, o sistema de mercado baseado nas tarifas em vez do hiperliberalismo, não desagrada aos russos, que haviam se inserido na globalização com a energia e as armas convencionais: muito pouco para contar. Aos russos falta o big tech e a inovação de ponta. Podem encontrar ajuda – mas também dependência – na China. No setor espacial, eles ainda são superiores, também devido ao capital humano (engenheiros e cientistas russos de primeira linha). Trump quer cortar a conexão entre tecnologia chinesa e know-how russo. O acordo não é dos mais fáceis.
Depois, há os equilíbrios mundiais: Moscou não é uma potência comercial global, mas controla muitos corredores e espaços; pode condicionar passagens e gargalos, especialmente no Hemisfério Norte. Os EUA controlam os mares, mas não a terra, não na mesma medida que os russos. Quanto a Gaza, a estabilidade na região é crucial para ambos os lados. Depois de perder a Síria, Moscou quer voltar ao jogo; Trump pode aceitar se isso aliviar os EUA na Síria ou no Iraque, ou se Putin ajudar a conter o Irã. A questão de Israel permanece sem solução.
Na África, depois do Wagner, Moscou está usando o Afrika Corps para influenciar os regimes africanos, especialmente no Sahel. Trump entrou nas negociações entre Ruanda e o Congo Democrático. Para ambos, o cenário africano é demasiado complexo e cheio de incógnitas, incluindo o papel dos países do Golfo e da Turquia. Os EUA e a Rússia poderiam chegar a um acordo sobre zonas de influência. Há também o Cáucaso e os Bálcãs, e o Indo-Pacífico, Taiwan: muito a discutir.
A Europa não deve se opor ao fim da guerra na Ucrânia sob o risco de os EUA abandonarem o campo e se abrirem para a Rússia por conta própria. A troca de "paz por territórios" é injusta, mas — se for trégua — a vida vem em primeiro lugar.
Os europeus devem estar cientes que uma nova ordem exige novas regras, ou seja, garantias: somente a Europa, verdadeira potência normativa global, pode demonstrar aos dois (e a Xi) que o mundo não pode ser governado aos empurrões; aprendeu da maneira mais difícil que a política da força não tem futuro.
São João Paulo II escreveu em tempos sombrios para a Polônia: "Fraco é o povo quando consente com a derrota, quando se esquece de sua missão de vigiar até que chegue a hora. As horas sempre retornam no grande mostrador da história." Para a UE, fraqueza é se considerar derrotada: por um novo sistema de regras deve passar mesmo aquele que atualmente as despreza.