17 Junho 2025
Ao contrário do que se possa pensar, a utilização da violência militarizada nas ruas de Los Angeles não é uma demonstração de poder, mas um sinal de fraqueza do governo Donald Trump.
A reportagem é de Eliana Gilet, publicada por Brecha, 13-06-2025. A tradução é do Cepat.
A decisão do presidente republicano de militarizar a cidade mais mexicana de seu país, ao mesmo tempo em que alimenta o racismo do seu eleitorado, mina materialmente sua promessa de sanear a economia nacional.
De acordo com Jennifer Montoya Madrigal, do Observatório Econômico Latino-Americano (OBELA) da Universidade Nacional Autônoma do México, a proposta de Trump de expulsar 11 milhões de trabalhadores migrantes teria consequências negativas em toda a região.
Um dos seus efeitos já visíveis tem sido a queda nas remessas, ou seja, o dinheiro enviado pelos trabalhadores migrantes para seus países de origem. Em janeiro, as remessas para o México caíram quase 11% em comparação com o mês anterior e até 40% em áreas que são grandes exportadoras de pessoas. Os mexicanos nos Estados Unidos enviam 18,5% de sua renda anual para suas comunidades de origem, sustentando suas famílias e também o país. O envio desses dólares sustenta as reservas internacionais e o PIB regional. São tão importantes que, há uma década, as remessas superam em muito a receita do petróleo.
Além disso, Trump perderia recursos devido aos impostos pagos pelos migrantes, cerca de US$ 100 milhões anuais. Em outras palavras, a expulsão em massa de estrangeiros aumentará o já enorme déficit.
Soma-se a isso o impasse econômico que resultaria da eliminação de trabalhadores em dezenas de setores, da construção civil ao cuidado e aos serviços, como se fossem parte da trama do filme Um Dia Sem Mexicanos, de Sergio Arau. Os anúncios já provocaram uma queda de 17% no turismo, esperada pelas autoridades de Nova York.
“Os Estados Unidos têm um déficit fiscal de 6,8% do seu PIB, que é exatamente o mesmo que o seu déficit externo. Eles culpam a China por isso, sem considerar que o orçamento dos Estados Unidos não é decidido pela China”, explicou Óscar Ugarteche, economista e fundador do OBELA, ao Brecha. Ugarteche destacou que o governo americano investe seu orçamento em seguridade social, pagamento da dívida e defesa como suas três principais áreas.
“Sempre se disse que a economia deste país dependia de seus gastos com defesa, e descobriu-se que esses gastos estão articulados com o exterior, porque os insumos da indústria de alta tecnologia não são fabricados nos Estados Unidos. Se eles querem construir um tanque, por exemplo, entre 60% e 70% das peças serão importadas. Cada vez que aumentam os gastos com defesa, eles vão para o exterior”, afirmou.
As remessas também sofreram em consequência do processo inflacionário desencadeado pelas tarifas comerciais impostas pelo governo Trump. Também porque os migrantes têm receio de sair de casa por medo de serem vítimas das batidas policiais que ocorrem dentro de fábricas, plantas industriais e áreas comerciais.
“Agora, essas pessoas decidiram desafiar o governo mais poderoso do planeta a exercer seu direito à mobilidade humana”, indicou Francisco Argüelles, que há 25 anos se desloca entre os Estados Unidos e o México. Argüelles enfatiza dois pontos importantes: que a perseguição dos migrantes nos Estados Unidos é histórica e tem sido praticada tanto por republicanos quanto por democratas. “Há um espírito racista contra as comunidades migrantes que é sistêmico. As leis americanas têm se concentrado no controle da classe trabalhadora com base na noção de supremacia branca. Sempre houve essa opressão, esse capitalismo racializado, mas também há uma grande resistência”, afirmou.
O que há de novo, disse, é o grau de desprezo pelo outro e “a retórica brutal e descaradamente desumanizadora do atual governo”, cuja principal figura – “sombria”, diz Argüelles – é Stephen Miller. Judeu de 40 anos com um diploma universitário de elite, Miller não se encaixa no perfil socioeconômico dos eleitores de Trump, mas é um dos seus leais apoiadores. “Ele tem a visão que impulsiona esse sonho de poder deportar milhões de pessoas. Ele é uma figura muito perigosa”. Argüelles acredita que essa política de criminalização também deve ser lida no contexto do genocídio em Gaza: “As ações e políticas anti-imigrantes nos Estados Unidos estão profundamente alinhadas com o genocídio praticado pelo Estado de Israel contra a população palestina”, acredita.
A fórmula política que a liderança republicana delineou para realizar essa “missão” passa por um aumento do orçamento para repressão, o que confirma a descrição de Ugarteche. “No Texas, vivemos há anos sob um regime que era um ensaio para o que está acontecendo em nível federal”, explicou. Durante os mandatos de Rick Perry, que governou o Texas durante 16 anos, e Greg Abbott, que está há uma década no cargo, “um grupo de nacionalistas cristãos tem impulsionado esse mecanismo ideológico de repetir uma mentira mil vezes até que se torne verdade, insistindo na noção de uma ‘invasão’ estrangeira”, observou Argüelles.
Cerca de US$ 9 bilhões foram investidos em uma operação de militarização da fronteira chamada Lone Star, que envolveu a mobilização da Guarda Nacional para conter uma invasão de imigrantes que nunca aconteceu. “O dinheiro foi distribuído entre os condados fronteiriços que declararam a invasão, unidades móveis foram compradas e horas extras foram pagas a centenas de policiais, designados para patrulhar estradas desertas onde não havia fluxos massivos ou crises para conter”.
Onde criaram uma crise foi no México, quando impuseram a exigência de que os requerentes de asilo nos Estados Unidos permanecessem deste lado da fronteira, aguardando sua vez de serem atendidos. “Fique no México” foi um slogan lançado em 2019 (“Quédate en México”, Brecha, 10-05-2019), durante a primeira presidência de Trump, e ratificado pelo seu sucessor democrata, Joe Biden. Os governos mexicanos também não se saem bem. “É um discurso de padrão duplo dizer que você está defendendo seus compatriotas enquanto trata os migrantes detidos no México de forma muito mal”, disse Gabriela Hernández, gerente da Casa Tochan na Cidade do México, quando questionada sobre as ações das autoridades federais mexicanas. Como gerente de um abrigo gratuito de longa permanência, Hernández é uma voz qualificada em questões de migração: “Estamos satisfeitos em ver os protestos nos Estados Unidos e espero que os mexicanos aprendam que, se vocês querem que seus migrantes sejam respeitados, também precisam respeitar aqueles que estão aqui e que não são mexicanos”, disse.
“Voltemos ao argumento de que o uso da força que caracteriza o governo Trump é um sinal de fraqueza, propõe Ugarteche: quando você precisa usar o medo e a força, é porque sua capacidade de liderança não é mais reconhecida. O sintoma do declínio hegemônico dos Estados Unidos está no atual governo”.
A resistência comunitária até agora se concentrou em apelar às leis que supostamente concedem direitos aos migrantes. É uma estratégia que mostrou seus limites, disse Argüelles. “Agora, nos Estados Unidos, estão dizendo que um migrante não tem direito ao habeas corpus, por exemplo. Nos últimos dez anos, houve uma erosão brutal das instituições e da confiança do povo estadunidense nelas. Aqueles que votaram nesses senhores não percebem que, ao permitir que os migrantes passem pelo que estão passando, estão abrindo um precedente legal para que façam o mesmo com eles. Estão permitindo que este regime autoritário cresça”.