05 Mai 2025
Ele sustenta que os conflitos na Igreja refletem os conflitos no mundo. Ele denuncia a existência de uma organização financiada por católicos conservadores americanos ligados a Trump que usa os serviços da CIA e do FBI para coletar dados sobre a vida privada de cardeais progressistas. Ele dá o nome da pessoa que ele acredita que poderia suceder Francisco.
A reportagem é de Washington Uranga, publicada por Página|12, 05-05-2025.
Leonardo Boff (86 anos), filósofo, teólogo e ecologista brasileiro, é um intelectual de renome mundial. Ele e o falecido Gustavo Gutiérrez (1928-2024), um padre peruano, são considerados os “pais” da teologia da libertação católica na América Latina. Sobre o conclave que começa na próxima quarta-feira em Roma, o brasileiro diz que “ouso pensar que, dado que a maioria dos católicos vive fora da galáxia europeia, os Papas, depois do Papa Francisco, serão eleitos a partir das novas Igrejas, capazes de dialogar com as outras religiões e de viver a nova situação da humanidade, habitando a única ‘Casa Comum’.”
O intelectual que hoje dedica grande parte do seu tempo a apoiar a luta ambiental ao redor do mundo. Ele fundamenta sua posição lembrando que “apenas 25% dos católicos vivem na Igreja europeia” e “65% nas Américas, e o restante vive em vários continentes”.
Segundo Boff, "o cristianismo europeu está em agonia. Algumas igrejas estão fechadas porque nenhum fiel as frequenta". Em vez disso, ele sustenta, “ nas Américas está se consolidando um cristianismo que é fonte e não mais espelho dos europeus”, porque “depois de mais de 500 anos de presença cristã, surgiram novos rostos da Igreja, a Igreja na base dos fiéis, bispos despossuídos, que não vivem mais em palácios, mas entre o povo, padres que vivem nas periferias, uma enorme série de movimentos laicais, que assumem sua autonomia, e muitas religiosas que vivem no interior da Amazônia”. Sem deixar de admitir que a par deste “outro tipo de igreja” persiste ainda “muito do estilo romano de Igreja”, mas “esta não é a que conduz ao futuro”.
Boff foi um padre católico da ordem franciscana de 1970 a 1992, quando decidiu abandonar o sacerdócio ministerial após desentendimentos, rejeições e sanções do Vaticano sobre seus textos teológicos. Isso não o impediu de continuar sua produção intelectual (mais de 60 livros) e, com a chegada de Jorge Bergoglio ao papado, retomou o diálogo frequente com as instituições da Igreja.
Ao se referir ao conclave que elegerá o sucessor de Francisco, o brasileiro pede que não sejamos "ingênuos" e assumamos a existência de "conflitos" que, "de certa forma, são naturais, porque a Igreja Católica como instituição religiosa não se organiza em torno do livro dos Evangelhos, mas em torno da sacra potestas (poder sagrado) ", entendendo que "desde o século III, a categoria central que sustenta a institucionalidade eclesiástica é o poder, herdado dos imperadores romanos". E para sustentar isso, ele sustenta que "isso continua até hoje, a ponto de o pequeno Estado do Vaticano ser a única monarquia absoluta que ainda existe".
Por tudo isso, continua, “o tema do poder também ressoa no Conclave”. Assim, argumenta Boff, "há ultraconservadores como os cardeais Robert Sarah, da Guiné, Leo Burke, dos EUA, e Gerhard Müller, da Alemanha, que defendem uma Igreja extremamente conservadora, uma verdadeira cisterna de águas mortas", que "são contra todas as reformas que foram feitas e são oficiais", insistem na "marginalização das mulheres" e "gostariam de retornar à missa em latim com o padre de costas para o povo". Ele também denuncia que "há também uma organização conspiratória, a Red Hat Report, financiada por católicos conservadores americanos, por magnatas ligados a Trump e pelo ultraconservador Bannon, que utiliza os serviços da CIA e do FBI para coletar dados sobre a vida privada de cardeais progressistas com a intenção de manipulá-los e corromper o Conclave. Seu interesse é evitar a eleição de um Papa progressista, desconfortável com a orientação do governo, e preferir um conservador que esteja em sintonia com as políticas autoritárias da atual administração."
Mas Boff ressalta que, em meio a "uma gama de orientações", há também "alguns cardeais mais progressistas, no sentido de caminharem com o mundo moderno; outros progressistas mais críticos da modernidade e cautelosos em contaminar os fiéis com pensamentos não alinhados ao cristianismo oficial. Há outros francamente franciscanos, que optam pelos pobres, defendem uma moral mais flexível em relação aos divorciados e acolhem pessoas de outras orientações sexuais, abertos ao diálogo com todos, como fez o Papa Francisco".
Sobre o resultado do conclave, Boff afirma que "ninguém pode saber para onde irá a escolha de tantos cardeais com tantas visões teológicas e pastorais". No entanto, ele lembra que “a hipótese é bem conhecida: quando não se consegue chegar a um certo consenso nem mesmo entre os ‘papabili’, busca-se alguém mais discreto, capaz de dialogar com as diferentes partes, capaz de criar um consenso”.
Além disso, ele tem sua própria proposta para suceder Francisco. “Sugiro o nome do cardeal de Manaus (Brasil) Leonardo Ulrich Steiner, franciscano”, diz ele. E ele argumenta: “Ele tem vasta experiência internacional, é fluente em português, italiano e alemão e desfruta de sólida formação teológica e espiritual. E, mais decisivamente, é o único cardeal do vasto bioma amazônico. (...) O Cardeal Leonardo se destacou pela defesa dos povos indígenas, ribeirinhos e povos da floresta tropical. Foi duro com o ex-presidente Bolsonaro por permitir que tantas pessoas morressem de Covid-19, especialmente por deixar hospitais sem oxigênio.” Para reforçar seu argumento, ele acrescenta traços de personalidade: "Ele tem um temperamento sereno e terno, com uma profunda compreensão das pessoas, especialmente daquelas que mais sofrem. Será que ele seria a figura do consenso? Se fosse, eu não ficaria surpreso se adotasse este nome: Papa Francisco II."
Em 2013, Leonardo Boff escreveu o livro “Francisco de Assis e Francisco de Roma: Uma nova primavera na Igreja”. Sobre a trajetória do falecido Papa, o intelectual brasileiro afirma que "Francisco se insere no arcabouço da teologia da libertação ao estilo argentino: libertar a cultura silenciada e os povos oprimidos".
Sobre sua relação com Francisco, o brasileiro afirma: "Combinamos nos encontrar várias vezes, mas devido a problemas internos no Vaticano, não foi possível. Mas tenho cartas carinhosas dele e uma fotografia nossa juntos quando estávamos em Buenos Aires, em 1972, dando palestras", lembra com carinho.