27 Fevereiro 2025
“O Papa Francisco é uma pessoa de grande humanidade e grande humildade. Seu pontificado, ao longo de todos esses anos, representou um farol moral e espiritual, não apenas para os católicos, em um momento em que a humanidade parece ter maior necessidade, envolta como está por um triste presságio de tempos sombrios de retorno ao passado”.
Padre Luigi Ciotti, inspirador e fundador, primeiro do Gruppo Abele e depois da Associação Libera, contra os abusos de poder das máfias na Itália e no mundo, conheceu bem o Papa e se encontrou com ele em mais de uma ocasião. Agora, como todos nós, está vivendo dias de ansiedade pelo estado de saúde do Santo Padre. Certa vez, falando de si mesmo, padre Luigi Ciotti disse que estava feliz por dedicar sua vida “a soldar a terra com o céu”. No fim das contas, é a mesma missão que o Papa Francisco está tentando cumprir, porque é isso que se faz quando se desce de um pedestal para ficar perto dos últimos da Terra.
A entrevista com entrevista com Luigi Ciotti, é de Pierangelo Sapegno publicado por La Stampa, 25-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como e quando nasceu a relação entre vocês?
Ele já conhecia nossa Associação, porque também havíamos aberto uma sede em Buenos Aires.
Foi o Papa que o procurou?
Ele me disse: 'Não conheço bem o problema da máfia. Peço-lhe que me envie algumas informações'. Para mim! Que eu sou tão pequeno! Se minha mãe estivesse viva, não acreditaria que o papa me pediu informações. Em nosso primeiro encontro na Casa Santa Marta, levei a ele um café piemontês torrado. O Papa me perguntou: Quem o ordenou padre? Quando lhe respondi que foi o Cardeal Pellegrino ele se iluminou: ‘Sabe de uma coisa’, ele me disse, ‘quando meus avós ficaram em dificuldades, foi um jovem padre chamado Pellegrino que lhes deu uma mão’. Nesse momento, perguntei se queria conhecer alguns familiares de vítimas da máfia. Ele me interrompeu com uma palavra: 'Estou indo!'.
E como foi?
Éramos mais de mil pessoas. Deviam ser 1.200. Ele e eu entramos no salão onde eles estavam nos esperando, de mãos dadas. Foi um encontro emocionante e o Papa teve palavras maravilhosas para todos. Ele demonstrou sensibilidade, afeto e atenção. Ele ficou olhando para eles e disse: 'Quero falar aos grandes ausentes. Aos homens da máfia’. Ele é realmente um homem de grande coragem, o Papa Francisco. ‘Eu lhes peço de joelhos. Convertam-se'.
E depois?
Recentemente, ele queria que fizéssemos um encontro sobre as propriedades confiscadas da máfia. Então, nós os fizemos. Podemos dar casas para os pobres, casas para as associações. No Papa Francisco, encontrei um pai, mas também um irmão atencioso, que pergunta como você está, com quem se pode trocar confidências, com quem se tem encontros não formais. Uma pessoa de extraordinária força comunicativa, que nos lembra que as palavras são ações e, portanto, responsabilidades. Não se deve falar à toa, não se deve falar o falso ou omitir o verdadeiro. Ele nos convida a dizer palavras de vida. Como quando ele se encontrou com as mulheres que se libertaram da máfia.
Você havia pedido isso a ele?
Sim. Ele quis encontrá-las em grande segredo. Com seus filhos. A primeira coisa que disse foi: 'Nunca deixaremos vocês sozinhas'. Isso dá a medida de sua humanidade e de sua coragem. ‘Abençoo essa sua escolha e encorajo vocês a continuar. Imagino que tenha havido momentos de medo, de perplexidade. Isso é normal. Nesse momento, pensem no Senhor Jesus que caminha ao seu lado.
Podemos realmente dizer que ele é um Papa próximo dos últimos da Terra?
Em seu pontificado, ele está deixando um legado luminoso que pode continuar a nos mostrar o caminho: um caminho a ser percorrido junto com todos os homens de boa vontade, para além das referências religiosas, políticas e culturais. O caminho em direção à justiça social e ambiental, em direção a uma paz fundada na promoção do bem comum. Sua Igreja foi capaz de finalmente de abrir suas portas de par em par. E em todos esses anos ele escancarou as portas da Igreja para deixar todos entrarem, começando pelos mais pobres, os mais fracos, os discriminados e os sofredores. Mas portas abertas também para se tornar uma Igreja em saída: uma comunidade que vai ao encontro dos problemas do mundo porque se sente envolvida, uma consorte dentro da grande família humana, responsável por garantir dignidade e direitos a qualquer irmão ou irmã. Portas abertas e braços abertos, que Francisco foi o primeiro a estender às pessoas que se dirigiam a ele em busca de conselhos ou consolo.
Mas que tipo de homem você conheceu?
Pude tocar com minhas próprias mãos sua humildade, sua extrema facilidade de entrar em comunhão com as pessoas, de se fazer pequeno ao lado dos pequenos, sem nunca deixar de avisar os grandes do planeta sobre suas culpas ou inadimplências. Basta pensar nas palavras duras dirigidas aos proponentes de ‘narrativas que discriminam e causam sofrimento desnecessário a nossos irmãos e irmãs migrantes e refugiados’.
Podemos falar de uma revolução?
Não. Em minha opinião, foi uma conversão, um retorno radical ao Evangelho, à sua essencialidade espiritual e intransigência ética. Vimos isso em sua atenção aos últimos, aos deserdados, às pessoas na prisão, em sua preocupação sempre viva com o destino do meio ambiente, em sua firmeza contra os males que afligem a sociedade contemporânea e, em parte, até mesmo a própria Igreja: individualismo, egoísmo, corrupção. Ele deu uma sacudida salutar em toda a Igreja, nos religiosos, nos leigos, nos fiéis, chamando-nos a tomar consciência de nossas limitações e contradições, de nossa preguiça e de nossos comprometimentos morais. Ele olhava com mais confiança para os não-crentes do que para os 'cristãos de salão'.
Então, pode-se dizer que ele colocou a Igreja de volta no centro da aldeia?
Mas a sua não foi uma estratégia, um projeto destinado a se posicionar entre os poderosos da Terra. Quem teve o privilégio de conhecê-lo de perto sentiu acima de tudo a autenticidade da pessoa.