13 Dezembro 2024
Como vivemos em um mundo de injustiças que nos enfurecem e desigualdades claras? Um homem com ótima formação como Mangione, graduado em escola preparatória e em uma universidade da Ivy League, poderia ter trabalhado por mudanças, que levam tempo. Em vez disso, o suspeito optou pelo assassinato. Quem sabe suas razões e motivações? Parece que Mangione estava sofrendo com dor física e, provavelmente, problemas mentais e emocionais. Mas, quaisquer que sejam suas razões, ao fazer o que supostamente fez na West 54th Street, ele desperdiçou sua própria vida, tirou a vida do Sr. Thompson e tornou miserável a vida da família deste último. Para alguém que queria vingar a dor — sua ou a dos outros —, ele só aumentou isso. Devemos lamentar suas ações, não celebrá-las.
O artigo é de James Martin, SJ, padre jesuíta, autor, editor geral da revista America e fundador da Outreach, publicado por America, 10-12-2024.
Na quarta-feira da semana passada, pouco antes das 7 horas da manhã, na West 54th Street em Manhattan, a apenas duas quadras de minha antiga comunidade jesuíta, Brian Thompson, o diretor executivo da UnitedHealthcare, foi assassinado. Até mesmo os nova-iorquinos cansados de tudo ficaram chocados. O fato de que o crime ocorreu em uma das regiões mais movimentadas de Manhattan, no dia em que a árvore de Natal do Rockefeller Center foi acesa, com a área preenchida de policiais uniformizados, foi impressionante. Igualmente surpreendente foi que o suspeito — identificado provisoriamente como Luigi Mangione — conseguiu fugir das autoridades por vários dias.
Talvez ainda mais surpreendente tenha sido a resposta de algumas pessoas a esse crime: celebração, idolatria e glorificação do assassino. Quase imediatamente após a morte de Sr. Thompson, o atirador foi elogiado como um herói, um Robin Hood moderno, embora, ao contrário do famoso bandido do folclore inglês, ele não tivesse dado nada aos pobres. Não importa: o assassinato foi visto como um golpe aos males — escolha o termo que preferir — da indústria de saúde, das seguradoras, do capitalismo ou da sociedade como um todo. Segundo o New York Times, camisetas semelhantes às usadas pelo suspeito estavam “sumindo das prateleiras” e um grupo se reuniu no Washington Square Park para realizar um concurso de sósias. Os comentários online focaram na aversão visceral das pessoas tanto pela indústria de seguros quanto pelo sistema de saúde.
Como alguém com uma mãe em uma casa de repouso e cuja irmã assumiu o fardo de navegar na complicada indústria de seguros para ela; como diretor espiritual que regularmente ouve sobre os desafios médicos dos dirigidos; e como uma pessoa idosa com outros amigos idosos, compreendo que há uma tremenda raiva contra a setor de seguros. Ainda assim, foi um choque feio ler comentários elogiando o assassinato. Um rápido olhar no Instagram e no TikTok revela postagens — tenho certeza de que você as viu — de pessoas oferecendo-se para pagar as despesas legais do atirador e vangloriando-se da morte de Sr. Thompson.
Deixo para os cientistas sociais e psicólogos fornecer respostas definitivas sobre por que nossa cultura se tornou tão endurecida. Mas aqui estão algumas reflexões sobre o tema.
Em primeiro lugar, as pessoas estão zangadas e ressentidas por muitas razões: principalmente, a economia e a falta de empregos significativos com salários decentes, além da percepção (embora errada) de que migrantes estão "roubando" empregos. Se você está à direita, pode estar com raiva do “wokeness”; se está à esquerda, pode estar com raiva da revogação da decisão Roe v. Wade. Em sua raiva e ressentimento, algumas pessoas sentem-se justificadas em agir, como vimos na invasão do Capitólio em 06-01-2021. Em sua mais recente coluna para o New York Times, Paul Krugman apontou que até bilionários estão, de forma bizarra, ressentidos. No entanto, em algum ponto, é preciso perguntar se todos recebem um passe livre se estiverem zangados ou ressentidos para fazer o que quiserem.
Em segundo lugar, tornou-se mais aceitável odiar e demonizar pessoas — e fazer isso publicamente. Está OK ser, em uma palavra, cruel. Na eleição presidencial deste ano, migrantes, refugiados e pessoas transgênero foram tratados como quase sub-humanos. Nas décadas passadas, figuras políticas se envergonhariam se fosse revelado que tinham falado depreciativamente sobre determinado grupo de pessoas; agora, seus comentários zombeteiros estão estampados em camisetas. E, como os historiadores frequentemente apontam, quando você usa linguagem desumanizadora contra um grupo específico (por exemplo, “animais,” “pragas,” “monstros”), torna-se muito mais fácil ver as pessoas como não merecedoras de nosso respeito ou cuidado e até mesmo merecedoras de morte. Essa foi a tática usada pelos alemães contra os judeus, pelos hutus contra os tutsis em Ruanda e, em nosso próprio país, por autoridades governamentais contra escravizados e nativos americanos.
Uma terceira razão para o aumento do ódio é que as mídias sociais podem nos desconectar da realidade. As mídias sociais podem ajudar as pessoas a se sentirem conectadas, a aprender sobre o mundo e até a rezar. Mas se você ficar conectado por tempo suficiente, também verá vídeos de pessoas sendo humilhadas, zombadas e desumanizadas por esporte. “HAHAHA”. Tudo se torna um jogo, uma piada, um meme. Nesse processo, tudo se torna menos real, como escreveu Neil Postman em seu livro premonitório de 1985, Amusing Ourselves to Death. Nas décadas passadas, leitores de jornais acompanhavam com fascínio as façanhas de figuras como Billy the Kid, Bonnie e Clyde, John Dillinger ou, mais recentemente, o “atirador do metrô” Bernhard Goetz. Mas as mídias sociais fazem do assassinato ainda mais um jogo, distanciando-nos ainda mais da realidade do sofrimento das pessoas.
Deixe-me acrescentar uma última razão: a natureza humana. A crueldade é tão antiga quanto a humanidade. E assassinar por ressentimento é um tema recorrente na Bíblia. O primeiro assassinato no Antigo Testamento — Caim matando Abel — ocorreu porque Caim estava furioso que as ofertas de seu irmão fossem mais agradáveis a Deus. O rei Davi queria a bela esposa de seu general, Bate-Seba, então ele organizou a morte de Urias na batalha. Antes, Saul tentou matar Davi três vezes por ressentimento diante da popularidade e dos sucessos militares deste. No Novo Testamento, Judas traiu Jesus por algumas moedas, por razões ainda debatidas, mas provavelmente porque ele sentia que Jesus não era o tipo de Messias que queria. Cada homem se sentia justificado em seus motivos, mas em cada caso, sua razão egoísta levou à morte, bem como à culpa e, no caso de Judas, ao suicídio.
Como vivemos em um mundo de injustiças que nos enfurecem e desigualdades claras? Um homem bem-educado como Mangione, graduado de escola preparatória e da Ivy League, poderia ter trabalhado por mudanças, que levam tempo. Em vez disso, o suspeito optou pelo assassinato. Quem sabe suas razões e motivações? Parece que Mangione estava sofrendo com dor física e, provavelmente, problemas mentais e emocionais. Mas, quaisquer que sejam suas razões, ao fazer o que supostamente fez na West 54th Street, ele desperdiçou sua própria vida, tirou a vida do Sr. Thompson e tornou miserável a vida da família do Sr. Thompson. Para alguém que queria vingar a dor — sua ou a dos outros — ele só aumentou isso. Devemos lamentar suas ações, não celebrá-las.