06 Agosto 2024
Defender Cristo é algo nobre, mas, quando a Igreja fracassa em proteger as pessoas mais vulneráveis em suas próprias dioceses, talvez seria melhor se abster de suas grandiosas denúncias públicas.
A opinião é de Scott “Alex” Peyton, consultor financeiro estadunidense, leigo casado e pai de três filhos. Dedica-se à luta pela justiça e à assistência a sobreviventes de abuso sexual após descobrir que seu irmão havia sido abusado por um padre. Após vencerem o processo criminal contra o abusador, também obtiveram vitória na Justiça contra a Diocese de Lafayette, na Louisiana.
O artigo foi publicado em Where Peter Is, 01-08-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos últimos dias, padres e bispos católicos têm feito um coro de condenação contra a Cerimônia de Abertura das Olimpíadas de Paris. A resposta ao debacle da Última Ceia/Festa de Dionísio evidenciou uma tendência significativa que tenho observado nos últimos anos em relação à Igreja Católica e a seu clero: a erosão de sua autoridade moral na esfera pública.
Nas mídias sociais, quase todas as respostas que eu vi dos clérigos católicos à polêmica foram recebidas com lembretes do escândalo do abuso sexual da Igreja que foram ignorados, timidamente abordados ou descartados como irrelevantes no debate atual.
O clero se sente à vontade nos debates teológicos – seja em defesa da fé no papel, com os protestantes sobre as Escrituras ou com os ateus do tipo Hitchens sobre as provas do design inteligente.
No entanto, quando os clérigos tentam abordar questões morais ou culturais mais amplas, eles são recebidos com uma reação implacável e parecem quase surpresos pelo fato de que o encobrimento generalizado do abuso sexual dizimou sua autoridade moral no âmbito cultural.
Suas respostas geralmente incluem declarações como: “Bem, sim, aquilo lá é terrível, mas... não significa que não devemos abordar isto aqui!”
O problema é que a maioria dos padres evita abordar de frente o escândalo do abuso sexual, de forma honesta e transparente. Eles raramente discutem isso nas mídias sociais ou em fóruns públicos. Quando o fazem, é quase sempre uma tentativa evidente de abordar uma questão à qual eles se sentem forçados a se confrontar, mas não querem fazê-lo, muitas vezes terminando em um convite a permanecer junto da Igreja, enquanto transferem a culpa para Satanás ou a forças demoníacas.
Eles podem mencionar essa questão em particular ou durante uma homilia ocasional – ambos são espaços relativamente seguros. Na experiência da minha própria família, apenas dois padres nos apoiaram publicamente enquanto buscávamos levar seu coirmão padre à justiça.
Parece quase absurdo para a Igreja e seu clero denunciarem veementemente o que eles percebem como zombaria na apresentação de Paris, enquanto notícias de abuso sexual, acobertamentos, crimes financeiros, pornografia infantil e orgias gays cheias de drogas no Vaticano dominam as manchetes. Seria melhor assistir repetidamente à abertura das Olimpíadas de Paris do que ler manchetes sobre as várias “atividades extracurriculares” da Igreja.
Defender Cristo é algo nobre, mas, quando a Igreja fracassa em proteger as pessoas mais vulneráveis em suas próprias dioceses, talvez seria melhor se abster de tais grandiosas denúncias públicas.
Uma zombaria de Cristo muito maior ocorre toda vez que a Igreja – alegando ser a Única e Verdadeira Igreja e representante d’Ele na Terra – minimiza, encobre e participa ativamente no abuso sexual de crianças e indivíduos vulneráveis.
Você consegue imaginar a audácia do clero católico em ficar tão ofendido com a ideia de ser ridicularizado em um país onde um relatório descobriu que mais de 330.000 crianças foram abusadas pelo próprio clero católico?
Talvez seja por isso que o escândalo do abuso sexual seja frequentemente minimizado. É a maior questão eclesiástica deste século, minando severamente a autoridade moral da Igreja Católica em escala global. Ela torna os clérigos efetivamente inúteis ou algo pior – o que é um risco – nas guerras culturais.
O mundo mudou, e a coerência das estruturas lógicas no papel não tem mais o peso que já teve. O que realmente importa agora são as ações dos indivíduos em tempo real, as experiências tangíveis de dor e de sofrimento, e a criminalidade na vida real. Defesas teóricas e argumentos bem estruturados tornam-se sem sentido quando não se refletem no comportamento daqueles que os defendem.
As pessoas precisam ver esses ideais vividos autenticamente pelos indivíduos que elaboram essas construções lógicas. Sem uma autenticidade vivida, as palavras no papel tornam-se vazias e irrelevantes. Isso resulta em uma religião no papel, e uma religião no papel não tem valor nenhum.
Se a Igreja Católica e seu clero querem efetivamente se envolver para além de suas sacristias com o resto de nós, eles devem aceitar humildemente que a mãe e o pai comuns se importam muito pouco com os posicionamentos morais de padres indiferentes e distantes que absolutamente não arriscam a própria pele.